Sergio Moro perdeu mais uma. Na queda de braço pelas nomeações no Cade, não é o Senado, mas o ministro da Justiça o maior perdedor. O Conselho, encarregado da maltratada concorrência empresarial no Brasil, tem quatro vagas a serem preenchidas. A nomeação é do presidente da República, mas desde 2015 uma enfraquecida presidente Dilma Rousseff cedeu a prerrogativa ao Senado. O Centrão se apossou dela e se esparramou pelo órgão durante o governo Michel Temer.

Por Maria Cristina Fernandes*

Moro concorreu com o ex-presidente Lula como os dois personagens que, em extremidades opostas, foram os mais citados pelo então candidato BolsonaroMoro concorreu com o ex-presidente Lula como os dois personagens que, em extremidades opostas, foram os mais citados pelo então candidato Bolsonaro
O impenetrável jargão do Cade encobre decisões sobre o arbítrio das empresas na definição de preços e tarifas e na qualidade dos produtos oferecidos ao consumidor. Por mais desoneradas estejam as empresas, os consumidores nunca serão beneficiários se o mercado estiver cartelizado.

O governo Jair Bolsonaro podia até querer retomar a prerrogativa, mas como já começou com o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, nas cordas, achou por bem negociar. Duas vagas ficaram com o governo e outras duas, com os senadores. Como já se vão mais de seis meses do início da legislatura, e o Senado ainda não instalou o Conselho de Ética, as cláusulas do acordo pareciam observadas.

Daí a surpresa quando o presidente retirou as indicações do Executivo. É bem verdade que o futuro de mais um filho, o deputado federal e potencial embaixador do Brasil nos Estados Unidos, também está penhorado no Senado, mas o acordo sobrevivia até a véspera da edição do Diário Oficial na semana passada. Nada no currículo dos escolhidos parecia desabonar os escolhidos pelos ministros da Justiça e da Economia.

Ontem Bolsonaro disse que se reuniria com Paulo Guedes para preencher as seis vagas inflacionadas com aquelas que apenas serão abertas em outubro. Da declaração depreende-se que o presidente parcelou o cumprimento das cláusulas do acordo. Se está pressionado a liberar as nomeações para não estender a paralisação do órgão, precisa, por outro lado, garantir o passe de embaixador para o filho. Mas o Senado não é o único e talvez não seja nem mesmo o alvo principal do presidente. O órgão está submetido à estrutura da Justiça, mas o presidente fez questão de dizer que a questão seria discutida com Guedes.

Não é a primeira medida que toma para desidratar Moro. Na primeira delas, vetou uma indicada do ministro para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Em seguida viriam duas decisões envolvendo o Coaf. O Conselho, que identifica operações financeiras suspeitas de ilicitude e as comunica para os órgãos de investigação, foi transferido, na reestruturação ministerial, da Economia para a Justiça.

O Congresso estrilou e o presidente não comprou a briga. Ainda que sob o chapéu da Economia, o Conselho permaneceu nas mãos do escolhido de Moro, um ex-auditor da Receita lotado na força-tarefa da Lava Jato. Agora o presidente decidiu também tirar o aval à permanência de Roberto Leonel na chefia do Coaf.

O ministro tirou uma semana de férias para tentar sair das cordas em que a #VazaJato o enredou. No retorno, determinado a retomar a iniciativa, meteu os pés pelas mãos com o decreto arbitrário na deportação de estrangeiros e armou um jantar com Guedes, testemunhado pela imprensa, para dizer que está fechado com a reeleição de Bolsonaro.

Não bastou para dissipar as desconfianças. Como tem limites para impedir que Moro se disponha a lhe fazer concorrência na sucessão, o presidente resolveu obstruir a alternativa mais evidente do ministro à política eleitoral ao declarar que seu escolhido para o Supremo será “terrivelmente evangélico”. Como parece determinado a evitar que Moro tenha uma plataforma eleitoral para chamar de sua, resolveu barrar até mesmo a publicidade do pacote anticrime enviado pelo ministro ao Congresso.

O fogo amigo poderia ser abreviado por uma demissão. O risco, porém, é que, além de explicitado o estelionato eleitoral, a condição de vítima em que o ministro possa vir a se colocar se varrido, se volte contra o mandato presidencial.

Moro concorreu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como os dois personagens que, em extremidades opostas, foram os mais citados pelo candidato do PSL. Sete meses depois de sua posse já bastaram para mostrar que o convite a Moro não foi uma forma de honrar a promessa de combate à corrupção – mas de frustrá-la.

Moro já desonrou a toga que inspirou a esperança de milhões de brasileiros, mas para o bolsonarismo mais recalcitrante, ainda é o maior símbolo anticorrupção do país. Mantê-lo no governo, devidamente podado, é a maneira mais segura de proteger sua família e a si, da sanha justiceira do ministro que lhe serviu de carona ao Planalto.

O presidente do Supremo Tribunal Federal tomou o lugar de Moro como parceiro preferencial do presidente. O ministro Dias Toffoli o faz também na condição de líder da legião de políticos e magistrados que, envoltos sob o véu da defesa do estado de direito, buscam um atalho para a procrastinação de processos da Lava Jato.

A frustrada transferência de Lula para o presídio de Tremembé foi um pedido da Polícia Federal de Moro atendido por uma juíza discípula de tudo o que emana de sua toga. Mas, se Lula ainda é um troféu para as ambições do juiz militante, os novos aliados de Bolsonaro não o impedirão de continuar a disputar a liderança do antilulismo.

A ferocidade com a qual o governador João Dória aderiu à transferência mostra a resiliência do apelo antilulista. Ainda não apareceu outra maneira mais fácil de o presidente manter sua turma mobilizada senão continuar a disputar esse mercado. Ainda leva vantagem sobre os concorrentes, desde que seja capaz de manter, com a ajuda de seus novos aliados, Fabrício Queiroz de boca fechada por mais três anos e meio.

* Maria Cristina Fernandes é jornalista


Valor Econômico