Durante os dias 11 e 12 de dezembro está prevista a realização da última reunião do Copom de 2018. 


Como sempre ocorre na sistemática desse tipo de encontro especial dos diretores do Banco Central (BC), muito deverá ser discutido a respeito da conjuntura econômica nacional e internacional, bem como a respeito dos impactos de tal quadro para as perspectivas futuras da economia brasileira. E, a partir daí, quais seriam as recomendações mais adequadas para balizar a política monetária, ou seja, qual o nível recomendado para posicionar a Selic - a nossa taxa oficial de juros.

É importante lembrar que a política monetária é apenas um dos diversos instrumentos de política econômica de que podem se valer os responsáveis dessa área do governo. Além dela, existem as ferramentas de política fiscal, de política cambial, de política creditícia, de política salarial, dentre tantos outros. No entanto, a corrente majoritária que tenta dar a linha para o pensamento hegemônico do financismo sempre insistiu - e ainda persiste - com a ideia de que a taxa de juros é essencial para resolver os problemas gerais de nossa economia. De preferência, desnecessário dizer, para esse pessoal que a taxa que eles mesmos praticam esteja sempre nas alturas.

Apesar de já guardarmos mais de 24 anos de distância em relação ao momento da edição do Plano Real, o fato é que o fantasma da inflação sempre volta à cena quando se trata de buscar argumentos que sustentem a loucura do patamar elevado dos juros que vigoram no Brasil desde aquele momento. Afinal, a inflação de 12 meses às vésperas da divulgação das medidas em junho de 1994 estava próxima a 5.000%. Daí a necessidade emergencial mesmo daquele plano de estabilização monetária. Mas de lá para cá, a dinâmica de crescimento dos preços esteve praticamente sob controle. Tanto que a partir de 1997 até 2018, em apenas 17 dos 264 meses houve uma inflação de 12 meses superior a 10%. E aqui são confundidos, de forma proposital, dois aspectos distintos da mesma questão. 

BC dominado pelo financismo

O primeiro refere-se à arbitragem de um nível da taxa de juros oficial, como mandam os manuais conservadores de macroeconomia tradicional. Se uma determinada sociedade vê-se às voltas com um processo de alta de preços, esse fenômeno nada mais significaria do que a expressão de um desequilíbrio entre oferta e procura, em termos agregados para o conjunto da economia. Assim, a solução passaria por reduzir a pressão da demanda para que os preços retornassem a um patamar dito “de equilíbrio”. Esse objetivo seria atingido pela redução do ritmo das atividades da economia real ou produtiva em geral. Nesse mundo idealizado da ortodoxia, os tais dos agentes econômicos se sentiriam atraídos pela maior rentabilidade dos ativos financeiros - em função da maior taxa de juros - e assim trocariam o desejo de consumo imediato pela colocação de seus recursos em poupança.

O segundo aspecto do problema está relacionado ao mundo real e verdadeiro, ao universo das relações de troca econômicas e mercantis. E aqui o elemento a ser considerado não é mais apenas o patamar arbitrado da taxa oficial de juros, como a Selic, mas sim a forma como essa variável é cobrada pelos bancos e demais instituições financeiras em suas operações rotineiras junto à clientela. Sim, pois a taxa oficial sempre atua como um ponto de referência mínimo para formação das demais taxas de juros no conjunto de setores e ramos. Afinal, nenhuma empresa ou instituição gostaria de receber como remuneração financeira um rendimento mais baixo do que o mínimo oferecido pelo Tesouro Nacional para seus próprios títulos da dívida pública. E, nesse caso, o BC deveria atuar como órgão regulador do sistema financeiro e coibir a prática desses “spreads” abusivos, que tão bem caracterizam o mercado oligopolizado de nossos poucos mastodontes das finanças. Mas a instituição esteve quase sempre dominada pela lógica dos interesses da banca e não do restante da sociedade. Daí sua bem conhecida cara de paisagem frente a essas práticas históricas de espoliação despudorada.

