Tendo como horizonte 2050, Muriel Pénicaud oferece-nos uma visão prospectiva das profundas metamorfoses do trabalho e da educação que estão por vir. Antecipar estas mudanças é crucial para moldar uma sociedade onde progresso rime com equidade.

A reportagem é de Florence Santrot, publicada por We Demain, 12-11-2023. A tradução é do Cepat.

Ex-ministra do Trabalho da França (2017-2020), Muriel Pénicaud liderou uma grande reforma da formação profissional, da aprendizagem e da CPF (Conta de Formação Profissional). Durante anos embaixadora junto à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), é atualmente presidente do Fundo Sakura e continua a estudar de perto a evolução no mundo do trabalho, da educação e da formação.

Convidada por We Demain e we are_ no âmbito do evento prospectivo we are_ Demain, ela detalhou o que pensa sobre o mundo do trabalho, da formação e da educação em 2050. Se ela admite que não pode fazer projeções precisas para daqui a 25 anos, explica, no entanto, que já temos uma boa ideia do que está por vir em 2030 e 2040.

Muriel Pénicaud fala em um “tsunami do trabalho” que se aproxima. Não será um tsunami devastador, mas quatro ondas que virão simultaneamente para alterar a nossa vida cotidiana. É a conjunção destas quatro mudanças que criará uma convulsão muito significativa no mundo do trabalho. Obviamente, isto envolve riscos, mas também muitas oportunidades e criação de novo valor.

Transição ecológica e IA: duas ondas que vão abalar o mercado de trabalho

Onda 1: a transição ecológica

“A primeira onda é obviamente a transição ecológica. Isto terá consequências importantes em termos de emprego. Seja na agricultura, no setor agroalimentar, na energia, na construção ou mesmo na indústria automobilística. Mas também sobre a água, a gestão ambiental, as finanças (finanças verdes, sustentáveis), etc. Para dar um exemplo das mudanças nas competências, é preciso compreender que hoje, na Índia ou na Polônia, 80% da energia provém do carvão. Um trabalhador do carvão na Silésia (Polônia) não se tornará técnico nuclear ou em turbinas eólicas da noite para o dia. As mudanças podem por vezes até ser geográficas: as energias verdes não serão necessariamente produzidas nos mesmos países. Frequentemente, eles serão realocados. Esta enorme frente irá produzir muitos novos empregos”.

Onda 2: a inteligência artificial

“A segunda onda clara é a inteligência artificial no sentido amplo, tudo o que acontece do ponto de vista tecnológico. Quase da noite para o dia, com a chegada do ChatGPT, tornou-se real para todos, enquanto a transição ecológica é muito mais abstrata. A IA terá enormes consequências com empregos sendo destruídos, criados ou transformados. Muitas profissões serão transformadas, algumas de forma muito significativa”.

“Isso permite economizar tempo na execução das tarefas, mas a grande questão é: tempo para quê? Isso desloca o valor. Por outro lado, se a IA é muito boa na análise, ainda não é tão boa nos aspectos emocionais e criativos. Podemos, portanto, imaginar que em termos de saúde poderíamos ganhar tempo nos diagnósticos para dedicar mais tempo à relação humana com o paciente. Ainda precisamos considerar isto como uma mais-valia e não aproveitar esta economia de tempo para reduzir ainda mais o número de pessoal da enfermagem...”.

A demografia e as mudanças nas relações no trabalho: forte impacto sobre a população economicamente ativa

Onda 3: as mudanças demográficas

“Nesta questão, até agora a França foi poupada, mas agora o nosso país está, por sua vez, assistindo ao declínio da taxa de natalidade. Um declínio que afeta todos os países do Norte: América do Norte, Europa, Rússia, China, Japão. Duas consequências: o envelhecimento da população, que traz necessidades sociais e médicas muito maiores. Por todo o lado nestas regiões procuramos médicos, enfermeiros, cuidadores, ajudantes a domicílio... Isto também causa dificuldades no recrutamento, o que se tornou uma realidade em quase todas as empresas”.

“Há quinze anos, na França, no auge, tínhamos cerca de 950 mil jovens entrando no mercado de trabalho todos os anos. Hoje, devem ser cerca de 750 mil, no máximo. Por outro lado, no Hemisfério Sul a situação é muito diferente. Na África, metade da população tem menos de 20 anos. Há uma enorme necessidade de educação e desenvolvimento econômico lá. Podemos ver claramente qual poderá ser a resposta à queda da população no Norte, mas neste momento não estamos todos nesta tendência. No entanto, na França, há 10% de imigrantes, mas são 17% de médicos e 17% de pessoal do setor de restaurantes, por exemplo. Aconteça o que acontecer, estas questões demográficas serão abordadas através do envelhecimento e do declínio das taxas de natalidade”.

