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Bolívia autoriza trabalho infantil aos 10 anos e desperta alerta de ONGs

 

 

Trabalhar a partir dos dez anos de idade agora será autorizado na Bolívia. Depois do Senado, o Parlamento boliviano aprovou, na quarta-feira (2), o novo Código da Criança e do Adolescente que prevê a redução, em certos casos, da idade mínima legal de trabalho para abaixo dos 14 anos exigidos normalmente.

 

"Excepcionalmente, os serviços de defesa da infância [Defensoría de la Niñez] poderão autorizar as crianças e adolescentes de dez a 14 anos a trabalharem por conta própria, e os adolescentes de 12 a 14 anos a trabalharem para terceiros, contanto que essa atividade não prejudique seu direito à educação e que ela não seja perigosa", afirma o texto de lei aprovado pelos parlamentares, para desgosto das várias instituições contrárias ao trabalho infantil.

Em uma carta aberta dirigida ao chefe do Estado boliviano, Evo MoralesONGs como a Anti-Slavery International (contra a escravidão) e a Human Rights Watch advertiram, no final de janeiro, sobre os riscos que representaria a redução da idade legal do trabalho.

"Se as crianças de dez a 12 anos forem autorizadas a trabalhar, elas vão faltar às aulas e sem perceber entrarão no círculo vicioso da pobreza e do analfabetismo, que é difícil de acabar", acreditam essas organizações, que lembram que a Bolívia é signatária desde 1997 da Convenção 138 da Organização internacional do Trabalho, que determina em 14 anos a idade mínima para trabalhar, "excepcionalmente" para os países em desenvolvimento (15 anos para os demais).

"Não deveriam limitar a idade das crianças trabalhadoras"

Mas essas críticas não deverão impedir Evo Morales de promulgar a lei nos próximos dias. "Não deveriam limitar a idade das crianças trabalhadoras", já declarava no final de dezembro de 2013 o chefe do Estado, que não hesita em contar que ele mesmo trabalhava quando pequeno.

"O companheiro Evo Morales afirmou que ele estava do nosso lado", comemora Rodrigo Medrano, que vende balas e cigarros nas ruas de La Paz. Aos 15 anos, o jovem, que vive sozinho desde os oito anos de idade, conhece bem o novo Código da Criança por ter participado de sua elaboração junto com outros delegados nacionais da União das Crianças e Adolescentes Trabalhadores da Bolívia (Unatsbo), uma espécie de sindicato que lutou pela causa.

A versão inicial do novo Código da Criança era, na verdade, bem diferente. "A primeira versão seguia de perto os tratados internacionais mantendo de maneira rígida a idade mínima de 14 anos", explica o psicólogo social daFundação La PazJorge Domic, que atua junto a crianças trabalhadoras há mais de 35 anos.

Insatisfeitos, os jovens da Unatsbo iniciaram então, em dezembro de 2013, um grande movimento de protestos. Duramente reprimido, este atraiu a atenção do presidente Morales, que recebeu uma delegação. "Esse foi um momento muito importante, pois pela primeira vez na história do país essas crianças, que vivem um processo de exclusão social e de marginalização permanente, puderam ser ouvidas pelo mais alto escalão do Estado", comemoraJorge Domic.

"Esse código é um grande avanço"

Um novo texto de lei foi elaborado desde então de maneira consensual, com a participação da Unatsbo. "Esse Código constitui um grande avanço", acredita Domic, para quem a lei deve se adaptar à realidade do país. Na Bolívia, segundo dados oficiais de 2012, mais de 850 mil crianças trabalhavam, ou seja, 17,5% das crianças de 7 a 17 anos de idade, a maioria (72%) em zona rural.

Aos 13 anos, Yoselin Apaza ganha entre 5 e 7 euros (R$ 15 a R$ 21) por dia, vendendo balas nas ruas de sua cidade de El Alto. "De manhã vou à escola, volto para casa, almoço, faço meu dever de casa e saio para vender", conta a estudante, que afirma que a maioria dos alunos de sua classe de 6ª série também trabalha como ela para complementar o orçamento da família. Ela conta, revoltada, que os policiais costumam confiscar os cigarros que seu irmão vende nos bares de La Paz. "Não somos ladrões, somos trabalhadores e devemos ter os mesmos direitos que os outros", ela diz.

A jovem, que trabalha desde "pequenininha" para ajudar sua mãe, que a cria sozinha, não entende por que há organizações que querem proibir o trabalho infantil. "Eles querem nos proteger, mas se não nos deixarem trabalhar, como vamos fazer para sobreviver?", ela pergunta.

"Essas pessoas não conhecem nossa realidade. Elas precisam ver as condições nas quais vivemos", se irritaRodrigo Medrano. Mas o novo Código lhe devolveu o sorriso.

"Ele reconhece nossa existência", comemora o jovem representante da Unatsbo, que exige o direito das crianças de trabalharem com dignidade e que a lei proteja os mais jovens de qualquer exploração. Uma preocupação que ele compartilha com a Organização Internacional do Trabalho.

Fonte: A reportagem é de Chrystelle Barbier Em Lima, publicada pelojornal Le Monde e reproduzida pelo Portal UOL

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