Faz ainda sentido no mundo contemporâneo o uso dos conceitos direita e esquerda? Essas definições surgiram a partir de uma referência espacial na Assembleia Nacional Constituinte instalada após a Revolução Francesa. Os jacobinos, corrente revolucionária radical, sentavam-se à esquerda da mesa que presidia os trabalhos. Já os girondinos, mais moderados, ocupavam o espaço à direita. Desde então, conservadores, liberais, e, mais recentemente, populistas autoritários ou iliberais, são identificados, apesar das nuances e diferenças, como pertencentes à direita do espectro político. Em contrapartida, socialistas, comunistas, social-democratas e verdes são ditos atores de esquerda na arena política.

Norberto Bobbio, importante pensador político italiano, em seu livro “Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política” (1994) afirma: “Creio que a questão está mal posta. A diferença entre direita e esquerda não se manifesta sob a forma de tensão entre uma igualdade de direita e uma igualdade de esquerda, mas com base no diverso modo em que é concebida, respectivamente pela direita e pela esquerda, a relação entre igualdade e desigualdade… A diferença entre direita e esquerda revela-se no fato de que para a pessoa de esquerda, a igualdade é a regra e a desigualdade, a exceção… ao passo que, para o indivíduo de direita, vale exatamente o contrário, ou seja, que a desigualdade é a regra e que, se alguma relação de igualdade deve ser acolhida, ela precisa ser devidamente justificada”.

Marco Aurélio Nogueira, na orelha do livro, realça: “Traço peculiar da chamada cultura pós-moderna, a alegação que os conceitos de esquerda e direita se tornaram obsoletos com a crescente complexidade das estruturas sociais e sobretudo com a crise do socialismo, parece querer impregnar numerosos ambientes políticos e intelectuais”. Francis Fukuyama chegou a falar no fim da história e na morte das ideologias.

É verdade que todos os paradigmas ideológicos entraram em crise no final do século 20 e início do 21, inclusive o liberalismo com a crise mundial de 2008/9 e a recente reversão relativa da globalização. E o populismo autoritário iliberal de Trump, Putin, Orbán, Le Pen, Meloni, Salvini, não havia ainda surgido no cenário internacional. Há também que se considerar o fortalecimento de um campo centralizado (centro-direita, centro-esquerda) alternativo a polaridade direita-esquerda, que tem papel decisivo e pendular.

As recentes e as próximas eleições de 2024 reafirmam a pertinência das categorias direita e esquerda. Trump, diante das fragilidades de Biden, prenuncia uma perigosa vitória da extrema-direita americana, com repercussões muito além das fronteiras dos EUA. As frustações com a globalização e a complexa questão das imigrações levaram a um grande crescimento da extrema-direita no Parlamento Europeu, principalmente na Alemanha, França e Itália. Em compensação, os trabalhistas ingleses, após um giro ao centro, obtiveram uma esmagadora vitória após o fracasso do Brexit. E a população francesa reestabeleceu o equilíbrio dando a vitória à esquerda e ao centro sobre o Reagrupamento Nacional de Marie Le Pen.

Enfim, é preciso repensar as novas questões colocadas pela realidade. Mas os conceitos de direita e esquerda, embora reciclados, continuam referenciais para a construção do futuro.

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AUTORIA

Marcus Pestana

MARCUS PESTANA Diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI). Economista, foi deputado federal e estadual e presidente do PSDB de Minas Gerais. Também foi secretário estadual da Saúde e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora.

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