O Governo Federal, considerando o estado de calamidade sanitária que vivenciamos, entendeu por prorrogar o início da vigência da lei 13.709/18 (Lei Geral de Proteção de Dados) para o dia 3 de maio de 2021, tendo sido editada a medida provisória 959/20 para este fim.  

t

A pandemia da covid-19 modificou por completo a vida de todos em suas mais diversas facetas, impondo uma profunda reorganização dos mais simples afazeres diários. De mesmo modo, as rotinas de empresas e empregados também foram impactadas.

O Governo Federal, considerando o estado de calamidade sanitária que vivenciamos, entendeu por prorrogar o início da vigência da lei 13.709/18 (Lei Geral de Proteção de Dados) para o dia 3 de maio de 2021, tendo sido editada a medida provisória 959/20 para este fim.

Seguindo essa tendência, Prefeituras Municipais, Governos Estaduais e do Distrito Federal estabeleceram cronogramas deliberando o sistema de suspensão e/ou revezamento para o funcionamento de diversas atividades empresariais com vistas a preservar a integridade sanitária de todos os envolvidos na cadeia produtiva, vindo a ser implementado o chamado home office (teletrabalho) com maior aceitação e flexibilidade, por força da então medida provisória 927/20.

O emprego de ferramentas tecnológicas vem auxiliando as empresas a monitorar a produtividade e empenho dos empregados, substituindo a forma de exercício do poder diretivo do empregador, instituindo reuniões por videoconferência, transmissão de arquivos e dados com a frequência nunca antes experimentada. Tal situação, por si só, suscita preocupação quanto a preservação da privacidade de dados sensíveis1 de todos os envolvidos.

Não obstante a necessidade de assegurar o desenvolvimento das atividades empresariais, também é primordial a segurança dos dados dos empregados e usuários dos mais diversos serviços disponibilizados, uma vez que o ciberespaço ainda possui nuances muito pouco conhecidas.

Bem por isso, “ao mesmo tempo que é preciso assegurar o desenvolvimento da tecnologia, deve-se garantir a seus usuários que sua privacidade estará resguardada, o que é feito, por exemplo, por meio dos princípios que norteiam a atividade empresarial.”2

Vale dizer que a tutela da privacidade dos dados pessoais é pautada por diversas diretrizes principiológicas, previstas no artigo 6º da Lei Geral de Proteção de Dados, tais como boa-fé, finalidade, adequação, necessidade e não discriminação, que atuam como salvaguardas ao tratamento dos dados por parte do controlador, que no caso das relações de emprego é personificado na figura do empregador (empresa).

Em que pese a prorrogação do início da vigência da aludida lei, é certo que suas premissas vêm proporcionando a condenação de empresas ao pagamento de indenizações aos empregados em virtude da exposição de sua privacidade no ambiente de trabalho e da utilização de seus dados pessoais, citando-se, como exemplo, a divulgação de e-mails corporativos a terceiros e supervisão dos trabalhadores via circuito interno de monitoramento.3

No âmbito das relações de emprego, a questão não pode ser diferente, já que dados referentes ao estado de saúde psicofísica dos empregados precisam ser preservados para evitar o desrespeito à garantia fundamental individual da privacidade e intimidade, prevista no artigo 5º, X da CF/88.

Ao que se vê, as atividades empresariais estão passando por profunda reinvenção de seus institutos mais básicos, uma vez que toda a cadeia produtiva vem sendo submetida às modificações que transpuseram o “mundo físico” para o “mundo digital”, mas sem que isso implique na relativização dos preceitos legais que sustentam o ordenamento jurídico nacional e permitem a concretização das mais diversas relações jurídicas.

Assim, é essencial que as empresas tenham conhecimento dos riscos envolvidos e atuem de forma a mitigá-los da melhor forma possível, estando em conformidade com a nova lei e adotando boas práticas no tratamento desses dados, sobretudo os sensíveis.

_________

1 Segundo entendimento de Bruno Ricardo Bioni, cf. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2019, pp. 118-119: “Os dados sensíveis são uma espécie de dados pessoais que compreendem uma tipologia diferente em razão de o seu conteúdo oferecer uma especial vulnerabilidade: discriminação. Quando se pensa em dados que exprimem a orientação sexual, religiosa, política, racial, estado de saúde ou filiação sindical, surge a preocupação em haver distinção ou diferenciação de uma pessoa por conta de tais aspectos da sua personalidade. [...]. É possível, portanto, identificar individualidades mais sensíveis das pessoas, tais como orientação sexual, raça e estado de saúde, a partir de informações triviais.”.

2 Eduardo Magrani, cf. Entre dados e robôs: ética e privacidade na era da hiperconectividade. 2 ed. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2019, p. 113.

3 Cita-se, v.g., os seguintes arestos: TRT 8ª R.; RO 0200200-77.2009.5.08.0125; Quarta Turma; Relª Desª Fed. Sulamir Palmeira Monassa de Almeida; DJEPA 02/09/2010; Pág. 19; TRT 3ª R.; RO 0010285-46.2018.5.03.0185; Rel. Des. Alexandre Wagner de Morais Albuquerque; DJEMG 17/09/2018; TRT 2ª R.; RO 0002132-36.2010.5.02.0313; Ac. 2013/0723660; Décima Sexta Turma; Rel. Des. Fed. Nelson Bueno do Prado; DJESP 12/07/2013.

_________

t*Gabriel Junqueira Sales é sócio advogado na área de Direito do Trabalho no Vargas Simões Advogados. Especialista em Direito Material, em Processual do Trabalho e em Direito Societário.

t*Rafael Avellar Centoducatte é advogado graduado pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Especialista em Direito Empresarial e Educação Executiva em Data Protection Officer. Membro do Comitê Jurídico da ANPPD® - Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados.

t*Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.