Nesta 1ª, de 2 abordagens, falaremos do longo passado desse grupamento político, que começou sua atuação orgânica no período Constituinte, entre os anos de 1987 e 1988, até a promulgação da Constituição, em 5 de outubro daquele último ano. Na quarta-feira (1º) publicaremos o texto que trata do presente e futuro.

Antônio Augusto de Queiroz*

A ideia de escrever sobre a trajetória do Centrão, que nasceu em oposição às propostas de parlamentares que depois iriam constituir o núcleo duro do PSDB, veio a propósito da adesão desse grupamento suprapartidário e de perfil conservador-liberal-fisiológico à candidatura do tucano Geraldo Alckmin, uma ironia do destino.

O texto está dividido em 3 tópicos: 1) sobre o passado, que conta como surgiu e atuava o Centrão na Constituinte e no governo Sarney; 2) sobre a história e o comportamento do Centrão nos governos, especialmente de FHC e do PT; e 3) em que tento antecipar as condicionantes do Centrão na próxima legislatura, independentemente de quem seja o presidente eleito.

Surgimento e passado do Centrão
O Centrão nasceu na Constituinte por motivações ideológicas e teve como mentor intelectual o então senador do PDS de Mato Grosso, Roberto Campos, mas as condições para sua constituição ou organização se deram pela resistência dos conservadores ao rumo que estava tomando o arranjo político que resultou na Nova República, com a aliança entre PMDB e parcela dissidente do PDS (organizados na Frente Liberal, que deu origem, em 1985, ao PFL) para eleger Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.

Na Nova República, durante o período Constituinte, logo ficou evidente para os conservadores [1] que o núcleo pensante e de centro-esquerda do PMDB — que depois veio a criar o PSDB — iria liderar o processo de elaboração da nova Constituição, tanto na definição das regras decisórias quanto na indicação dos relatores das 2 primeiras fases de discussão da Carta Magna. E outra parcela do partido, de centro, assumiria a relatoria-geral, a presidência e a vice-presidência da Constituinte, como de fato aconteceu.

A responsabilidade pela definição do processo de elaboração e das regras decisórias da Constituinte foi do então senador do PMDB Fernando Henrique Cardoso (SP), que relatou o projeto de resolução que resultou no regimento interno, a principal motivação da rebelião que levou à criação do Centrão. No regimento, FHC ignorou o projeto prévio de Constituição, que Sarney havia solicitado a uma comissão de juristas, e começou do zero, propondo metodologia de elaboração da Constituição em diversas fases, iniciando por 24 subcomissões, cujo trabalho seria articulado em 8 comissões, cada uma correspondente a 1 capítulo da futura Constituição, passando por comissão de sistematização até a decisão final do plenário.

A designação dos relatores das subcomissões e das comissões temáticas, por sua vez, coube ao então líder do PMDB na Constituinte, o senador Mário Covas (SP), que indicou parlamentares com visão social e progressista para as relatorias, tanto para as subcomissões quanto para as comissões temáticas, embora os relatores destas últimas fossem mais moderados.

Já para a presidência e a relatoria-geral foram eleitos, respectivamente, os deputados Ulysses Guimaraes (PMDB-SP) e Bernardo Cabral (PMDB-AM), ambos de perfil centrista. Como vice-presidente ficou o então presidente do Senado, Mauro Benevides (PMDB-CE), também de centro.

O debate nas subcomissões e comissões foram intensos e revelaram as disputas entre progressistas e conservadores. Nesse embate, como as relatorias estavam em mãos de parlamentares progressistas, estes levavam vantagem e foram poucos os casos em que os conservadores derrotaram ou modificaram os relatórios, o que foi criando ambiente para a união dos conservadores nas fases finais: comissão de sistematização e plenário.

Contrariados com os textos saídos das comissões e organizados pelo relator da comissão de sistematização, os conservadores resolveram se organizar no Centrão para modificar o regimento interno com o objetivo de mudar substancialmente a proposta constitucional. O regimento vedava a apresentação de emendas abrangentes, envolvendo mais de 1 dispositivo.

O 1º ato desse grupamento informal foi 1 manifesto, lido em plenário pelo deputado Daso Coimbra (PMDB-RJ), defendendo mudança no regimento interno. O 2º foi abaixo assinado pela mudança regimental subscrito por 319 constituintes. 

