PRÁTICA TRABALHISTA

Conforme já discutido em outras oportunidades nesta coluna, um assunto emblemático na Justiça do Trabalho e que sempre está presente, sem dúvidas, no dia a dia forense, é a discussão em torno da jornada de trabalho e, consequentemente, as horas extras daí decorrentes.

Spacca

Dito isso, a temática envolvendo a pré-contratação de horas extras é um assunto sensível e palpitante, tanto que a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [1], razão pela qual agradecemos o contato.

Pré-contratação de horas extras

Mas o que seria a pré-contratação de horas extras? Qual o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o assunto? E, mais, esta pré-contratação pode ocorrer em todos os segmentos, inclusive para jornalistas?

De acordo com o entendimento sedimento pelo Tribunal Superior do Trabalho, na Súmula 199 [2], em se tratando de bancário, a contratação do serviço suplementar no momento da admissão do trabalhador é nula, vale dizer, não pode o empregador estabelecer previamente um valor determinado para o pagamento de horas extras quando da admissão do empregado.

Lição de especialista

Nesse sentido, oportunos são os ensinamentos do doutor Henrique Correa, professor e procurador do trabalho [3]:

“A pré-contratação de horas compreende o ajuste firmado entre empregado e empregador, no ato da celebração do contrato, de que o empregado prestará horas suplementares de forma habitual. Esse ajuste firmado na admissão é nulo, pois descaracteriza a natureza extraordinária da prorrogação normal do trabalho. A consequência desse ajuste acarreta, além da nulidade, o acréscimo do salário contratual do empregado, pois essas horas pré-contratadas serão somadas às horas normais do contrato.

(…). Existe discussão se a Súmula 199 do TST aplica-se aos bancários ou pode ser aplicada a outros empregados. O posicionamento majoritário defende a aplicação a outros empregados, proibindo-se, portanto, a pré-contratação das horas extras no ato da admissão.”

Jornalistas

À vista disso, a CLT possui uma seção específica destinada à figura dos jornalistas, de sorte que o artigo 303 [4] na norma celetista estabelece que a jornada de tais profissionais será de 5 horas, conquanto o artigo 304 [5] preceitue que essa jornada poderá ser elastecida para 7 horas, por meio de acordo escrito entre o empregado e o empregador.

Entendimento jurisprudencial

Nesse diapasão, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região já foi provocado a emitir juízo de valor com relação às consequências advindas da pré-contratação de horas extras para os jornalistas [6], de modo que o entendimento firmado foi no sentido que, não obstante o verbete sumular do TST se referir à categoria dos bancários, há possibilidade de este ser estendido a outras profissões que possuam jornada especial, como no caso dos jornalistas, e, por conseguinte, acarretar na nulidade deste acordo particular que institua prorrogação automática da jornada, descaracterizando o módulo horário criado por lei para a categoria.

Em seu voto, o desembargador relator ponderou:

“(…) Assim, a contratação de duas horas extras fixas quando da admissão da reclamante é nula, de forma que os valores ajustados apenas remuneram a jornada de trabalho normal, no caso de 5 horas. Nesse contexto, reformo a decisão primária para condenar a ré ao pagamento das horas extras excedentes da 5ª diária (jornada legal dos jornalistas), bem como que as parcelas consignadas nos demonstrativos de pagamento sob as rubricas “Horas Extras Fixa 75%” e ” Horas Extras Fixas 100%” integram à remuneração da reclamante juntamente com o salário base e remuneram apenas a jornada normal de trabalho do reclamante de 5 horas diárias. Por conseguinte, condeno a reclamada a pagar à reclamante as horas extras excedentes da 5ª diária, inclusive as prestadas em folgas e feriados, considerando-se a jornada consignada nos espelhos de ponto, bem como os reflexos postulados nos DSR’s, férias +1/3, 13º salários, adicional noturno, aviso prévio, FGTS e multa de 40%, considerando-se a nova base para cálculo considerando-se a integração das horas extras pré-contratadas, aplicando-se ainda o acréscimo normativo de 75%,100% e 55% progressivamente, conforme a CCT da categoria, nos termos do pedido, a apurar em liquidação.”

De outro norte, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, de forma idêntica, entendeu que a pré-contratação de horas extras para os jornalistas seria nula em razão da especificidade da norma envolvendo estes trabalhadores, sendo considerada uma prática ilegal, destoando do mero ajuste de elastecimento de jornada [7].

