Ao menos 13 partidos gastaram R$ 5,1 milhões do fundo partidário para pagar os próprios dirigentes por “serviços técnico-profissionais”

Condenado no mensalão e recentemente suspeito de envolvimento em fraudes no Ministério do Trabalho, o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, recebeu do partido R$ 302,2 mil ao longo de 2017 a título de “serviços técnico-profissionais – outros”. Por mês, seria o equivalente a uma remuneração de R$ 25,2 mil para Jefferson, praticamente toda oriunda do fundo partidário, abastecido com recursos públicos – 98% da receita do PTB no ano passado veio dessa rubrica.

O candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes, também ganhou de seu partido, sob a justificativa de ter prestado serviços dessa natureza, o valor de R$ 253,3 mil. E o ex-ministro Carlos Lupi, presidente da agremiação, recebeu R$ 155,8 mil nas mesmas circunstâncias.

A obscura rubrica “serviços técnico-profissionais”, pouco fiscalizado até este ano, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou pela primeira vez a prestação de contas dos partidos em dados abertos, revela uma série de pagamentos a dirigentes nacionais de 13 siglas, num total de R$ 5,1 milhões.

PT pagou R$ 2,8 milhões por serviços técnico-profissionais

A situação é diferente da dos dirigentes partidários remunerados por meio da rubrica “salários e ordenados”. Os dados são precisos e mais fáceis de consultar. O partido que mais pagou a sua cúpula por declarados serviços técnico-profissionais foi o PT, uma despesa total de R$ 2,8 milhões em 2017.

O vice-presidente petista Alberto Cantalice, por exemplo, recebeu R$ 244,9 mil pela prestação de serviços técnico-profissionais. Já o tesoureiro da sigla, Emídio de Souza, que assumiu a função no meio do ano, foi remunerado com R$ 117,3 mil. Souza também ganhou R$ 209,5 mil em 2017, mas como salário declarado pelo diretório paulista do PT.

Presidente do nanico PMN, Antonio Carlos Massarollo foi individualmente o dirigente partidário que mais ganhou por esse tipo de serviço, conforme os dados disponibilizados pelo TSE: R$ 408,4 mil. A legenda, no entanto, contestou o valor divulgado e afirmou que há erro no sistema do tribunal.

TSE deu aval a pagamentos

O Ministério Público Eleitoral tem apontado ao TSE que há irregularidades nesse tipo de pagamento a dirigentes, mas a maioria dos ministros decidiu dar aval a eles recentemente. Em abril, o vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros, afirmou ao tribunal que estava errado o pagamento de dirigentes do PTB de Jefferson por meio dessa rubrica, porque não havia comprovação de serviço prestado.

A corte analisava, então, as contas do PTB referentes a 2012 – historicamente, esses julgamentos são feitos com uma demora de cinco anos–, que foram aprovadas. Somente os ministros Edson Fachin e Rosa Weber divergiram do relator, Admar Gonzaga, que entendeu que pagamentos de dirigentes sob a rubrica de serviços são regulares.

Por outro lado, técnicos da Justiça Eleitoral contam que a rubrica genérica de serviços prestados por terceiros tem problemas, porque os partidos, mesmo instados, não costumam explicar quem executou e qual foi o serviço. Os técnicos suspeitam que, em alguns casos, seja uma rubrica usada para “dar saída” de dinheiro do fundo partidário.

Falta transparência

Para Marcelo Issa, coordenador da ONG Transparência Partidária, que tabulou as informações a pedido da Folha e cobrou do TSE a base de dados abertos, o problema central é de falta de transparência.

“Tem uma rubrica específica, ‘salários’. [‘Serviços’] Diz pouco sobre o real emprego do recurso. Nem deveria existir como rubrica, porque é de uma generalidade tão grande que qualquer coisa pode ser inserida aí, como contabilidade e serviço jurídico, que já tem uma rubrica específica”, diz Issa. “Havendo a rubrica ‘salários e ordenados’, fica muito difícil os partidos sustentarem a remuneração dos dirigentes em outra rubrica senão pela tentativa de dificultar a identificação dessa realidade.”

Dos R$ 696 milhões gastos em 2017 pelos 35 partidos que recebem dinheiro do fundo partidário, R$ 48,1 milhões foram com “serviços técnico-profissionais” –19,8% do total, o quarto maior tipo de despesa declarada. Pode haver no bolo pagamentos para dirigentes em outros níveis (estadual, municipal). Procurado, o TSE disse que não comenta casos antes de julgá-los.

Outro lado

O PTB afirmou que dirigentes partidários prestam serviço e recebem por meio de Recibo de Pagamento Autônomo (RPA), que se enquadra na rubrica de “outros serviços”. “O valor pago a Roberto Jefferson, em 2017, pelas atividades exercidas na função do cargo, está correto, devidamente contabilizado e lançado na Justiça Eleitoral”, disse.

O PT afirmou que os dados lançados como “serviços técnico-profissionais” correspondem à soma da remuneração mensal de cada dirigente nacional no ano de 2017. “Cada um deles exerce as funções inerentes ao cargo que ocupa na direção partidária.”

O PMN afirmou que os dados estão incorretos, por erro do sistema do TSE, e destacou que os partidos têm até o dia 31 para fazer eventuais ajustes na prestação de contas. “Até a presente data o TSE não disponibilizou as melhorias e implementações no sistema para assegurar a exatidão e consistência de informações”, disse. Questionado sobre qual é o valor correto, o PMN não informou. O PDT não respondeu à Folha de S.Paulo.

Fonte: Gazeta do Povo, 30 de julho de 2018.