Segundo o FMI, rendimento per capita nesse patamar é marca simbólica de ascensão econômica

Érica Fraga
SÃO PAULO

O Chile deverá encerrar 2018 como a primeira nação da América do Sul a atingir uma renda per capita superior a US$ 25 mil em paridade do poder de compra (PPC), medida que considera diferenças de custo de vida entre os países.

A ultrapassagem não será suficiente para fazer a economia chilena ingressar no grupo que o FMI (Fundo Monetário Internacional) —responsável pela projeção— classifica como avançadas. Mas é uma marca simbólica importante.

O próprio Fundo estabelece a faixa a partir de US$ 25 mil como a mais elevada de renda nas representações gráficas que faz usando como indicador o PIB (Produto Interno Bruto) per capita, aferido em PPC e em dólares correntes. Esse grupo com poder de compra mais alto reúne, atualmente, 63 de 192 países para os quais há dados.

Com PIB per capita de US$ 16,1 mil nessa mesma medida, o Brasil aparece no conjunto imediatamente anterior —dentre outras 4 faixas de renda—, cujo poder de compra varia de US$ 15 mil a US$ 25 mil.

O maior nível de desenvolvimento do Chile —que atingirá PIB per capita de US$ 25,9 mil neste ano—, ajuda a explicar por que a economia do país inspira formuladores de políticas públicas de outros países da região, como o futuro ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes.

 

Ex-professor universitário no país vizinho, Guedes citou, durante a campanha de Jair Bolsonaro à presidência, o Chile como referência domodelo previdenciário de capitalização para o qual ele defende que o Brasil migre gradualmente.

Em entrevista à Globonews, o economista disse que esse sistema —pelo qual os trabalhadores depositam sua poupança em contas individuais e financiam sua própria aposentadoria— ajudou o Chile a se tornar "a Suíça latino-americana" e "democratizou o acesso à riqueza".

De vertente ortodoxa, ele é defensor de outras medidas adotadas no país vizinho, principalmente durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973 a 1990), quando a economia foi comandada pelos chamados "Chicago boys" acadêmicos liberais que, como Guedes, fizeram doutorado na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos.

Segundo Lia Valls, pesquisadora da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), a política de estímulo à produção nacional de bens industrializados em substituição aos importados, que vigorou em vários países da América Latina, se esgotou mais rapidamente no Chile.

"O Chile é um país com mercado consumidor muito pequeno, o que fez com que o modelo de substituição de importações mostrasse sinais de desgaste antes do ocorrido em outros países", diz.

Isso contribuiu, segundo ela, para a busca de um outro modelo de desenvolvimento.

"Com o regime do Pinochet, veio um choque de liberalização da economia", diz Otto Nogami, professor de economia do Insper.

Durante o período, o Chile promoveu uma forte abertura comercial, o que enfraqueceu a indústria local, mas impulsionou maior integração do país ao mundo, que se intensificou com os anos.

"O Chile é hoje um dos países com maior número de acordos de livre comércio no mundo", diz o economista Jorge Arbache, vice-presidente do CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina).

Na semana passada, o Chile fechou uma parceria desse tipo com o Brasil, que inclui 17 pontos não tarifados, como comércio de serviços, eletrônicos e medidas sanitárias e fitossanitárias.

Outro aspecto positivo das mudanças implementadas na década de 80 no país vizinho, segundo Arbache, foi um grau maior de organização institucional e a adoção de políticas fiscais responsáveis.

"A economia chilena é a mais bem organizada da região. Desenvolveu uma cultura responsável de gestão com alto rigor metodológico", afirma o economista.

Essas mudanças somadas a um nível educacional também mais avançado para padrões da região fizeram com que o Chile descolasse dos vizinhos em termos de eficiência econômica.

Segundo dados do "The Conference Board" norte-americano, a produtividade do trabalhador chileno é, hoje, 73% maior do que a do brasileiro e 27% superior a do argentino.

No ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial, o Chile está no 33º lugar, entre 137 nações. O Brasil amarga a 80ª posição.

Apesar desses aspectos positivos, a entrada da economia chilena no grupo de nações desenvolvidas ainda é freada por uma série de barreiras.

Como outras nações da região, a pauta de exportações permanece concentrada em poucas commodities, lideradas pelo cobre.

Embora tenha avançado na tentativa de aumentar o valor agregado de produtos básicos como frutas, a sofisticação da economia do país não é alta.

Para pesquisadores do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade Harvard, em termos de complexidade dos produtos que exporta, o Chile está em 64º lugar entre 127 países, atrás do Brasil, da Colômbia e do Uruguai.

A geografia do país, com regiões de difícil acesso, é um outro desafio em termos de logística.

Além disso, nos últimos anos, diferentes governos do país enfrentaram desgastes relacionados a efeitos colaterais negativos de parte das reformas.

sistema previdenciário admirado por Guedes, por exemplo, tem levado à forte insatisfação social, já que os aposentados pelo regime de capitalização recebem, em média, bem menos do que o salário mínimo local.

Segundo Nogami, essas limitações demonstram que o modelo chileno requer uma série de ajustes que demandarão maior envolvimento do governo na economia, a exemplo do que fizeram os países asiáticos que conseguiram convergir para patamares de renda mais alto nas últimas décadas.

Fonte: Folha de S.Paulo, 27 de novembro de 2018.


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