Spacca

Noutro giro, o Tribunal Superior do Trabalho já foi instado a se manifestar no que diz respeito a majoração da jornada de trabalho dos jornalistas, sendo que, no caso em concreto em debate, inexistia o acordo escrito, todavia, a regularização teria sido feita por meio norma coletiva [8].

No referido julgamento, o entendimento da Corte Superior Trabalhista caminhou no sentido de invalidação da cláusula prevista no instrumento coletivo. Em seu voto, a ministra relatora destacou:

“Em decorrência da inexistência de acordo escrito e de discriminação dos valores pagos mensalmente, a Corte de origem concluiu que o salário do trabalhador remunerava tão somente a jornada de cinco horas diárias prevista no art. 303 da CLT. A decisão regional não comporta reforma. A jornada de trabalho do jornalista é de cinco horas diárias, a teor do art. 303 da CLT, podendo ser elevada a sete horas, por meio de acordo escrito em que se estipule aumento de ordenado, correspondente ao excesso do tempo de trabalho, em que se fixe um intervalo destinado a repouso ou a refeição, nos moldes do art. 304 da CLT. A interpretação do artigo 305 da CLT leva necessariamente ao entendimento de que o trabalho além da 5ª hora diária, derivado do referido acordo, é extraordinário, devendo ser remunerado como tal, conforme se observa da literalidade do preceito legal (…). Nesse contexto, é imperiosa a conclusão de que a remuneração estipulada desde a admissão do reclamante se refere tão somente à jornada ordinária de cinco horas diárias, diante das premissas fáticas extraídas do acórdão recorrido, no que tange à ausência de acordo escrito e à inexistência de especificação quanto às horas adimplidas pela remuneração percebida.”

Portanto, verifica-se que em consonância ao contido no item I da Súmula 199 do TST e ao entendimento jurisprudencial ora citado, é vedada a pré-contratação de horas extras no momento da admissão do trabalhador, podendo ser declarada nula pelo Poder Judiciário, de sorte que os valores ali ajustados estariam, via de regra, remunerando apenas a jornada normal.

Conclusões

É certo que conquanto seja autorizada a compensação e/ou a prorrogação da jornada por regular negociação coletiva de trabalho, inclusive após a Lei 13.467/2017, vale lembrar que sendo constatada a prestação habitual de horas extras diárias e semanais tal sistema poderá ser anulado.

Em arremate, não obstante a decisão da Suprema Corte proferida no Tema 1.046 da Repercussão Geral, que fixou a tese “são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao consideraram a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis “, é forçoso lembrar que pode haver o próprio descumprimento da norma coletiva, com a realização de horas extras habituais além do limite constitucional, de sorte que a tese vinculante deixará de ser aplicada.

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[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] BANCÁRIO. PRÉ-CONTRATAÇÃO DE HORAS EXTRAS. I – A contratação do serviço suplementar, quando da admissão do trabalhador bancário, é nula. Os valores assim ajustados apenas remuneram a jornada normal, sendo devidas as horas extras com o adicional de, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento), as quais não configuram pré-contratação, se pactuadas após a admissão do bancário. II – Em se tratando de horas extras pré-contratadas, opera-se a prescrição total se a ação não for ajuizada no prazo de cinco anos, a partir da data em que foram suprimidas.

[3] Curso de direito do trabalho – 6ª edição revista atualizada ampliada. 2021, Editora Juspodivum. Página 751/752.

[4]  CLT, Art. 303 – A duração normal do trabalho dos empregados compreendidos nesta Seção não deverá exceder de 5 (cinco) horas, tanto de dia como à noite.

[5] CLT, Art. 304 – Poderá a duração normal do trabalho ser elevada a 7 (sete) horas, mediante acordo escrito, em que se estipule aumento de ordenado, correspondente ao excesso do tempo de trabalho, em que se fixe um intervalo destinado a repouso ou a refeição.

[6] Disponível em https://pje.trt2.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/1001433-52.2017.5.02.0064/2#c4dd5e1 . Acesso em 24.6.2024.

[7] Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-3/1146952683. Acesso em 24.6.2024.

[8]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=596&digitoTst=16&anoTst=2013&orgaoTst=5&tribunalTst=04&varaTst=0026&submit=Consultar. Acesso em 24.6.2024.

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (Ius Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

    CONJUR

    https://www.conjur.com.br/2024-jun-27/e-possivel-pre-contratacao-de-horas-extras-a-jornalistas-por-meio-de-norma-coletiva/