OPINIÃO

Por  e 

Não é novidade que as mulheres enfrentam desafios adicionais em suas carreiras. As dificuldades se agravam no momento da maternidade, na medida em que, com certa frequência, ainda fica a cargo delas a maior parte das responsabilidades pelos cuidados de filhos, principalmente recém-nascidos e na primeira infância. Como forma de amenizar essas dificuldades, a Lei 14.457/2022, publicada em setembro de 2022, criou o Programa Emprega + Mulheres.

Há uma série de medidas na nova lei que buscam garantir à força de trabalho feminina melhores condições de empregabilidade, e assim corrigir diferenças históricas de acesso ao mercado de trabalho, de crescimento na carreira e, mais ainda, de garantia de um ambiente de trabalho livre de discriminação.

Entre as novidades está a alteração de nome e do escopo da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), obrigatória para empresas com mais de 20 empregados, na forma da Norma Regulamentadora nº 5, que, renomeada Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio, passa a ser responsável também pelo combate ao assédio no ambiente de trabalho. Trata-se de aspecto que merece máxima atenção das empresas, uma vez que a Norma Regulamentadora 5, que trata especificamente da Cipa, ainda não abordou a forma de implementação das novidades trazidas pela lei este ano, tendo sido alterada em dezembro de 2022  pela Portaria 4.219/2022 apenas com o intuito de atualizar o nome da comissão e incluir as obrigações listadas na lei entre as suas atribuições.

Ao ampliar o escopo de trabalho da Cipa, a lei trouxe uma atribuição nova para uma comissão historicamente preocupada com questões de saúde e segurança ocupacional e cujo contato com temas sensíveis como assédio moral e sexual normalmente não acontecia. O combate ao assédio, de forma ampla, passa a ser oficialmente entendido como questão de saúde do trabalho e a manutenção de um ambiente seguro, notadamente para as mulheres, traz a comissão para o centro desta questão.

Para a promoção de um ambiente laboral sadio, que favoreça a inserção e a manutenção de mulheres no mercado de trabalho, a lei trouxe novas obrigações para as empresas que possuem Cipa: inclusão e divulgação de regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência nas normas internas; fixação de procedimentos para recebimento e acompanhamento de denúncias, apuração dos fatos e, quando for o caso,  aplicação de sanções administrativas aos responsáveis pelos atos de assédio sexual e de violência, garantido o anonimato da pessoa denunciante; realização de ações de capacitação, de orientação e de sensibilização de todos os colaboradores.

Essas obrigações já são em grande parte observadas por empresas com código de conduta robusto e sistemas internos de compliance. Contudo, uma revisão dos procedimentos e uma adequação da sua condução com a participação da Cipa será necessária em vista da novidade legislativa. E essa adequação precisa de atenção urgente, pois o prazo de implementação é até março de 2023.

É importante que as empresas, especialmente times internos das áreas de recursos humanos, jurídico e compliance, avaliem com muita cautela como será implementada a obrigação, enquanto se aguarda uma posição a respeito de eventuais adequações da NR-5.

Ocorre que todas as obrigações quanto aos treinamentos e existência de políticas que possibilitem o recebimento e investigação de denúncias, com posterior punição dos assediadores ficou, de certo modo, atrelado à nova competência da Cipa, que pode (ou deve) estar envolvida nesses processos.

Quando a lei coloca a Cipa como protagonista do combate ao assédio e aumenta sua competência, até mesmo elencando os requisitos de recebimento e apuração de denúncias, sugere que esta comissão tome parte do processo — ou ao menos dá margem para essa interpretação. Esse é um risco grande, pois procedimentos sensíveis e que precisam de confidencialidade para apuração podem ser afetados por essas novas disposições, sem que tenha havido um endereçamento adequado dessa obrigação e da ampliação das atribuições da comissão.

As investigações de denúncias relacionadas a assédio precisam ser feitas respeitando todas as partes envolvidas e conduzidas com sigilo para que a apuração, por si só, não seja uma nova agressão aos denunciantes ou não crie exposição aos investigados. É um procedimento que precisa ser conduzido com cautela e número limitado de pessoas envolvidas para preservar especialmente as partes, mas também a empresa.

Outro ponto de preocupação é a visibilidade de processos internos. A Cipa segue parâmetros específicos definidos na NR-5, sendo as reuniões ordinárias e extraordinárias devidamente registradas em atas, as quais ficam sujeitas à fiscalização do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho. Não se pode admitir a interpretação de que a mesma publicidade deva ser dada às denúncias e às investigações internas, mas é certo que as autoridades terão agora mais elementos para exigir transparência das empresas quanto ao tema.

Portanto, é imprescindível rever procedimentos internos de combate ao assédio, notadamente quanto ao recebimento e investigação de denúncias, de modo a criar modelos de adaptação à Lei Emprega + Mulheres, mas tomando as cautelas para organizar processos que preservem denunciantes, testemunhas e acusados, evitando que os mecanismos criados para apurar condutadas reprovadas se transformem em novas formas de exposição e agressão no ambiente de trabalho.

 é sócia da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe.

 é associada da prática trabalhista do Trench Rossi Watanabe.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-jan-04/figueiredo-pereira-revisao-combate-assedio-empresas