Mas os integrantes do Copom devem ter recebido um extenso relatório preparando a reunião dessa semana, onde um dos pontos relevantes certamente terá sido a divulgação do índice oficial de preços para novembro. O IPCA para esse mês foi negativo em -0,21%. Assim, a inflação acumulada dos últimos 12 meses ficou em 4,05% - ou seja, abaixo do centro da meta oficial de 4,5%. Isso significa que há um enorme espaço para redução da taxa oficial de juros. Como havia, aliás, há muito tempo e nem por isso os membros do comitê se sensibilizaram com a necessidade de estimular a retomada do crescimento do PIB. O Brasil atravessa a maior recessão de sua História e o Copom manteve a Selic em 6,5% desde o início de 2018. Talvez aceite reduzir um pouco agora, mas já é muito tarde. O estrago vem sendo feito desde sempre.

Esse povo da refinada elite financista adora tecer loas aos mecanismos da economia dos países ditos mais desenvolvidos. No entanto, eles se esquecem de mencionar que os Estados Unidos e a União Europeia, por exemplo, lançaram mão de uma política monetária de juros próximos a zero ou mesmo negativos para superar a crise de 2008/9. Exatamente! Pode até soar um pouco estranho para uma sociedade que se tornou viciada em rendimentos financeiros elevados, como a nossa. Mas foi isso mesmo que o FED e o BCE fizeram durante um bom período. Juros negativos significa o contrário do que se pratica por aqui: um desestímulo explícito às aplicações financeiras e parasitas. Com isso, a intenção era incentivar as inciativas geradoras de investimento, produção e emprego. Isso porque até mesmo os liberais conservadores por lá sabem que a saída de qualquer crise com pitadas de recessão passa pela recuperação do crescimento da economia.

Necessário reduzir bastante a Selic

Ora, nessas condições a tarefa do Copom, do BC e do governo deveria ser a de promover uma redução expressiva na Selic e também nos “spreads” extorsivos praticados pelo financismo. Exatamente por isso é que essa imbecilidade de “independência” do BC deveria, do meu ponto de vista, ser eliminada da agenda política e também dos grandes meios de comunicação. O nosso órgão regulador tornou-se independente na prática e não responde aos anseios da maioria da sociedade. O BC foi sendo sucessivamente tomado de assalto pelos banqueiros, como é o caso atual do Itaú (Ilan Goldfajn), mas como foi antes por Henrique Meirelles (Bank of Boston). Na verdade, é necessário um movimento com sinal oposto aos devaneios liberaloides: o Brasil precisa restabelecer a recuperação de mecanismos de controle social sobre a política monetária.

Mas as finanças dominam, de forma isolada, todos os espaços de decisão. A cada semana o BC divulga os relatórios de uma pesquisa (Focus) sobre as perspectivas da economia. E com base nesse informe eles tomam suas decisões. Nas palavras do próprio órgão:

“A Pesquisa de Expectativas de Mercado foi iniciada em maio de 1999, como parte da transição para o regime de metas para a inflação. Seu objetivo é monitorar a evolução das expectativas de mercado para as principais variáveis macroeconômicas, de forma a gerar subsídios para o processo decisório da política monetária.”

E a pergunta que não quer calar: afinal, quem participa dessa enquete? Se as decisões de política monetária são baseadas nesse tipo de informação, o perfil dos respondentes é essencial para seu resultado. Os jornalões adoram estampar manchetes do tipo “o mercado pensa”, “o mercado propõe”, “o mercado exige”. A página do BC nos diz claramente quem são os privilegiados convidados para esse banquete, sem rodeios e sem corar de vergonha:

“(...) apresentação de um resumo dos resultados da pesquisa de expectativas de mercado, levantamento diário das previsões de cerca de 130 bancos, gestores de recursos e demais instituições (empresas do setor real, distribuidoras, corretoras, consultorias e outras) para a economia brasileira, publicado toda segunda-feira”. (GN)

Ora, todos sabemos que a economia não é uma ciência exata. Na verdade, os clássicos como Smith, Ricardo e Marx chamavam esse campo do conhecimento de “economia política”, em razão de seu conteúdo eminentemente multidisciplinar e influenciado por variáveis de natureza histórica, social e política. Por isso é que seria razoável que fossem ouvidos também representantes de outras correntes de opinião da economia, a exemplo de professores de universidades e técnicos de instituições de pesquisa. Assim como seriam também muito bem vindas as contribuições de assessores das centrais sindicais e das associações patronais do mundo produtivo.

Mas talvez isso esperar demais de uma equipe que será comandada por uma figura do perfil de Paulo Guedes.



 * Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.


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