Ainda que sem caráter orgânico, era possível identificar os porta-vozes e ‘4 interesses que se organizaram em torno do Centrão e seus principais interlocutores:

- o 1º era liberal, representado por Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), Expedito Machado (PMDB-CE) e Luis Roberto Ponte (PMDB-RS);

- o 2º era conservador em relação aos valores, liderado pelo evangélico Daso Coimbra (PDMB-RJ), Amaral Neto (PDS-RJ) e Bonifácio de Andrada (PDS-MG);

- o 3º era ruralista, representado por Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP) e Ricardo Fiúza (PFL-PE); e

- o 4º interesse era governista, representado por José Lourenço (PFL-BA), Carlos Santana (PMDB-BA) e Gastone Righi (PTB-SP).

Entre os temas que os liberais gostariam de rever estavam basicamente os direitos trabalhistas, os monopólios das estatais na exploração de atividade econômica em setores estratégicos da economia e o conceito de empresa brasileira de capital nacional. No caso dos ruralistas, o objetivo era evitar a reforma agrária, mexer nos direitos indígenas e eliminar os avanços previstos no capítulo do meio ambiente. Os conservadores queriam modificar o título dos direitos e garantias individuais e o Capítulo da Comunicação Social, considerados muito permissivos e até nocivos à preservação dos valores das famílias. E para os governistas, além do Capítulo da Seguridade Social, que aumentava muito as despesas governamentais, o foco central era o retorno do presidencialismo, como sistema de governo, além de evitar a redução de 6 para 4 anos do mandato do então presidente Sarney.

Frente a pedido subscrito por mais de 300 constituintes, que representava a maioria absoluta do colegiado, o presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães, não teve alternativa a não ser acatá-lo, designando o vice-presidente da Constituinte, senador Mauro Benevides, para elaborar a mudança do regimento, que trouxe como principais novidades a emenda aglutinava e o DVS, até hoje praticados no Congresso.

O Destaque para Votação em Separado (DVS) permitia, via abaixo assinado, excluir artigos e até capítulos da Constituição da votação global do texto base para que fossem submetidos a votação específica, ficando fora da Constituição o texto destacado se não alcançasse a maioria absoluta dos votos, o que seria impossível sem o apoio do Centrão. A emenda aglutinativa, por sua vez, permitia a junção de várias emendas, desde que subscritas por líderes, para formar novo texto, e muitas foram feitas apenas com o propósito de prejudicar emendas contrárias ao interesse do Centrão, já que as emendas que fossem objeto de fusão ou aglutinação seriam consideradas prejudicadas e não poderiam ser destacadas para votação.

Vencida a batalha da mudança regimental, o Centrão percebeu que não teria condições de elaborar todas as emendas ao texto constitucional dentro do prazo fixado e, diante da impossibilidade de sua ampliação, cometeu seu 1º “pecado”, fraudando o protocolo para a entrega das emendas. A pedido de Ricardo Fiuza e de Bonifácio de Andrada, o então secretário-geral da Mesa, Paulo Afonso, orientou a funcionária da Comissão de Constituição e Justiça, que recebia as emendas, que saltasse, alternadamente, a numeração das emendas recebidas, para que os espaços vazios pudessem ser preenchidos com as emendas do Centrão no dia seguinte, conforme relato do próprio Paulo Afonso [2].

Com a mudança regimental, que passou a dar preferência aos textos (emendas e substitutivos) do Centrão — e considerando o caráter excessivamente liberal, do ponto de vista econômico, atrasado, do ponto de vista social e da reforma agrária, e conservador, do ponto de vista dos valores — impõe-se a necessidade de negociação mais amplas, que foi quando consolidou-se a ideia do Colégio de Líderes, instância encarregada de buscar o consenso entre as diversas forças políticas em tornos dos temas a serem votados, sob pena de impasse. É nesse momento que surge o MUP (Movimento Unidade Progressista), o embrião do PSDB.

