Não é possível prescindir da greve -em suas diferentes versões- como recurso fundamental e insubstituível, sem o qual as assimetrias a favor da classe patronal se acentuariam exponencialmente.

Álvaro Ruiz

As respostas a esta questão parecem ser buscadas no Direito, mas circunscrevê-lo a definições legais -variadas por sinal- importaria um olhar tendencioso e incompleto sobre um fenômeno que, centrado no mundo do trabalho, denota maior complexidade e vastidão, cuja abordagem se encontra em inúmeras outras disciplinas e exige o recurso à história da humanidade, em particular à fase iniciada com a revolução industrial e ao conflito social que lhe é imanente.

Vamos começar com a lei

Sobre este tema, como em tantos outros institutos do Direito, encontraremos diferentes abordagens, caracterizações e definições da “greve”, embora com a evolução do pensamento jurídico, por muitas décadas ninguém tenha questionado seriamente o fato de ser um direito; e, mais ainda, ao qual se reconhece a condição de direito humano fundamental indissociável da liberdade sindical.

As Constituições nacionais do Ocidente -a nossa não é excepção- conferem-lhe essa condição, que é também fruto de Tratados e Convenções internacionais, muitos deles ratificados pelo nosso país, que desde a reforma constitucional de 1994 passaram a fazer parte dele com a mesma categoria ou como supralegal.

Qualquer definição normativa recorta em alguma medida o conteúdo e a projeção prática do direito a que alude, para além das diferenças que possam oferecer conforme a perspectiva a partir da qual se proponha apreender este singular fenômeno jurídico, que é o que ocorre com o direito constitucional de batida.

Uma das definições mais clássicas é a que sustenta que é uma abstenção de trabalho arranjada por uma pluralidade de trabalhadores, à qual se acrescentam variantes que acrescentam outros requisitos em que se denotam as maiores divergências: um termo (determinado), que desenvolve-se com abandono do posto de trabalho, que seja total e contínuo (ressaltando-se que é admissível quando apenas -ou alternadamente- é cumprido em um setor do estabelecimento, ou adota a modalidade intermitente, rotativa entre outras alternativas).

Diferenças também são reveladas quanto aos cuidados que podem ser necessários para o seu exercício legal ou para que seja classificado como um direito. Quanto ao primeiro, em virtude do sujeito autorizado a realizar a greve (qualquer sindicato, o mais representativo em nosso país é aquele que detém a condição sindical, simples coligação de trabalhadores - conjunção de vontades concorrentes sem formas nem fins associativos permanentes-). Quanto ao segundo, circunscrever os seus fins aos seus próprios interesses profissionais (excluindo os que são convocados em solidariedade com outros grupos sindicais, ou que se realizam contra medidas governamentais -não sendo o Estado empregador- ou prosseguem objectivos políticos), ou condicionando-o a cumprimento de certas formalidades (como tomar a decisão de declarar greve, notificar,

Obviamente, a forma como é tratada no Ordenamento Jurídico - a partir de seu reconhecimento muito expresso no Direito positivo (que está consagrado em uma norma e seu nível) ou que deve ser inferida de outras normas sem consagração explícita - assume especial relevância, embora de modo algum esgote seu sentido e significado no mundo do trabalho nem permita, por si só, compreender o significado do fato, direito e fenômeno da greve.

A oferta distributiva com o Capital

É comum que a agitação trabalhista seja confundida com a greve, quando esta última é a emergência do conflito que lhe é próprio e fundamenta o Sistema de Relações de Trabalho em que o “coletivo” desempenha um papel preponderante. Quando as tensões entre Trabalho e Capital transbordam os canais que as contêm, impedindo em princípio que se resolvam pelo diálogo ou pela concertação, surge -na superfície- aquele conflito permanente e inescapável- mas que não se pretende incontrolável e ingovernável.

No entanto, essas tensões de poderes e impotências que também se revelam no Direito e onde o Capital tem uma responsabilidade substancial tanto na sua origem como no seu desenvolvimento, também se apresentam em outros cenários diferentes do típico mundo do trabalho.

