Número de brasileiros pobres ou extremamente pobres disparou com redução de programas de transferência de renda

Cerca de 62,5 milhões de brasileiros (ou 29,4% da população do país) estavam na pobreza em 2021, segundo ano da pandemia de covid-19, segundo dados da Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outros 17,9 milhões (ou 8,4% da população) viviam na extrema pobreza. Nos dois casos, os números foram os mais elevados desde o início da série estatística, em 2012.

O estudo do IBGE lembra que, em 2020, o número de pessoas em situação de vulnerabilidade havia diminuído, em função dos programas emergenciais de transferência de renda à população carente. Entretanto, entre 2020 e 2021, houve aumento recorde nos dois grupos: o contingente abaixo da linha de pobreza cresceu 22,7% (ou mais 11,6 milhões de pessoas) e o das pessoas na extrema pobreza aumentou 48,2% (ou mais 5,8 milhões).

De acordo com o IBGE, o crescimento do número de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza provavelmente teve como causa "a redução dois valores e abrangência e o aumento dos critérios para concessão do Auxílio Emergencial, em 2021", num momento em que o mercado de trabalho ainda estava enfraquecido, com escassa oferta de empregos.

No levantamento, o IBGE utilizou critérios dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas e recomendados pelo Banco Mundial. A instituição considera que estão em situação de pobreza as pessoas que recebem US$ 5,50 por dia, o equivalentes a R$ 486 mensais. Já a linha de extrema pobreza é de US$ 1,90 diários, ou R$ 168 mensais per capita. Para calcular o valor do dólar, o banco não leva em conta a cotação da taxa de câmbio, mas o valor necessário para comprar a mesma quantidade de bens e serviços em cada país em comparação com o mercado nos Estados Unidos.

A mineira Cleusa Araújo , 46 anos, que mora em Brasília há 30 anos está há sete em uma invasão localizada atrás de Águas Claras. "Trabalho com reciclagem e estou esperando para ver se consigo construir a minha casa depois que eu ganhar o meu lote pela Codhab, deve sair até agosto", explicou.

Cleusa contou que veio de Januário (MG) com seus pais, que, hoje, moram em Goiás. "Tenho três filhos e cinco netos. Hoje eu moro na favela com dois dos meus filhos e três netos", contou. "Ninguém mora na rua, em uma favela, por opção. Se alguém está aqui é por alguma necessidade", afirmou. Segundo ela, muitos perderam a família e vêm para Brasília tentar alguma coisa. "Porém, acabam não conseguindo trabalho e não têm como pagar aluguel. Eu não tenho condições de pagar aluguel, e vim para essa ocupação", disse.

"Tem muita gente que está na mesma situação que eu ou até pior, porque tem muitos que estão na rua e estão doentes". A mineira explicou que há uma dificuldade em conseguir trabalhar com reciclagem. "Trabalhamos pegando reciclagem em Águas Claras e deixamos na favela de baixo, porque a Agefis pega todo o material que a gente cata. Vem e levam tudo que nós temos", disse. "Assim nossa condição nunca consegue mudar."

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desigualdade(foto: pacifico)

Mais atingidos

Os números do IBGE revelam ainda que, em 2021, a proporção de crianças menores de 14 anos de idade abaixo da linha de pobreza chegou a 46,2%, o maior percentual da série. Esta proporção tinha caído ao seu menor nível (38,6%) em 2020, mas teve alta recorde.

A pesquisa mostra também quais as parcelas da população são mais atingidas pelo problema da insuficiência de renda. A proporção de pretos e pardos abaixo da linha de pobreza (37,7%) é praticamente o dobro da proporção de brancos (18,6%). O percentual de jovens de 15 a 29 anos pobres (33,2%) é o triplo dos idosos (10,4%). E cerca de 62,8% das pessoas que, em 2021, viviam em domicílios chefiados por mulheres sem cônjuge e com filhos menores de 14 anos estavam abaixo da linha de pobreza.

No recorte regional, Nordeste (48,7%) e Norte (44,9%) tinham as maiores proporções de pessoas pobres na população. No Sudeste e também no Centro-Oeste, 20,6% (ou um em cada cinco habitantes) estavam abaixo da linha de pobreza. O menor percentual foi registrado no Sul: 14,2%.

O doutor em sociologia João Lucas Moreira, observou que os dados mostram um cenário grave, que é o de 17,9 milhões de brasileiros vivendo na miséria, com menos R$ 5,60 por dia. "Se somarmos os dois grupos, são 80,4 milhões de pessoas que não têm uma renda suficiente para viver de forma minimamente digna. Isso equivale quase a toda população da Alemanha, o 19º país mais populoso do mundo."

Segundo Moreira, há uma urgência de políticas públicas para o combate à pobreza. "Essas políticas podem ir desde auxílio de renda, criação de empregos, combate à inflação e muitas outras dimensões", exemplificou. "Na dimensão de auxílio de renda, programas como o Auxílio Brasil ou o Bolsa Família precisam ser melhor formulados", ressaltou.

Desigualdade

Além do crescimento da pobreza, o Brasil teve, em 2021, um aumento da concentração de renda. O Índice de Gini, um indicador largamente usado para medir a desigualdade de remuneração, alcançou 0,544, o segundo maior patamar da série iniciada em 2012. Pela metodologia, quanto mais próximo de 1 o indicador, mais concentrada é a renda. O índice havia caído em 2020, em conseqüência dos programas emergências adotados para amenizar os efeitos sociais da pandemia da covid-19.

CORREIO BRAZILIENSE

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