OPINIÃO

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O Decreto nº 11.366, assinado em 1º de janeiro de 2023, suspende (1) os registros para aquisição e transferência de armas e munições de uso restrito, restringe a quantidade de armas que cada pessoa pode adquirir, (2) suspende a concessão de novos registros de clubes de tiro e de novos registros de colecionadores, atiradores e caçadores. (3) O novo decreto fixa prazo de 60 dias para que as armas de uso permitido e restrito adquiridas a partir 7 de maio de 2019 sejam cadastradas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) e dispõe que a autorização para aquisição de arma de fogo será expedida pela Polícia Federal na hipótese de manifestação favorável do Sinarm. (4) O decreto ainda suspende o porte para transporte de arma, espécie de permissão criada no governo de Bolsonaro que funcionava como um subterfúgio para que civis trafegassem com armas carregadas sob a justificativa de que estariam em situação de transporte para realização de esporte, exposição ou caça. E (5) determina a cassação do registro de arma de quem responda a inquérito policial ou recebimento de denúncia ou queixa crime por crime doloso, e em especial por violência doméstica, criando a obrigação de entrega de armas e munições.

O decreto tem efeito imediato em relação aos crimes da Lei 10.826/2003 e ao registro. Tal lei determina, em seu artigo 3º, que "as armas de fogo de uso restrito serão registradas no Comando do Exército, na forma do regulamento desta Lei". O decreto que tem poder de regular a lei, determina que armas de uso restrito em mãos de civis, adquiridas depois de 7 de maio de 2019, sejam também registradas na Polícia Federal. Certamente o caminho futuro é não fazer a distinção e integrar os registros e o devido processo legal administrativo de registro, a se iniciar na Federal e no deferimento sair o registro para o Exército. O Comando do Exército trabalha com o Sigma, e a Federal, com o Sinarm.

O decreto suspende os novos registros de arma e prorroga os registros que vencerem posteriormente ao decreto. Mas não esclarece quanto aos processos de renovação de registros que ainda estão em tramite, cujo vencimento ocorreram antes do decreto. Supõe-se não suspensos os processos de renovação.

Quem tiver adquirido armas após 7 de maio de 2019, e não cumprir o prazo de 60 dias, passará a incorrer nos crimes de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (artigo 12 da Lei 10.826/03), cuja pena vai de 1 a 3 anos, e quem não o fizer com armas de calibre restrito cometerá o crime do artigo 16, cuja pena vai de 3 a 6 anos.

Diante da suspensão do porte para transporte de arma, cometerá crime quem transportar arma carregada. Aliás, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo a pedido da Polícia Federal em decisão na Pet. 10.685, já havia suspendido esse tipo de porte até o dia 2 de janeiro de 2023 em Brasília, declarando tratar-se de uma medida essencial para evitar situações de violência armada.

O crime de porte de calibre de uso permitido do artigo 14 comina pena de 2 a 4 anos, e o porte de uso restrito está regulado no mesmo artigo 16 da posse, com pena de 3 a 5 anos.

Importa ressaltar que as Ações Diretas de Inconstitucionalidades propostas no STF relacionadas aos decretos sobre armas de fogo editados pelo governo federal que se encerrou, ADIs 6.139, 6.466 e 6.119, de relatoria do ministro Edson Fachin, não devem ser julgadas prejudicadas. Tais ações tiveram liminar referendada em setembro de 2022 para suspender efeitos de trechos do decreto que flexibilizavam a compra e o porte de armas.

Ainda que o cenário atual tenha se transformado com o decreto de Lula, é fundamental que o Supremo julgue a inconstitucionalidade dos dispositivo do antigo Decreto nº 9.785/2019, em vista do fato de que produziu efeitos durante a época de sua vigência, caso contrário há risco de se multiplicar pelo país decisões judiciais que permitam a manutenção de posses de armas de fogo adquiridas no regime anterior a partir de uma equivocada perspectiva de direito adquirido durante a vigência daquele decreto.

Nesse sentido, é de se recordar que o porte de arma depende de concessão que compreende a necessidade de comprovação de idoneidade, comportamento social, efetiva necessidade, capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, um direito, portanto, limitado pelos requisitos definidos pelas exigências para a concessão legal.

 é advogado criminalista e cientista político.

 é advogado criminalista e mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-jan-04/fernandes-marchioni-efeitos-revogaco-decretos-armas