OPINIÃO

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A partir de 1º de abril o recolhimento das contribuições previdenciárias e sociais deixará se ser realizado através da GFIP (guia de recolhimento) e passará a ser pago através de guia Darf (Documento de Arrecadação de Receitas Federais) que será emitida após o envio DCTFWeb (Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais Previdenciários e de Outras Entidades e Fundos), através do sistema e-Social.

Importante registrar que a DCTFWeb consiste em uma obrigação tributária acessória, por meio da qual o contribuinte confessa débitos de contribuições previdenciárias e sociais, inclusive oriundas de condenações em reclamações trabalhistas.

A referida declaração é gerada pelo registro no e-Social de todas as informações decorrentes do processo que originou a cobrança do encargo, mediante o preenchimento dos eventos S2500 e S2501 no sistema. Mudanças como essas trazem muitas dúvidas, pelo que passaremos a analisar alguns impactos na rotina das empresas e no curso das reclamações trabalhistas.

Até a presente data, as contribuições previdenciárias são recolhidas observando os valores homologados em juízo, mediante o preenchimento de guia pela própria empresa ou, quando existe crédito suficiente no processo, com a expedição de ofício pela vara do Trabalho para a Caixa Econômica Federal que providencia o recolhimento dos encargos informados, mediante o uso das quantias anteriormente depositadas.

No entanto, de acordo com a alteração prevista na IN 2.128/2023 da Receita Federal, a partir de 1/4/23 os recolhimentos serão feitos após o envio da DCTFWeb, que exigirá, como dito, o preenchimento de dois novos eventos no e-social: S2500 e S2501.

Segundo o manual de orientação do e-Social, a declaração deve ser feita até o dia 15 do mês subsequente ao trânsito em julgado das decisões ou a data de homologação de acordo judicial ou realizado na CCP e Ninter.

Como se trata de uma novidade que ainda não entrou em vigor e institui uma obrigação de preenchimento de dois novos eventos no e-Social, por ora o que mais existem são dúvidas do que respostas por parte de todos envolvidos: advogados trabalhistas, jurídico interno de empresas, contadores e calculistas.

A Portaria Conjunta 33 de 2022, do MTP e RDF aprovou o Manual do E-social que contém as orientações sobre os eventos relativos aos processos trabalhistas e a maior certeza que se tem é que a simplificação, pregada pela Receita Federal, é apenas da fiscalização e da cobrança dos encargos.

Os eventos relativos às declarações das condenações em reclamações trabalhistas são complexos e geram a necessidade de adaptação seja das partes, dos jurídicos internos, dos RHs das empresas e, principalmente, dos contadores e calculistas. Para se ter uma ideia, apenas um dos eventos, o S2500, tem até 118 campos para serem preenchidos a depender do teor da sentença transitada em julgado. Para piorar, há situações em que é necessária retificação de informações previamente prestadas, por exemplo, quando é reconhecido o vínculo de emprego com um trabalhador anteriormente declarado como autônomo ou quando é reconhecida a unicidade de dois contratos de trabalhos que haviam sido declarados de forma individualizada.

Diante da possibilidade de retificação de informações previamente prestadas, evidente a necessidade do conhecimento e acesso aos dados anteriores e, por isso, se recomenda que o preenchimento dos eventos trabalhistas seja concentrado num mesmo setor ou empresa de contabilidade.

O módulo do evento S2501 exige a informação dos valores pagos, na reclamação ou acordo firmado, de forma detalhada das parcelas e valores, mês a mês, conforme a natureza das mesmas. Isto porque, se possuírem natureza remuneratória devem compor a base de cálculo dos encargos previdenciários, de imposto de renda e ainda FGTS, sendo que as guias destes dois últimos, em breve, também serão geradas no e-social.

As mudanças não impactarão apenas o setor de RH das empresas e contadores com aumento de trabalho, mas, na verdade, trarão muitas dúvidas e necessidades de adaptações na reclamação trabalhista, como em situações corriqueiras que trazemos ao debate.

Numa ação trabalhista é muito comum haver a liberação de valores em mais de um momento, seja mediante a disponibilização de depósitos recursais, seja pela liberação do valor incontroverso reconhecido pela devedora e, obviamente, com o pagamento final do processo.

Atualmente, os recolhimentos previdenciários são feitos à medida em que ocorre a disponibilização de valores para a parte credora, até mesmo para evitar o acréscimo de juros e multa. No entanto, será possível fazer o pagamento proporcional dos encargos se ainda não tiver ocorrido o fato gerador da declaração no e-social?

Como dito, a partir de 1º de abril, a declaração deverá ser feita após o trânsito em julgado de sentença líquida ou da sentença homologatória de cálculos ou ainda na data de homologação do acordo. No entanto, o fato gerador do encargo previdenciário, é a prestação do serviço.

