Democracia e militares têm naturalmente relação de tensões. Enquanto a primeira pressupõe diálogo horizontal, entre locutores igualmente legítimos, os segundos se comunicam num discurso hierárquico, vertical; portanto, entre quem manda e quem é mandado.

Eugênio Aragão*

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Mas a democracia precisa dos militares, e os militares precisam da democracia. Para controlar essas tensões, o poder civil que governa a democracia precisa manter as Forças Armadas longe do centro de decisões políticas.

Essas, que exercem potencialmente a forma mais extrema do monopólio de violência do Estado, precisam estar submetidas politicamente ao poder civil, de modo a só serem empregadas, por ordem do comando civil, em emergências que colocam em risco o próprio Estado, mas jamais podem se imiscuir no processo rotineiro de tomada de decisões que afetam a vida da Nação.

É a democracia que legitima o uso extremo da força para a defesa da integridade territorial e os interesses soberanos do Estado. A força sem democracia é agressora, e a história passada e recente está cheia de exemplos para servirem de alerta aos amantes da paz, da justiça e da prosperidade.

Ao mesmo tempo, é a força que garante o Estado democrático quando é agredido em conflitos que põem em xeque a soberania. O convívio entre a força e a democracia tem que ser de tutela daquela por esta última.

Infelizmente, no nosso País, esses papéis não parecem estar claros. Nos últimos 4 anos, houve manipulação nas Forças Armadas para servirem de legitimação de governo que desrespeitou as instituições e desmontou a capacidade de o Estado prover serviços essenciais para a população. E ficou visível que setores do estamento militar, cevados com tratamento pródigo de facilidades, gostaram desse papel. Milhares foram chamados à ocupar indevidamente cargos e funções de gestão governamental, numa relação promíscua entre as Forças Armadas e o poder civil.

O resultado dessa inusual imiscuição do monopólio extremo de violência na rotina governamental não foi bom. Quem maneja armas não é necessariamente bom gestor, ainda mais quando lhe falta a sensibilidade política para o manejo das fragilidades da sociedade.

Restaurada a normalidade institucional orientada pelo programa constitucional, há que se devolver os militares a seu papel profissional, destituindo-os da capacidade de tutelar o discurso político. Trata-se de tarefa das mais complicadas, mas necessária para afastarmos o risco de retrocessos autoritários na vida da Nação.

Esse esforço foi empreendido nos governos progressistas de 2003 a 2016. Houve intenso programa para modernizar e reequipar as Forças Armadas e envolvê-las em missões internacionais de paz para aprenderem com seus homólogos democráticos a forma de convívio com o poder civil.

Houve, também, busca de mudança na formação dos oficiais com instrução em direito internacional humanitário, o viés dos direitos humanos nos conflitos armados. Tratou-se de prestigiar e melhor remunerar os atores da caserna.

Mas isso, parece, pouco serviu para estancar tendências autoritárias despertadas com a reação à Comissão Nacional da Verdade e externadas com o apoio ao golpe que destituiu a presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff (PT). A insistência na recusa em reconhecer os erros do passado parece atrapalhar a adequação futura das Forças Armadas a seu papel numa democracia.

É preciso reconhecer que mudança de postura só se dará com a revisão da doutrina militar, o programa-fonte das Forças Armadas, intocado desde a democratização civil de 1985. Essa revisão deverá ser objeto de intenso debate legislativo.

A sociedade precisa ter claro que tipo de Forças Armadas deseja e, se necessário, induzir a troca de guarda no comando-geral dessa. Novos critérios devem inspirar a promoção ao generalato, longe do “business as usual” que tem marcado o período pós-constitucional, por medo de melindrar o estamento militar. São necessárias inteligência e coragem para esse passo, sem o qual o poder civil se manterá refém dos humores das casernas e acuado por discursos que sugerem a tutela pelas armas.

(*) Advogado e ex-ministro da Justiça (março a maio de 2016, governo de Dilma Rousseff)

DIAP

https://diap.org.br/index.php/noticias/artigos/91219-como-devolver-a-democracia-as-ffaa


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