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Há diversos dispositivos legais que vedam o trabalho a pessoas condenadas por crimes pela restrição de concessão de alvarás, permissões e autorizações para trabalho, muitas vezes sem qualquer relação com o crime pelo qual a pessoa foi condenada.

Na CLT o art. 346 que determina a suspensão das funções do químico que tenha concorrido com seus conhecimentos científicos para a prática de crime ou atentado contra a pátria, a ordem social ou a saúde pública. Mas pelo princípio constitucional da razoabilidade, o único crime que poderia implicar a suspensão ao químico seria o contra a saúde pública, eis que os demais são inespecíficos e sem relação com a profissão.

Em relação às autorizações legais e permissões para exercício de profissões, no espectro federal se tem a Lei 12.009/2009, que regulamentando as profissões de motoboy e mototaxista, lista como condição para o exercício desta última a apresentação de certidões negativas das varas criminais – art. 2o, parágrafo único, inc. V. E apesar do silêncio da Lei 12.468/2011, diversos municípios restringem o trabalho do taxista à pessoa que não tenha sido condenada criminalmente. O Município de São Paulo – SP tem a Lei Municipal n. 7329/1969, que condiciona o exercício da profissão à inexistência de condenação por crime doloso (art. 9o, inc. IV, alínea 1, letras “a” e “b”), exigência repetida no art. 5o para a constituição societária das empresas que desejem explorar a atividade (inc. III e parágrafo único).

Tais restrições contrariam o inc. XIII do art. 5o da Constituição Federal, que estabelece ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. A inexistência de condenação criminal não pode ser considerada como qualificação profissional, e isso se afirma por meio de uma interpretação sistemática da Constituição Federal. O trabalho, observe-se, é fundamento do Estado Democrático de Direito, é direito social, e fundamento da Ordem Social, além de valor fundante da Ordem Econômica. A Convenção n. 111 da OIT, em seu “status” supralegal reconhecido pelo STF, veda, ademais, qualquer discriminação no acesso ao trabalho, vide seu art. 1o, letra “b”.

Por seu turno o inc. XLVII, letra “b” do art, 5o veda as penas de caráter perpétuo, sendo que esta norma é densificada pelas previsões do Código Penal dos efeitos da condenação, vide seus arts. 91 e 92. Se não consta como efeito da condenação o impedimento do exercício de trabalho, então o cumprimento da condenação e a reabilitação, nos moldes do art. 93 do CP, não poderiam, também, levar à conclusão de que os condenados com penas cumpridas ficam impedidos a exercer trabalhos que não guardem relação com seus crimes. Ora, a reabilitação atinge os efeitos da condenação do art. 92, especialmente os extrapenais, conforme o parágrafo único do art. 93.

As vedações ao exercício profissional contidas em leis, quando amplas e desarrazoadas, são inconstitucionais, por não se tratarem de qualificação profissional nos termos do inc. XIII do art. 5o da CF, e por serem nitidamente discriminatórios sem critérios que justifiquem a exclusão.

Isto não significa que todas as profissões sejam acessíveis a todos os condenados por crimes. A razoabilidade e proporcionalidade, que são princípios constitucionais ínsitos, estabelecem ao mesmo tempo uma vedação à discriminação sem motivo e uma autorização, exigência até, para a discriminação motivada. Deste modo aos químicos poderia ser vedado o exercício profissional aos que forem condenados por crimes contra a vida (art. 121 e ss. do Código Penal), de perigo (art. 250-259 do Código Penal), contra a saúde (arts. 267-280 do Código Penal), de falsidades (arts. 293-311) ou terrorismo (Lei 13.260/2016), independentemente de haver relação com o conhecimento técnico de que dispõem.

E no caso dos motoboys, mototaxistas e taxistas, poderia ser vedado o exercício profissional aos condenados pelos crimes dos arts. 302 a 312 do Código de Trânsito Nacional, além dos crimes contra os costumes, dos arts. 213 a 234 do Código Penal, elenco que se apresenta de maneira superficial e exemplificativa.

Modulações como as ora sugeridas são muito mais consentâneas à preservação do interesse público e proteção da saúde e vida, por serem restrições limitadas ao exercício de atividades profissionais que se confundam com os crimes cometidos pelos condenados, ao contrário das restrições ora analisadas, que são genéricas.

São, também, oportunidades de reinserção e reabilitação ampla e efetiva dos condenados que tenham cumprido suas penas, e que se deparam com injustas, desproporcionais e inconstitucionais vedações ao exercício de um trabalho digno e honesto.


REFERÊNCIAS:

CAVALHEIRO, Ruy F. G. L. . Aspectos do trabalho no sistema penitenciário brasileiro. In: MIESSA, E.; CORREIA, H.. (Org.). Estudos aprofundados - Ministério Público do Trabalho. 1aed.Salvador: Jus Podium, 2017, v. 3, p. 167-194.

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