BRASÍLIA - Na última terça, esta coluna publicou um estudo do Ipea que projeta cortes bilionários na saúde após a aprovação da PEC do teto de gastos. No mesmo dia, o presidente do instituto, Ernesto Lozardo, chamou a seu gabinete uma das autoras do texto, a nota técnica nº 28.
Doutora pela Universidade Federal de São Paulo, Fabiola Sulpino Vieira entrou na sala do chefe como coordenadora de estudos de saúde do Ipea. Saiuexonerada do cargo e alvo de uma censura pública, fato inédito nos 52 anos do instituto.
Na reunião, a pesquisadora ouviu de Lozardo que seu trabalho criou constrangimento ao governo. Foi avisada de que ele divulgaria uma nota contestando o estudo do próprio órgão e endossando a versão do Planalto sobre a PEC. Sob pressão, decidiu entregar o posto de chefia.
Na nota nº 28, Fabiola e o colega Rodrigo Benevides projetaram quatro cenários para a saúde no novo regime fiscal. No pior, a perda chegaria a R$ 743 bilhões. O estudo reconhece a penúria do governo, mas sustenta que um ajuste focado nas despesas primárias "afeta particularmente as políticas sociais". É possível concordar ou discordar, mas não há nada no texto que autorize a desqualificação dos pesquisadores.
Nomeado há quatro meses pelo presidente Michel Temer, de quem é amigo, Lozardo reagiu com a ferocidade de um cão de guarda. Tachou o estudo de "irrealista" e "desconectado" e afirmou que suas conclusões "são de inteira responsabilidade dos autores" e "não representam a posição" do Ipea. Entre outras coisas, omitiu que o trabalho foi submetido previamente à direção do instituto.
A censura do doutor Lozardo é preocupante porque sugere que o novo regime está disposto a barrar estudos que contrariem suas teses. Se a regra prevalecer no Ipea, pode se alastrar para o IBGE e as universidades federais. Em outros tempos, a tentativa de submeter órgãos técnicos à vontade política do governo era chamada de aparelhamento.
Fonte: Folha de S.Paulo, 16 de outubro de 2016.