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E aí,quem te representa?

Protestos que tomaram as ruas do país reforçaram o distanciamento entre eleitores e políticos. E abriram a discussão sobre a possibilidade da adoção de novos instrumentos de democracia direta

Quem tem acompanhado os protestos das últimas semanas pelo Brasil (seja na rua ou no sofá) trombou em algum momento com o bordão “Não me representa”. Difundida por cartazes escritos à mão, curtidas e compartilhamentos pelas redes sociais na internet, a expressão virou um mantra contra políticos e partidos – um dos alvos preferenciais é o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP). O fenômeno expõe o descontentamento com o atual modelo de democracia representativa e abre perspectivas sobre a participação direta da sociedade na política.

André Rodrigues/ Gazeta do Povo

André Rodrigues/ Gazeta do Povo / Ampliar imagem
Atenas

Ideia da democracia direta nasceu na Grécia e “hibernou” por séculos

Wikimediacommons

A democracia “pura” ou direta nasceu em Atenas, no século 6 a.C., como uma alternativa à tirania. Os precursores teóricos do sistema foram Sólon e Clístenes, que introduziram o conceito de assembleias realizadas em praças públicas para a tomada de decisões. Nem todos tinham direito a voto, apenas as pessoas com título de “cidadão” ateniense, o que excluía mulheres, escravos e mestiços.

O professor de História Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (SP), cita que o apogeu da democracia direta em Atenas ocorreu sob a gestão de Péricles (busto da foto), entre 460 a.C. e 429 a.C., e decaiu logo depois com o domínio macedônio de Alexandre, o Grande, sobre os gregos. “Depois disso, o conceito de democracia direta só volta a ser abordado para valer durante a Revolução Francesa [1789], com os conselhos montados para administrar os distritos de Paris”, diz Villa.

No século 19, os movimentos anarquistas europeus resgataram a ideia de democracia direta, como uma negação à estrutura política tradicional. No começo do século 20, o marxismo resgatou a proposta dos conselhos revolucionários franceses por meio dos “sovietes”. “Durante a Revolução Russa, os sovietes foram utilizados como contraposição à Duma [parlamento russo], mas depois que o regime comunista se estabiliza, com Josef Stalin, o que prevalece é a ditadura pura e simples.”

De acordo com Villa, houve novas tentativas durante os movimentos de contracultura da década de 1960 e, mais recentemente, com os protestos deflagrados a partir da crise econômica mundial de 2008. “Diria que [a democracia direta] é mais uma doença infantil da democracia, algo que a história já provou que é inviável.”

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O que você acha da democracia direta? Que decisões políticas poderiam ficar sob responsabilidade da população?

A informação não passou despercebida pelos políticos, a começar pela proposta da presidente Dilma Rousseff de realizar um plebiscito sobre a reforma política. Na semana passada, o Senado reduziu pela metade a quantidade necessária de assinaturas para que um projeto de lei de iniciativa popular comece a tramitar no Congresso. Deixados de lado durante os atos ligados à “Revolta da Tarifa”, centrais sindicais e movimentos sociais organizaram uma série de paralisações para recuperar legitimidade como organizadores das reinvindicações da sociedade.

Lição dos protestos

“Uma das lições dos protestos é que a sociedade, além de não se sentir representada, não consegue nem encontra espaço no ambiente político tradicional para falar”, analisa o cientista político Valdir Pucci, da Universidade de Brasília.

Os números sobre a utilização dos principais instrumentos de democracia direta existentes no país – projetos de iniciativa popular, referendos e plebiscitos – vão ao encontro da avaliação do professor. Dos 2.148 projetos de lei transformados em norma jurídica pela Câmara dos Deputados desde 1988, ano da promulgação da Constituição, apenas cinco nasceram de iniciativas populares. No mesmo período, houve apenas um plebiscito, sobre o sistema de governo (em 1993), e um referendo nacional, sobre a venda de armas de fogo (2005).

Para a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, grupo que articula 39 entidades da sociedade civil desde 2004, um dos principais problemas está na Lei 9.709/1998, que regulamentou os três dispositivos de democracia direta no Brasil. “Precisamos de uma nova regulamentação do artigo 14 da Constituição para permitir que as pessoas possam convocar plebiscitos e referendos por conta própria”, diz Daniel Lima, um dos porta-vozes da Plataforma.

A mudança é alvo do Projeto de Lei 4.718/2004, que espera por votação pelo plenário da Câmara desde 2011. Pela legislação atual, os dois tipos de consultas populares só podem ser convocadas mediante decreto legislativo aprovado pelo Congresso.

Barreira

Outra barreira contra a democracia direta são as assinaturas necessárias para a apresentação de projetos de lei de iniciativa popular – atualmente é obrigatório o apoio de pelo menos 1% do eleitorado nacional, que corresponde a aproximadamente 1,3 milhão de eleitores. Apesar de ter sido aprovada pelo Senado, a proposta de emenda à Constituição que reduz a exigência pela metade ainda precisa do aval da Câmara para se transformar em realidade.

“É um contrassenso que sejam necessárias 500 mil assinaturas para criar um partido e mais que o dobro disso para a população apresentar um projeto de lei”, diz Jovita Rosa, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). A entidade foi responsável por duas das cinco iniciativas populares que viraram legislações federais. A última foi a Lei da Ficha Limpa, em 2010, e a penúltima, a Lei 9.840/1999, que concedeu à Justiça Eleitoral mais poderes para punir atos de corrupção nas campanhas.

A iniciativa popular pioneira, no entanto, foi a Lei 8.930/1994, que transformou em crimes hediondos as tentativas de atentado violento ao pudor, estupro, extorsão seguida de morte ou mediante sequestro e latrocínio (roubo seguido de morte). A mobilização pelas assinaturas foi feita pela autora de novelas Glória Perez. A filha dela, a atriz Daniella Perez, foi assassinada em 1992 pelo também ator Guilherme de Pádua.

Fonte: Gazeta do Povo


 

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