Ou seja, estamos diante de uma multiplicidade de fatos geradores que causam insegurança e oneram o devedor, com acréscimos de juros e multa.

Vejamos uma situação muito comum: com a atual sistemática do §2º do artigo 879 da CLT, a homologação de cálculos apenas ocorre com a prolação da sentença de impugnação.

Assim, nos processos já transitados em julgado sem liquidação, a partir de 1/4, apenas deverá ocorrer a declaração após o trânsito da sentença que homologar os cálculos de liquidação. No entanto, é rotineira a liberação de valores incontroversos, reconhecidos pelas empresas no prazo de impugnação aos cálculos, ou seja, em data anterior a sentença homologatória. Questiona-se, poderá a empresa declarar e pagar o encargo relativo a montantes ainda não homologados? Pelo manual, a obrigação de preencher a DCTFWeb ainda não existe.

A necessidade de aguardar o trânsito em julgado da sentença de liquidação, nos parece óbvia, para impedir que ocorra declaração e recolhimento de encargos maiores dos que os efetivamente reconhecidos judicialmente. Isto porque, a sentença de liquidação tem natureza interlocutória e pode ser atacada, após a garantia do juízo, via embargos à execução, impugnação a sentença de liquidação e ainda, por agravo de petição.

Ou seja, podemos afirmar que o trânsito em julgado da sentença homologatória de cálculos é pré-requisito para o surgimento da obrigação de enviar a DCTFWeb pelo e-social, para que não haja risco de posterior redução do débito previdenciário declarado e pago.

Por outro lado, não podemos deixar de salientar, que a empresa pode optar por já emitir a DCTFWeb e recolher o INSS após a liberação de valores incontroversos e antes do trânsito em julgado da sentença homologatória dos cálculos, a fim de evitar acréscimos de juros e multa sobre os débitos previdenciários, tendo em vista que o fato gerador destes encargos é a prestação dos serviços.

Outra situação que deve ser analisada com cuidado, decorre do fato de que na Justiça do Trabalho não raro ocorre liberação de valor incontroverso mesmo quando a execução é provisória, ou seja, quando sequer há trânsito em julgado no processo, tendo em vista o quanto previsto nos artigos 520 e 521 do CPC. Nestes casos, a princípio também não há que se falar em obrigação de enviar a DCTFWeb, pois, como dito, ainda não existe o fato gerador trânsito em julgado nem mesmo sentença homologatória de cálculos.

Não obstante, como na situação anterior, a empresa pode preencher a DCTFWeb com base nos valores reconhecidos como incontroversos e liberados ao autor, a fim de evitar acréscimos de juros e multa. Ocorre que, não haverá como indicar a data do trânsito em julgado e, em caso de modificação da decisão, a empresa será obrigada a retificar as informações prestadas.

Outra reflexão que trazemos é sobre o procedimento a ser adotado pelas Varas, a partir do próximo mês, nos processos em que ocorre a execução das contribuições previdenciárias. Isto porque, com a nova sistemática e o fim do recolhimento via GFIP, poderá o Juízo fazer o recolhimento dos encargos, mediante o uso de valores destinados a garantia da execução, sem o envio da DCTFWeb?

O Ato Declaratório Executivo (ADE) 02/2003 instituiu um novo código de receita (6092) que deverá constar na Darf a ser emitida, pelo próprio sistema e-social, após o envio da DCTFWeb. Assim, mesmo que a Vara proceda o recolhimento do INSS com o uso da Darf, entendemos que ainda subsiste a obrigação tributária acessória de envio da DCTFWeb, sob pena de incorrer em infração administrativa sujeita a multa.

Vale a pena salientar um outro impacto que as mudanças analisadas trarão no processo do trabalho: o recolhimento dos encargos de terceiros. Atualmente é pacífico na jurisprudência que a Justiça do Trabalho não tem competência para executar os encargos devidos às entidades do "Sistema S". No entanto, com a declaração via DTCFWeb, esse recolhimento que pode atingir 5,8% das parcelas de natureza salarial, passarão a ser recolhidas de forma obrigatória e simultânea com a contribuição previdenciária decorrente da reclamação.

Por fim, deixamos o registro de uma sugestão: o PJE-calc, sistema de cálculos usado nos processos trabalhistas eletrônicos, poderia ser atualizado para possibilitar a conversão automática da planilha homologada para o formato da declaração que deverá ser feita via e-Social. Essa adaptação às novas regras do e-Social, ajudaria no cumprimento da obrigação evitando recolhimentos indevidos e certamente contribuiria para agilizar o encerramento dos processos.

Como visto, as mudanças na sistemática de declaração e recolhimento dos encargos previdenciários geram impactos que demandam atenção e adaptação de todos envolvidos num processo do trabalho.

 é sócia da área trabalhista do escritório Pessoa e Pessoa Advogados.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-mar-14/maria-carolina-miranda-social-reclamacao-trabalhista