OPINIÃO

A prova digital de geolocalização tem ganhado destaque na Justiça do Trabalho, sendo uma ferramenta crucial em diversos processos. A evolução das tecnologias de rastreamento e a crescente adesão aos dispositivos móveis têm possibilitado o uso desses dados como evidência objetiva. Este artigo explora os impactos dessa prática, destacando o papel do sistema Veritas após a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Evolução da prova digital de geolocalização

Histórico e desenvolvimento: a utilização de dados de geolocalização como prova enfrentou resistência inicialmente, devido à alegada falta de regulamentação específica e preocupações com a privacidade. Entretanto, com o avanço da tecnologia e a crescente dependência de dispositivos móveis, os tribunais começaram a aceitar essas provas, embora de forma contraditória.

Exemplos de casos judiciais:

– Caso favorável: TRT-1 – Processo nº 0100476-34.2021.5.01.0074: o tribunal reconheceu a nulidade processual por indeferimento de prova de geolocalização, determinando a reabertura da instrução para a produção dessa prova, tida por essencial para demonstrar a idoneidade dos controles de ponto.

– Caso desfavorável: IRDR 0000613-07.2022.5.08.0000: O TRT-8 decidiu que o acesso a dados de geolocalização do celular pessoal do empregado sem autorização é inadmissível, destacando a importância de proteger a privacidade dos trabalhadores.

Decisão paradigmática do TST

O recente acórdão da SDI II do TST (Tribunal Superior do Trabalho, Acórdão ROT-23218-21/2023-5-04-0000) marcou um ponto de virada ao reconhecer formalmente a validade das provas de geolocalização em processos trabalhistas. Esse acórdão resolveu a controvérsia existente nos tribunais inferiores, onde algumas decisões eram favoráveis e outras contrárias à aceitação dessas provas.

Fazendo um mapa mental, uma nuvem de palavras, com base no acórdão referenciado extraímos: verdade processual, verdade real, primazia da realidade, paridade de armas, dever da verdade em juízo, dever de cooperação, segurança jurídica, justiça do trabalho.

Essa decisão é, assim, uma verdadeira aula sobre provas digitais de geolocalização. Os próprios itens de sua ementa trazem os tópicos de maior relevo para se compreender a sistemática desta prova, a saber:

  1. Aceitação de provas digitais: tanto a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709 de 2018, artigo 7º, inciso VI), quanto a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011, artigos 21 e 31) e o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965 de 2014, artigo 22), permitem o acesso a dados pessoais para defesa e produção de provas em juízo.
  2. Adequação, necessidade e proporcionalidade: A validade das provas digitais exige que sejam adequadas, necessárias e proporcionais.
  3. Primazia da realidade: este princípio, segundo o qual o conteúdo prevalece sobre a forma, pode ser utilizado tanto por empregados quanto por empregadores.
  4. Paridade de armas: 0 princípio assegura oportunidades iguais para ambas as partes, sendo vedado o deferimento de geolocalização apenas quando requerido pelo empregado.
  5. Regime de inclusão: a admissibilidade de provas deve incrementar as possibilidades de obtenção da verdade real.
  6. Dever de cooperação: a geolocalização só invade a intimidade do trabalhador se ele não cumprir o dever de cooperação (artigo 6º, CPC).
  7. Não há quebra de sigilo telemático: A proteção constitucional se refere à comunicação dos dados, não aos dados em si.
  8. Uso da tecnologia: a justiça do trabalho acompanha o avanço tecnológico, como demonstrado pelo sistema Veritas, que minimiza a invasão de privacidade ao focar em dados específicos.

Ferramenta Veritas

O sistema Veritas, desenvolvido pelo TRT-12, trata dados de geolocalização obtidos de operadoras de telefonia e do Google Takeout. Essa ferramenta é essencial para a análise desses dados em processos judiciais, proporcionando uma visualização clara e detalhada.

Funcionalidades principais:

  1. Visualização de dados de geolocalização: o Veritas permite a visualização de dados de localização em mapas, facilitando a compreensão dos movimentos e locais frequentados pelas partes envolvidas no processo.
  2. Tipos de dados tratados:

– Dados de telefonia: incluem extratos de voz/chamadas e conexões de dados, com endereços das ERBs (estações rádio base).

– Dados de localização do Google Takeout: engloba registros brutos de localização, visitas a locais específicos e atividades.

Atualmente, o sistema é adotado por vários tribunais, como TRT-2, TRT-5, TRT-7, TRT-10, TRT-12, TRT-15, TRT-17, TRT-23 e TRT-1. O Veritas garante a integridade e precisão das provas digitais, filtrando dados para focar apenas nas informações relevantes para o caso.

Conclusão

A prova digital de geolocalização é uma ferramenta poderosa na Justiça do Trabalho, oferecendo evidências objetivas e complementando outros meios tradicionais de prova. A decisão do TST solidificou a validade dessas provas, estabelecendo critérios claros para sua admissibilidade. Com o uso responsável e ético dos dados, a geolocalização pode desempenhar um papel crucial na resolução de disputas trabalhistas, equilibrando a necessidade de provas objetivas com a proteção da privacidade dos envolvidos.

O uso da prova digital deve ser feito com cautela para garantir a privacidade e a intimidade das partes. Medidas como sigilo e limitação temporal do objeto da prova são essenciais para preservar a privacidade, restringindo-se aos fatos controvertidos. Esses fundamentos refletem uma compreensão detalhada e atualizada das implicações legais, éticas e práticas da utilização de provas digitais, particularmente a geolocalização, no âmbito do Processo do Trabalho.

  • é juíza titular de Vara do Trabalho da Capital do Rio de Janeiro, presidente da Associação dos Juízes do Trabalho (Ajutra), formadora de juízes pelo TST/Enamat/CSJT e pela Escola de Magistratura Nacional Francesa (ENM), doutoranda em Ciências Jurídicas Filosóficas (Teoria da Decisão) na Universidade de Coimbra (Portugal), mestre em Ciências Jurídicas Processuais pela Universidade Clássica de Lisboa, professora e conteudista na Escola de Magistratura TRT-1, membro do Conselho Pedagógico da Escola Judicial do TRT-1, vice Coordenadora do Subcomitê do CNJ no TRT-1 de Inovação no Poder Judiciário, membro da Comissão Especial de Inteligência Artificial e Inovação do Instituto da Ordem de Advogados do Brasil (IAB).

    CONJUR

    https://www.conjur.com.br/2024-ago-02/prova-de-geolocalizacao-na-justica-do-trabalho-impactos-e-o-papel-do-veritas/


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