Onda 4: uma mudança na relação com o trabalho

“Esta é a última onda que irá abalar o mercado de trabalho até 2050. Esta relação evoluiu ao longo dos séculos, mas estamos assistindo a uma aceleração das mudanças nos últimos anos. A Covid ampliou o fenômeno, com efeitos duradouros. Em primeiro lugar, existe uma procura de equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal que não afeta apenas um nicho de burgueses, mas é geral. Em todos os setores, é necessária uma flexibilidade escolhida. Não mais apenas os gestores, mas também os trabalhadores”.

“Outro ponto importante: a questão do sentido no trabalho. As empresas de combustíveis fósseis constatam isso hoje: mesmo que paguem melhor do que o resto do mercado, têm cada vez mais dificuldade para atrair talentos. Devemos entender também que este não é o sentido do trabalho de forma macro. Este é também o significado do trabalho no dia a dia. Por exemplo, se houver muitos relatórios, as pessoas vão embora. Nos hospitais, 20 a 30% do tempo é gasto em relatórios. Isso é desanimador. Se você não consegue se orgulhar do seu trabalho, ser reconhecido por ele, mas também poder dizer aos seus filhos e aos seus amigos: ‘Estou orgulhoso. Hoje fiz isto e sei que é útil’, esta perda de sentido pode encorajar-nos a procurá-lo em outro lugar. Ora, a taxa de desemprego é baixa…”.

Até 2030, 50 a 80% dos empregos serão criados, destruídos ou transformados

“Segundo estudos, 50 a 80% dos empregos serão criadosdestruídos ou transformados até 2030. Cerca de um bilhão de empregos serão afetados. E 2030 é amanhã!, sublinha Muriel Pénicaud. É por isso que digo que um tsunami está realmente se aproximando. Sempre houve mudanças. Mas mudanças nesta velocidade e magnitude não têm precedentes”.

Mas tudo isto não será necessariamente um desastre, insiste ela. Pode ser uma energia de movimento se soubermos antecipar e fazer um acompanhamento... Aconteça o que acontecer, teremos no entanto que ter muito cuidado com estas ondas, como a da transição ecológica. “Não esqueçamos que há 5 anos eclodiram os Coletes Amarelos, lembra Muriel Pénicaud. Tudo começou com uma taxa ecológica de 0,06€ por litro de gasolina. Foi isso que desencadeou o movimento mas, antes disso, foi consequência de cerca de trinta anos de planejamento urbano mal pensado, de políticas públicas – ou de políticas não públicas –, de situações descontroladas que criaram esta situação. A questão do poder de compra continua mais candente do que nunca. Para que estas ondas sejam aceitas, as pessoas devem ter a sensação de estar no controle do seu destino e de não estarem sujeitas a estas transformações rápidas e profundas”.

A questão da formação ao longo da vida torna-se crucial. Há 20-30 anos, considerava-se que as competências técnicas eram válidas por 30 anos. Portanto, tínhamos bagagem para quase toda a nossa vida profissional. Hoje consideramos que, em média, uma habilidade técnica tem validade de 2 anos. Em breve serão 8 meses. Um estudo realizado em Singapura estimou que, para atender às necessidades futuras, uma pessoa precisaria dedicar 120 dias por ano à formação. A formação ao longo da vida, integrada na vida cotidiana, de forma contínua, através da autoaprendizagem, torna-se assim uma necessidade absoluta.

Reformar imediatamente a educação na França

Estas mudanças atuais e futuras no mundo do trabalho devem ser acompanhadas por uma reforma educativa. O nível geral na França está diminuindo. Estamos em 25º lugar na Europa dos 27. Nesta área, Muriel Pénicaud sugere inspirar-se na Finlândia. “Eles levaram a neurociência a sério. Aprender através de gestos e brincadeiras até por volta dos 7 anos. Então, até essa idade, os mais novos estão no jardim de infância, por assim dizer. É um pouco como a escola Montessori. Eles aprendem o desenvolvimento das relações sociais, emoções e criatividade. Eles cozinham, cuidam do jardim, interagem com os animais, descobrem a música. Tudo está aberto e então as crianças começam a estruturar seu aprendizado por volta dos 7-8 anos”.

A curiosidade e diferentes formas de inteligência são assim incentivadas. Não se deve tentar enquadrar as crianças em moldes desde tenra idade, como é o caso na França. Então, à medida que crescemos, teremos que levar em conta a IA. Ela já existe, por isso não devemos agir como se não existisse.

“Estamos vendo coisas interessantes surgirem, como a “pedagogia invertida”. Sobre um novo assunto ou conceito, antes de abordar a questão atual, as crianças devem ter assistido no ChatGPT ou em outro lugar tudo o que há para saber sobre o assunto. Devem ter uma síntese um tanto simplificada. Mas este não é o ponto de chegada, é o ponto de partida. É agora que começamos a discutir em sala de aula. Primeiro, temos certeza de que as fontes são boas? Concordamos com o assunto? Que outras perguntas devemos nos fazer? É uma educação crítica, investigações com espírito de busca do que devemos fazer”.

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