Uma operação resgatou três argentinos de condições análogas às de escravo que atuavam na colheita de cenoura, beterraba e cebola em Vacaria (RS). Esse é o terceiro resgate de trabalhadores do país vizinho no estado apenas em 2025 – outros nove foram encontrados em Flores da Cunha e mais quatro em São Marcos, segundo a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego.
A reportagem é de Leonardo Sakamoto, publicada por Repórter Brasil.
Eles foram contratados por um empreiteiro que prestava serviços para produtores rurais. Um deles tinha 17 anos. “Esse empreiteiro os ameaçava, indicando que tinha armas e que poderiam ser mortos”, aponta o auditor fiscal do trabalho Rafael Zan, que coordenou a ação. “Tanto que deixaram suas coisas para trás e procuraram a polícia”, explica.
Reclamações de falta de pagamento e de comida e de condições precárias foram denunciadas às autoridades. Durante a diligência, quando os trabalhadores foram apontar o local de alojamento, uma pessoa indicou que estaria armada, segundo a fiscalização.
A ação foi realizada pela Superintendência Regional do Trabalho, pelo Ministério Público do Trabalho e pela Polícia Civil. O nome do empregador ainda não foi publicizado, pois a operação ainda está em curso. Tão logo seja, a reportagem pedirá um posicionamento e publicará aqui.
O alojamento foi erguido pelos próprios trabalhadores e não contava com camas, instalações elétricas e nem porta — havia apenas um buraco na parede por onde entravam e saíam. Nas frentes de trabalho, as refeições eram feitas no meio do mato sob tendas de lona improvisadas. Não contavam com equipamentos de proteção individuais.
Segundo a fiscalização, os trabalhadores sofriam descontos abusivos em seus salários, incluindo a cobrança de valores exorbitantes por comida, bebidas e mesmo pelo alojamento precário.
Cidadãos do Mercosul não precisam de visto nem passaporte para atravessar as fronteiras do bloco. Mas, para trabalhar em outro país, necessitam de autorização de residência e visto de trabalho. Segundo a fiscalização, há trabalhadores argentinos que não contam com essa documentação e acabam se tornando presas fáceis nas mãos de empreiteiros. Principalmente, quando são de origem humilde e estão fugindo da pobreza.
“É um serviço que ninguém quer, que ninguém se dispõe a fazer, e eles se sujeitam justamente porque não têm documentos. E trabalham sob o medo de que a polícia seja acionada e eles sejam mandados embora do Brasil”, explica Rafael Zan.
Após o resgate, um termo de ajustamento de conduta foi formado pelo MPT e os trabalhadores vão receber salários e verbas rescisórias devidos pelo empregador e será providenciado transporte de volta à Argentina. O Ministério do Trabalho e Emprego também garantiu a emissão de CPF, Carteira de Trabalho e o seguro-desemprego especial para os trabalhadores resgatados da escravidão — três parcelas de um salário mínimo.
Trabalho escravo contemporâneo
A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade.
Desde a década de 1940, a legislação brasileira prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
Os mais de 65 mil trabalhadores resgatados estavam em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, cebola, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis, entre outras atividades, como o trabalho doméstico.
No total, a pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada desde 1995. Números detalhados sobre as ações de combate ao trabalho escravo podem ser encontrados no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.
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