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Foro privilegiado deveria ser extinto? Não

 

 

INSTRUMENTO EXTREMAMENTE VALIOSO

Extinguir o foro privilegiado é o mesmo que tratar uma doença com o remédio errado. Na verdade, seria como iniciar um tratamento que só agravaria a saúde do paciente.

Há limites para o uso da metáfora médica em relação ao sistema político, mas ela é útil nesse caso para explicar o que está em jogo.

Perante os "sintomas" de tendência à impunidade de membros do alto escalão político do país, há razoável consenso no "diagnóstico" de que isso se relaciona com um problema no foro privilegiado. A divergência está nas recomendações de tratamento.

Aparentemente poucos estariam dispostos a defender o sistema de foro privilegiado tal como posto atualmente. E isso faz todo sentido. A grande dúvida se tal instrumento constitucional deveria ser extinto ou simplesmente modificado para que funcione melhor.

Como escolher entre essas duas opções? A resposta depende de uma compreensão adequada da função do instituto, ou seja, de quem se beneficia com o foro privilegiado.

Há quem veja nele apenas uma garantia de estabilidade para ocupantes de cargos públicos. Isso é apenas meia verdade.

Trata-se de um mecanismo pelo qual detentores de cargos públicos são processados e julgados, em caso de crime, diretamente por tribunais, sem passar por juízes de primeira instância.

O foro também protege os juízes de primeiro nível da pressão que réus ou outros agentes muito poderosos podem exercer sobre eles.

Quando se pensa na extinção do foro privilegiado, tende-se a presumir que teremos centenas de operações da Polícia Federal pelo país.

Todavia, a Lava Jato é uma grande exceção, pois conta com dois fatores cruciais para seu sucesso -o apoio popular e a exposição na mídia. Isso confere à operação uma proteção contra eventuais planos de desmontá-la.

Dada a vastidão do país, a maioria dos juízes não teria como contar com esse suporte nas eventuais ações penais contra vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores, governadores e ministros de Estado.

Nesse caso, a pressão pode vir tanto dos investigados e réus como de adversários políticos que querem se valer do Judiciário a seu favor.

O que está em jogo não é a integridade ou a capacidade dos diversos magistrados, promotores e policiais do país, mas o limite que existe para oferecer a eles apoio e até mesmo proteção nesses casos extremos.

Nesse sentido, o valor do foro privilegiado está em isolar, ao máximo possível, o julgador da esfera de poder de quem está sendo julgado. No Brasil isso é extremamente valioso.

Essa garantia seria posta totalmente a perder com a simples extinção do instituto. É verdade que esse valor também não está tão bem protegido no sistema atual, o que pode ser corrigido.

Por exemplo, não resta dúvida de que o foro privilegiado no STF (Supremo Tribunal Federal) é extremamente problemático. O Supremo não tem estrutura operacional para lidar com os processos penais de todos os parlamentares e ministros de Estado. Trata-se de uma instância que poderia ser reservada para a Presidência da República, da Câmara e do Senado -ou nem mesmo isso.

Todavia, o foro privilegiado vai muito além do STF. Há também o foro privilegiado no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e nos tribunais estaduais e regionais, nos quais a questão logística opera melhor. Além disso, é possível também criar tribunais especializados para esses casos.

Sendo assim, para lidar com o problema da impunidade do alto escalão político do país, necessitamos de uma solução que respeite a complexidade do problema. A melhor inovação virá do aperfeiçoamento do sistema de foro privilegiado, não do seu abandono.

RUBENS GLEZER, doutor em teoria do direito pela USP, é professor de direito constitucional da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

Fonte: Folha de S.Paulo, 12 de novembro de 2016.

 

 

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