Quando José Carlos Alves dos Santos assassinou sua mulher, Elizabeth, jogou o Congresso Nacional no que talvez tenha sido a maior crise da sua história. José Carlos era o principal assessor da Comissão de Orçamento. E matou Elizabeth com medo de que ela revelasse o que sabia sobre o esquema de desvio de verbas públicas do qual ele, como técnico, era o principal arquiteto. O esquema enriquecera o próprio José Carlos e parte dos deputados e senadores que o comandavam, o grupo que à época ficou conhecido como Anões do Orçamento.

O plano mambembe de José Carlos para se livrar de sua mulher foi descoberto. O assessor foi preso e resolveu revelar tudo. Instalou-se a CPI do Orçamento, e o Congresso viu-se obrigado a cortar na carne. Trinta e sete parlamentares foram investigados, a CPI pediu a cassação de 18 deles. Seis somente foram realmente cassados, mas outros quatro renunciaram.

De qualquer forma, o escândalo fez com que o Congresso criasse regras e amarras que durante um bom tempo evitaram novos escândalos. Desestimularam-se as emendas individuais, deu-se preferência às emendas de bancada. Mas a verdade é que não parece haver muita coisa na natureza com maior capacidade de resiliência que os esquemas.

Aos poucos, o Congresso foi encontrando novas formas de retomar o acesso à grana orçamentária que tinha antes do escândalo. E aperfeiçoar os métodos. Até chegar à sofisticação daquilo que ficou conhecido como orçamento secreto. Retomando com força a ideia das emendas de relator, que tinham consagrado o grande comandante do primeiro esquema, o deputado João Alves, o Congresso estabeleceu um formato no qual os verdadeiros beneficiários da verba liberada escondiam-se. O relator ganhava uma verba gorda para distribuir e definia para quem ela ia ou não ia com os presidentes da Câmara e do Senado, que se tornaram os verdadeiros donos das chaves do cofre. Como o  presidente da Câmara tem ao seu comando 513 deputados e o do Senado 81 senadores, evidentemente a grande fatia disso tudo ficou para o primeiro.

Até que, então, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que tudo isso era um escândalo. Feria o princípio da transparência pública e do equilíbrio. Deu fim, então, ao orçamento secreto.

Agora, porém, de novo, demonstra-se que não há muita coisa na natureza com maior capacidade de resiliência que os esquemas.

Com a decisão do STF, os recursos que iriam para as emendas RP9, as emendas de relator que compunham o orçamento secreto, foram transferidos para RP2, dinheiro dos ministérios. Mas o que, então, o presidente Lula acertou com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)? A distribuição desses recursos, R$ 9,8 bilhões, vai seguir a mesma lógica de antes.

No orçamento, o dinheiro estava distribuído para o pagamento das RP9. Vai seguir assim. E será Arthur Lira quem irá definir para qual parlamentar sairá ou não a verba para o atendimento da sua demanda. Inclusive, ficará destinada uma verba para que possam ser atendidos os deputados de primeiro mandato, que não teriam direito a nenhum recurso, uma vez que no ano passado, como não eram deputados, não tinham apresentado emendas ao orçamento.

Ou seja, na prática será apenas uma mudança na sopa de letrinhas. Sai RP9, entra RP2. Talvez haja um pouco mais de transparência na observação de quem foi beneficiado com o recurso. Talvez…. A biologia talvez precise um dia estudar a profunda resiliência dos esquemas…

RUDOLFO LAGO Diretor do Congresso em Foco Análise. Formado pela UnB, passou pelas principais redações do país. Responsável por furos como o dos anões do orçamento e o que levou à cassação de Luiz Estevão. Ganhador do Prêmio Esso.

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