O governo Bolsonaro, empossado em 1º de janeiro de 2019, completou mil dias na última segunda-feira (27). Não é preciso nenhum esforço, político ou intelectual, para dizer que é 1 governo trágico e resultado de muitos erros cometidos pela frágil e cambaleante democracia brasileira. Leia como o Executivo se vê e comemorou a data.

Marcos Verlaine*

verlaine marcos agencia sindicalO governo é protofascista porque se esforça para agir sob as referências das ideias de Benito Mussolini, mas sem as bases ou referências teóricas (felizmente) do regime erigido pelo líder italiano, cambaleia e não consegue implementar, por completo (melhor assim), esse regime político odiento.

Fascismo é ideologia política ultranacionalista e autoritária, caracterizada por poder ditatorial, com intolerância exacerbada, repressão à oposição, por via da força e forte arregimentação da sociedade e da economia.

Ao chegar nesse estágio de quase 3 anos desse governo trágico, é preciso perguntar: onde erramos, depois dos governos social-liberais pós-ditadura civil-militar — Sarney, Collor/Itamar, FHC 1 e 2, Lula 1 e 2, e Dilma? O País apostou, por que razão, nessa figura abjeta que ora ocupa a Presidência da República?

De 1 lado, a elite econômica disruptiva, se descomprometeu com os pressupostos da chamada Nova República, que permitiu superar (não venceu por completo) a ditadura de 1964 e construir uma das constituições mais avançadas da república brasileira.

De outro, a preguiça político-intelectual de uma esquerda e sua derivação ao centro, que deixou de se pautar pela luta de classes e marchou rumo à cópia mecânica do esquerdismo-liberal estadunidense e as agendas identitárias daquele país. Há, evidentemente, mais problemas, mas para efeito de debate, talvez, salvo melhor juízo, o recorte mais grave e assanhado seja este.

Aliado a isso, optou, quase que exclusivamente pela luta eleitoral. Daí, pouco a pouco, deixou-se levar por essa agenda das urnas em que não consegue competir com a direita, pois falta-lhes “pernas” — dinheiro, antena e, agora, ideias, porque é tão eleitoral quanto a direita, que sempre foi acusada, pela esquerda, de eleitoreira.

Mais preguiçosa
A vitória de Lula em 2002 e os sucessivas êxitos eleitorais até 2014 obscureceram a militância política e as direções partidárias, que tendo abandonado a luta de classes, esqueceu que a direita não o fez. Ao contrário. Está aí o resultado.

“Ilusão de classe pequeno-burguesa”. Talvez fosse melhor usar o termo “classe média”. Mas, talvez, daria menos densidade ao problema. Uma vez no governo por 13 anos, apostou-se apenas em algumas mudanças cosméticas, sem propor ou debater nada de substantivo para mudar as feições, ainda, autoritárias do Estado brasileiro.

Só dia desses, finalmente, o Congresso conseguiu tirar do mundo jurídico a Lei de Segurança Nacional. Aprovado em 10 de agosto pelo Senado, o PL 2.108/21 revogou a LSN, criada em 1983, ainda no período da ditadura militar. As regras, consideradas ultrapassadas após a Constituição de 1988, serão substituídas pela inclusão de novo título no Código Penal (Decreto Lei 2.848, de 1940) para tratar dos crimes contra o Estado Democrático de Direito. As mudanças ainda dependem da sanção do presidente da República.

A ditadura foi derrotada, nova Carta constitucional foi pactuada, mudanças ocorreram. Todavia, o País perdeu a grande chance, nesse processo, de debater e fazer a chamada justiça de transição, que ainda está na ordem do dia.

Entenda o que é
Entende-se como justiça de transição, conjunto de ações, dispositivos e estudos que surgem para enfrentar momentos de conflitos internos, violação sistemática de direitos humanos e violência massiva contra grupos sociais ou indivíduos.

Os objetivos que norteiam a justiça de transição são: 1) julgar os perpetradores de crimes e graves violações de direitos humanos; 2) estabelecer verdade sobre os fatos ocorridos no período; 3) registrar, reconhecer e dar visibilidade à memória como construção imprescindível da história do país; 4) oferecer reparação às vítimas; e 5) reformar as instituições que participaram das violações cometidas.

Sem coragem ou acúmulo político-social para enfrentar estas demandas, o pensamento progressista, tendo o PT à frente, em apenas algumas destas questões houve algum enfrentamento que permitiu que fossem trazidas à luz do aperfeiçoamento democrático. Os criminosos de 1964 não foram julgados. Ao contrário, foram anistiados. E ainda são exaltados.

A verdade sobre os fatos históricos está encoberta até hoje. Por essa razão, vira e mexe, “malucos” vão às ruas pedir a “volta da ditadura” e até do AI-5. Até elegeram um “filhote” da ditadura militar, que dia desses “discursou” na assembleia da ONU, e disse que o Brasil (pasmem!) estava, antes da vitória eleitoral dele, à beira do comunismo.

A memória histórica foi enevoada e finge-se estar tudo bem. Alguma reparação foi feita, mas malê-malê, apenas financeira. Quanto às reformas das instituições, essas estão intocadas.

O povo é só 1 detalhe
Veja-se o perfil dos ministros do Supremo e o da imensa maioria dos membros do Congresso Nacional. E a imprensa brasileira? Ao invés de mediar e tentar explicar, na medida do possível, as contradições da sociedade brasileira, posiciona-se, desde sempre, do lado conservador e reacionário do espectro político-ideológico.

E as FFAA? Em pleno século 21, ainda se vê como tutora da democracia liberal, e contra um comunismo imaginário. Não evoluiu, e ninguém, ainda, teve coragem até agora para enfrentar esse dilema nacional.

A burguesia nacional, percebendo a inevitabilidade das mudanças nos estertores do regime de 1964, não podendo mais segurar o processo político e social, embarcou nessa mudança e não permitiu aprofundá-las, de forma mais severa. Ficamos na superfície.

Ainda estamos nesse estágio. Por isso, em grande medida, o “grande salto para trás”, a partir do impedimento da ex-presidente Dilma, da ascensão de Temer, o entreguista, que permitiu a vitória, pode-se dizer, inusitada de um líder populista de extrema-direita, sem nenhum predicado para timoneiro.

O dever de casa pós 21 anos de arbítrio ainda não foi feito por completo. Está aí o resultado. Mas há tempo para corrigir esses erros e rumar por novos caminhos.

O pensamento progressista topa enfrentar, em nova oportunidade, esses dilemas nacionais?

(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar licenciado do Diap

Diap

https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/90724-mil-dias-de-governo-protofascista-o-que-aprendemos


guias.png 

Dúvidas? Fale conosco whats.png

A FETRACONSPAR É FILIADA À:

A FETRACONSPAR NAS REDES SOCIAIS

@fetraconspar    /fetraconspar
/fetraconspar       /fetraconspar
                   87390.png @fetraconspar

banner denuncie aqui.jpg