A relação do Centrão com os diversos governos
A estratégia do Centrão — na relação com o governo Sarney — teve êxito parcial, especialmente em relação à questão agrária, à duração do mandato de Sarney, que ficou em 5 anos e não em 4 como queriam os futuros tucanos, e também em relação ao sistema de governo, tendo conseguido derrotar o parlamentarismo e manter o presidencialismo.

A contrapartida do apoio ao governo Sarney foi generosa e individual, sob a forma de perdão de dívida nas instituições oficiais, de liberação de recursos do orçamento para as bases eleitorais dos constituintes, e principalmente mediante a concessão aos aliados — ou a alguém indicado por eles, inclusive parentes — de canais de rádio e de televisão.

Os 3 principais operadores no governo para pagar a fatura do Centrão foram o então ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, o ministro da Habitação, Prisco Viana, e o ministro da Indústria e Comércio, deputado Roberto Cardoso Alves, o Robertão, que ficou conhecido por colocar em prática e assumir publicamente a célebre frase da oração de São Francisco de Assis “é dando que se recebe”.

No governo Collor, apesar da presença dos integrantes do Centrão na base e nos postos-chave na área social, o ambiente foi muito tumultuado. Em 1º lugar porque governou 1 ano com o Congresso que dava sustentação ao governo Sarney, que foi muito atacado em sua campanha. E 2º pela postura messiânica do governo, que rapidamente foi perdendo legitimidade perante os principais atores políticos do País, inclusive no setor empresarial. Em 3º pela rejeição popular ao confisco da poupança e à prática de corrupção por aliados do presidente, que levaram ao processo de impeachment.

Apesar do curto e tumultuado período do governo Collor, o Centrão teve “colheita generosa”, especialmente no período do processo de impeachment. O principal operador do governo Collor para atender aos pleitos do Centrão era o ministro da Ação Social, Ricardo Fiúza, que assumiu a pasta em janeiro de 1992, no momento mais crítico do governo.

Durante a gestão de Itamar, embora fizesse parte do governo e de sua base de apoio, o Centrão tinha como prioridade a revisão constitucional e estava preocupado com a defesa de alguns de seus membros então sob investigação na CPI dos Anões do Orçamento. A revisão se inviabilizou, de 1 lado, pelas disputas internas entre PMDB e PFL pela relatoria, e, de outro, pelo desinteresse do presidente da República na revisão, pelo funcionamento e repercussão da CPI dos Anões do Orçamento e pela contundente oposição da esquerda.

Existe tradição no Congresso Nacional, segundo a qual sempre que Câmara e Senado se reúnem conjuntamente, a sessão tem a presidência de uma Casa e a relatoria é da outra, e quando o presidente é do maior partido, a relatoria cabe ao segundo maior partido ou vice-versa.

A disputa pela relatoria da revisão constitucional se deu porque o PMDB, que já tinha a presidência do Congresso Revisional, na pessoa do presidente do Senado, Humberto Lucena (PMDB-PB), também reivindicava a relatoria para deputado do partido, sob o fundamento de que o presidente da revisão não estava vinculado a partido, já que constitucionalmente a Presidência da Revisão era do presidente do Senado, independentemente de que partido fosse. Já o PFL, sob o fundamento de que 1 senador do PMDB presidia a revisão, reivindicava o posto de relator para o deputado Luís Eduardo Magalhães, com o objetivo de promover as mudanças defendidas pelo Centrão. No final ganhou a disputa o PMDB, que designou o então deputado Nelson Jobim (RS), que produziu 81 pareceres incorporando todas as propostas do Centrão.

Nos governos FHC, o apoio do Centrão foi determinante na aprovação das reformas da ordem econômica, considerando que propostas idênticas já tinham sido subscritas pelo Centrão para a fracassada Revisão Constitucional e incorporadas nos pareceres do então relator, Nelson Jobim.

A fatura do Centrão nos governos FHC foi cobrada em 4 votações relevantes: a PEC da reeleição, a PEC da reforma administrativa, a PEC da reforma da Previdência, que foram concluídas; e também no projeto da flexibilização da CLT, que não chegou a ser concluída, tendo sido retirada do Senado pelo presidente Lula, em 2003.

A melhor “colheita” nesse período, sem dúvida nenhuma, foi na votação da reeleição, na qual os membros do Centrão ganharam triplamente: do governo federal, dos governos estaduais e dos prefeitos, todos interessados em 2 mandatos consecutivos.

