OPINIÃO

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Reportagem publicada nesta terça-feira (18/6) na Folha de S.Paulo informa que empresários brasileiros teriam comprado software e pacotes de envios de WhatsApp em massa, em prol da campanha de Bolsonaro, de uma empresa espanhola.

Diante disso, surge uma série de perguntas. Tento aqui trazer alguns esclarecimentos, com as informações até o momento disponíveis.

1. Se comprovados os fatos, essa prática é ilegal?
Sim. A legislação eleitoral brasileira exige que todas as atividades feitas em prol de uma campanha — incluindo a difusão de mensagens por quaisquer meios — sejam custeadas com recursos da conta corrente eleitoral e, portanto, constem da prestação de contas.

A única exceção a essa regra é a permissão para que pessoas físicas — cidadãos — façam despesas de até, aproximadamente, R$ 1 mil (ao longo de toda campanha) em benefício de uma candidatura. É o caso de alguém que faça uma placa para sua casa, reúna amigos para uma reunião política etc.

Empresas, por outro lado, são absolutamente proibidas de contribuírem para campanhas eleitorais, seja por doações diretas ou pelo pagamento de despesas de qualquer valor, conforme decidiu o STF na ADI 4.650.

2. E qual a pena prevista para essa ilegalidade?
A depender da gravidade dos fatos — um conceito relativo, a ser apreciado pela Justiça Eleitoral, que abrange o peso que a conduta teve no desenrolar da campanha —, pode-se configurar abuso de poder econômico, punido com a cassação da chapa vencedora — presidente e vice-presidente —, além da decretação da inelegibilidade de quem for considerado responsável pelas ilegalidades. É o que está previsto no artigo 22 da Lei Complementar 64/90.

3. Mas a reportagem diz que, aparentemente, Bolsonaro não sabia do esquema organizado por empresários. Ainda assim ele pode ser punido?
Sim. Para que seja cassada a chapa, não é necessário demonstrar dolo, culpa ou mesmo conhecimento por parte dos candidatos. Basta que se reconheça terem sido eles beneficiados pelos atos considerados ilegais.

Se a Justiça Eleitoral entender que não houve conhecimento ou participação direta, cassa-se a chapa, mas se deixa de aplicar aos candidatos cassados a pena de inelegibilidade.

4. Já se passaram mais de seis meses da posse de Bolsonaro. Ainda assim é possível buscar a punição na Justiça Eleitoral?
Sim. De fato, a legislação prevê prazos curtos para que sejam questionados os resultados das urnas. Neste caso, contudo, a chapa de Haddad e Manuela, bem como o PDT, ajuizaram ações judiciais eleitorais — este é o nome da ação que busca apurar o abuso de poder econômico nas eleições — ainda dentro do prazo, o que permite à Justiça Eleitoral analisar os novos indícios agora revelados.

5. Mas não se aplica a jurisprudência da ação ajuizada contra a chapa Dilma/Temer, que foi julgada improcedente exatamente por não terem sido aceitos os indícios que apareceram tempos depois?
Não. As situações são juridicamente diferentes. Entendeu o TSE, no caso Dilma/Temer, que a coligação de Aécio Neves tentou alterar o que chamamos “causa de pedir” da ação depois do prazo máximo permitido.

“Causa de pedir” é o motivo pelo qual se faz um pedido na Justiça. Imagine-se que a pessoa A entra com uma ação contra B, pedindo indenização decorrente do vazamento que afirma haver do apartamento de B sobre o de A.

Passado um tempo, A diz ainda querer a indenização, mas que ela decorre na verdade do fato de que B bateu no carro de A enquanto tentava manobrá-lo na garagem do prédio.

Se já houver transcorrido o prazo para ajuizamento de ações de indenização, não é possível aceitar o pedido de A, uma vez que a ação versava sobre outra coisa originalmente (vazamento). Ainda que o pedido seja o mesmo — uma indenização —, o motivo por trás é outro.

É o que se tem aqui. No caso Dilma/Temer, afirmava-se no início ter havido uso de caixa dois, ou seja, recursos que não passaram pela contabilidade de campanha. Posteriormente, surgiram indícios — na operação "lava jato" — de que recursos oficiais, que passaram, portanto, pela conta de campanha, eram fruto de corrupção.

Ainda que o pedido fosse o mesmo — cassação da chapa —, o motivo havia mudado: de caixa dois, no início, para questionar a origem ilegal dos recursos que entraram no caixa um.

Daí o motivo pelo qual, corretamente, o TSE entendeu que não era possível averiguar aqueles novos fatos.

Agora a questão é diferente, pois a chapa Haddad/Manuela e o PDT ajuizaram ações — dentro do prazo — questionando exatamente o fato de que empresários teriam custeado, por fora, o envio de mensagens em massa por aplicativos.

Não há alteração da “causa de pedir”, apenas surgiram novos elementos para reforçar a acusação contida na ação. É possível, assim, ao menos em tese, que esses indícios sejam trazidos à Justiça Eleitoral.

6. E quanto tempo leva para o TSE julgar a ação?
Ainda que a lei traga prazos para o julgamento deste tipo de ação, é fato que a Justiça Eleitoral costuma demorar mais tempo, especialmente quando há necessidade de produzir provas complexas, como no caso. Não é possível fazer uma previsão.

7. E o que ocorre se a ação for julgada procedente e a chapa for cassada? Quem assume? Há novas eleições?
Se a chapa for cassada, caem Bolsonaro e Mourão. A chapa é considerada “una e indivisível” para fins eleitorais. Com isso, anula-se as eleições presidenciais de 2018 e convoca-se novas eleições apenas para os cargos de presidente e vice.

Essas eleições serão diretas — ou seja, com os votos de todos os eleitores — se isso ocorrer até o final de 2020.

Serão indiretas — votando apenas os membros do Congresso Nacional — se a cassação acontecer depois de 1º de janeiro de 2021.

Com o afastamento do presidente e do vice-presidente, assume temporariamente o presidente da Câmara dos Deputados, atualmente o deputado Rodrigo Maia. O prazo que a lei prevê para novas eleições é de até 90 dias contados do afastamento dos titulares.

8. Existe a chance do segundo colocado, Fernando Haddad, assumir a presidência automaticamente?
Não. Como dito, a regra atual prevê que, sempre que houver a cassação da chapa majoritária, convocam-se novas eleições.

Fernando Neisser é advogado eleitoralista, doutor e mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Revista Consultor Jurídico