Nesse sentido, é oportuno recordar a greve dos aluguéis na Cidade de Buenos Aires em 1907, que ficou conhecida como a “Huelga de las Vassouras”. Quando o aumento dos preços dos cortiços -eufemisticamente chamados de pensões-, impulsionado pela aplicação de uma taxa municipal que se transferia para o preço dos quartos, levou a uma medida de força por parte dos inquilinos que atingiu mais de 100 desses arrendamentos precários e durou mais de três meses, depois se espalhando para outras cidades (Rosário, Bahía Blanca).

É interessante notar que esta greve foi acompanhada -e em certa medida organizada- por entidades sindicais cujos representantes eram aqueles que -com suas famílias- viviam nesses lugares, como foi o caso da FORA (Federação Regional Operária Argentina ); e que os moradores eram principalmente imigrantes, entre os quais anarquistas, socialistas e sindicalistas.

Outro episódio grevista emblemático foi o que ficou para a história como “El grito de Alcorta”, pela cidade da província de Santa Fé onde em 25 de junho de 1912 ocorreu a reunião de arrendatários rurais que declararam a greve. do qual resultou uma organização associativa permanente (a Federação Agrária Argentina) que continua até o presente, embora revelando uma lamentável degradação dos valores e princípios sustentados em seus primórdios.

O caso teve como gatilho, além dos abusos como a imposição da obrigatoriedade de compra de ferramentas e insumos a preços arbitrários, as reivindicações exageradas de aluguéis dos proprietários de terras com relação aos arrendamentos chegaram a tal ponto que, apesar de terem registrado uma rentabilidade extraordinária em Na safra daquele ano, os chacareros (arrendatários e subarrendatários) que trabalhavam na terra não conseguiam atender às demandas daqueles patrões das fazendas.

Foi assim que aquela rebelião de 1912 contra a classe proprietária, na qual também se destacava a pregação anarquista e socialista, se espalhou por todo o pampa úmido, registrando inúmeras manifestações, greves e outras manifestações de protesto no sul de Santa Fé, em a noroeste da Província de Buenos Aires, ao sul da de Córdoba e em La Pampa.

Seu reconhecimento como direito humano fundamental
Ainda que a greve, como ação conjunta de defesa e promoção de direitos coletivos e individuais, se verifique em múltiplas esferas comunitárias, respondendo por diferentes conflitos de interesses, é no campo das relações de trabalho que ela é identificado, particularmente.

É útil entender seu alcance, observando que a greve abrange um amplo espectro de manifestações de resistência e confrontos com os antagonistas naturais -empregadores-, bem como com os governos -quando as políticas que implementam são funcionais para os empregadores ou, além de com isso, comprometem os interesses da classe trabalhadora, fazendo parte das medidas legítimas de ação sindical.

Na mesma ordem de ideias, importa ter em conta que a greve tem sido o principal e indispensável instrumento de conquista dos direitos das pessoas que trabalham por conta de outrem, oferecendo a sua força de trabalho à apropriação dos seus frutos por aqueles que do capital e dos meios de produção, no quadro de uma relação por definição "assimétrica" ​​que requer tutelas específicas para obter algum grau de equilíbrio entre as partes e dotá-la da dignidade humana que lhes corresponde.

Entre os direitos humanos no trabalho, destaca-se o direito de recurso e o exercício do direito de greve, pelo seu caráter instrumental como meio de promover, ampliar e ressegurar outros direitos trabalhistas, além de ser elemento determinante da efetivação sindical liberdade expressa nos direitos de associação, convenção coletiva e conflito.

A colisão com outras liberdades e outros direitos
A propósito, a greve pode colidir com outros direitos ou afetar as liberdades individuais de terceiros alheios ao conflito de fundo, cuja harmonização deve ser buscada, mas sem que isso implique impedimento ao seu exercício ou, legitimação , a falta de ponderação do grau de afetação ou da relevância conjuntural que lhe pode ser atribuída.