Tal como nos governos anteriores, o Centrão também assumiu postos-chave no governo FHC, especialmente nas áreas social e de infraestrutura. Entretanto, FHC, diferentemente do governo Sarney, não fazia concessões individuais, exceto na votação da emenda da reeleição, no qual consta que aliados receberam financiamentos individualmente.

O método preferido de FHC para fazer concessões era o coletivo e sempre mediante medida provisória (MP) ou projeto de lei (PL), para retirar do governo dele a acusação de fisiologismo, além de dividir responsabilidades com o Congresso. Foi nesse período que cresceram no Legislativo as chamadas bancadas informais, porque aquelas se organizavam para receber os favores do governo, que eram dados por segmento: o financeiro, o ruralista, etc.

Os 3 recursos de poder para manter a base unida, de Sarney a FHC, sempre foram: 1) cargos; 2) recursos de orçamento (por emenda ou convênio); e 3) negociação do conteúdo da política pública.

Nos governos do PT, com exceção do PFL, o Centrão manteve-se unido e apoiando o governo, embora cobrando caro por esse apoio, inclusive no período que antecedeu à adesão do PMDB ao governo. As concessões, até as negociações para ingresso do PMDB do governo, eram 2 das 3 modalidades praticadas nos governos anteriores: cargos e recursos do orçamento.

Quando o PMDB foi para a base do governo Lula, sem o qual o presidente Lula não teria votos suficientes para aprovar as reformas tributária e da Previdência, os partidos do Centrão tiveram que ceder alguns ministérios para o novo aliado, já que o PT não estava disposto a abrir mão de ministérios [3]. A fatura para isto, entretanto, foi alta. Além de exigir compensações pecuniárias do PT, passou a cobrar do governo cargos em estatais com capacidade de arrecadar — como a Petrobras e a Eletrobras, etc — dando origem, respectivamente, aos chamados mensalão e petrolão.

Durante os governos do PT houve 2 momentos bem distintos: o governo Lula e o governo Dilma. No governo Lula, exceto no período de “namoro” com o PMDB, a relação política era boa. No governo Dilma, embora o Centrão continuasse ocupando postos-chave no governo, a relação política nunca foi boa.

O Centrão, entretanto, nunca confiou muito no PT, especialmente no governo Dilma, tanto que aprovaram a Emenda Constitucional 86/15, para tornar impositivo o pagamento das emendas parlamentares, temendo que a presidente pudesse priorizar somente a liberação de emendas da esquerda. Para tanto utilizaram uma PEC apresentada em 2006 pelo senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA).

No governo Dilma, o Centrão nunca teve grandes “colheitas”, como ocorreu nos governos Collor, FHC e Lula. A relação sempre foi conflituosa, tanto que escalaram seu principal líder, Eduardo Cunha, para concorrer à Presidência da Câmara. Nesse posto estratégico, o Centrão teria meios de pressionar o governo a atender seus pleitos, sob pena de oposição ostensiva do presidente da Casa.

Eduardo Cunha foi eleito presidente da Câmara e, mesmo assim, a relação não melhorou. O desfecho final da guerra entre Cunha e Dilma foi precipitada pela recusa do PT em votar a favor de Cunha no Conselho de Ética. O presidente da Câmara, em represália à negação do PT de votar a favor do arquivamento de processo que tramitava contra ele no Conselho de Ética da Câmara, abriu o processo de impeachment da presidente Dilma.

O próximo artigo vai ser sobre o presente do Centrão.

(*) Jornalista, consultor, analista político e diretor de Documentação do Diap. Acompanha o Congresso há mais de 30 anos.

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NOTAS

[1] Distribuídos em vários partidos: PMDB, PFL,PDS, PTB, PL e PDC.

[2] Paulo Afonso Martins: O Congresso em meio século. Coleção memória do servidor, pag. 173.

[3] Ainda assim, em 2004, o PT teve que abrir mão do Ministério da Previdência e, em 2005, do Ministério da Saúde para o PMDB, e Ricardo Berzoini deu lugar a Amir Lando e Humberto Costa a Saraiva Felipe.

Fonte: Diap, 31 de julho de 2018.


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