Também não se pode contestar levianamente a eventual e temporária alteração na prestação de serviços públicos, pois nem mesmo naqueles que a regulamentação nacional e internacional classifica como “essenciais” (cuja interrupção põe em risco a vida, a saúde ou a segurança das pessoas). ou parte de sua população) a greve é ​​proibida, mas é imposta uma regulamentação com certas restrições (guardas mínimas).

A natural geração de danos para o empregador ou setor empresarial sujeito a este tipo de ação não altera a sua legalidade, desde que não incorra em crimes comuns e neste caso restritos aos que possam ser considerados criminalmente responsáveis, pois a greve por definição busca provocar prejuízos econômicos aos empregadores interessados ​​e é, nem mais nem menos, que um meio de pressão sindical para atingir seus objetivos no enfrentamento coletivo.

Significado, finalidades e características que são reconhecidas à greve, praticamente sem exceções, na doutrina e na jurisprudência nacional e internacional no Ocidente.

A violência simbólica que significa qualquer medida de ação direta ou a advertência para adotá-la, no curso de negociações interrompidas ou inviabilizadas pela distância que se verifica entre as posições das partes, não justifica qualquer reprovação ou desqualificação do procedimento sindical . Principalmente quando geralmente se observam outros tipos de violência do lado empresarial, consistindo na demora especulativa no início das negociações, na ausência de ofertas ou na formulação de propostas e/ou reivindicações insustentáveis, na busca pelo enfraquecimento ou descrédito do sindicato organização ou seus líderes.

O mundo do trabalho ou o mercado de trabalho (como muitas vezes é inadequadamente chamado) não é povoado por "comunidades de trabalho" nem a empresa é uma "instituição" como alguns eufemisticamente afirmam identificá-la, consiste no espaço em que os conflitos inerentes à colisão de interesses daqueles (empregadores, trabalhadores e suas organizações representativas) apostam na distribuição da riqueza obtida com a produção de bens e serviços.

A tendência de encontrar convergências, de conferir maior racionalidade e justiça a esta aposta distributiva, de atingir um estado de relativa paz social para o qual a negociação colectiva, o reconhecimento e o respeito da entidade sindical são condicionantes, não diminui o conflito popular e as contradições inerentes às relações de trabalho.

A autoproteção e a missão das organizações sindicais
A autoproteção dos trabalhadores requer uma organização sindical que canalize suas demandas, além de servir para defender seus direitos e ampliar ou obter novos.

A força sindical deriva em primeiro lugar do fluxo de representação que investe e da representatividade efetiva que obtém, pressupostos para que este poder se projete na negociação coletiva e esta responda aos interesses da respetiva coletiva. Porém, é na capacidade de conflito, de confronto com os seus clássicos ou eventuais antagonistas, que se dará à entidade sindical aptidão como interlocutor negocial e lhe dará instrumentos para validar e aumentar o seu nível de representação.

A atuação sindical, particularmente nas rodadas conjuntas periódicas, não se limita à preservação dos direitos trabalhistas ou à recuperação dos que foram reduzidos ou perdidos, mas deve tender a aumentá-los e agregar novas conquistas para a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores. aqueles que representam.

E embora não se limite à remuneração, a referida função sindical está claramente refletida nesta matéria, pois não se trata apenas de acompanhar a inflação já registada ou esperada com aumentos, mas também de recomposição salarial quando esta ocorre. renda em queda e, principalmente, tendem a aumentos acima dos índices inflacionários para melhorar progressivamente a renda e os benefícios remuneratórios.

No marco dessas disputas, com vistas ao cumprimento das tarefas sindicais que deram origem e razão de ser às organizações sindicais, não é possível prescindir da greve -em suas diversas versões- como recurso fundamental e insubstituível , sem o que as assimetrias a favor da classe patronal se acentuariam exponencialmente.

FonteEl Destape
Data original da publicação: 24/06/2023

DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/que-es-la-huelga/


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