A proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso pelo governo prevê a criação do chamado sistema de capitalização, quando a contribuição previdenciária que é descontada do salário bruto vai para uma conta individual do trabalhador. É essa poupança que será usada para bancar a aposentadoria no futuro. No Monitor Mercantil

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No Brasil, conforme a Constituição de 1988, o que existe atualmente é o sistema de repartição, no qual os benefícios dos que já estão aposentados, ou recebendo pensões, são pagos pelas contribuições previdenciárias recolhidas dos trabalhadores que estão na ativa. Ou seja, aquele que trabalha ajuda a pagar a aposentadoria dos que já estão aposentados. Daí o regime de repartição ser chamado também de sistema solidário. Nele, patrões e governo também contribuem para que as aposentadorias sejam pagas, e os benefícios são calculados pela média dos salários de contribuição.

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O texto da PEC 6/19 cria o artigo 201-A na Constituição Federal para determinar que o Poder Executivo federal deverá propor uma lei complementar para instituir o regime de Previdência Social organizado com base no sistema de capitalização de contribuição definida. Cada trabalhador que aderir a esse sistema terá uma conta vinculada a seu nome, e essa reserva individual será usada para o pagamento de sua aposentadoria. A gestão dessas reservas individuais dos trabalhadores poderá ser feita por entidades de previdência públicas ou privadas, que terão de assegurar ampla transparência, acompanhamento pelos segurados e beneficiários e fornecimento de informações das rentabilidades e dos encargos administrativos.

A contribuição mensal será escolhida no ato da adesão do trabalhador à capitalização (10% do salário bruto, em média) e o valor da aposentadoria dependerá de quanto o trabalhador poupou e da rentabilidade de sua conta individual, que vem da aplicação dos recursos, no mercado financeiro, pelos operadores que vão gerir os fundos capitalizados, geralmente bancos.

Desconstitucionalização
O projeto de lei complementar para implementação do sistema de capitalização na Previdência ainda não foi enviado ao Legislativo e precisará passar pela aprovação do Congresso Nacional.

A PEC autoriza que o sistema de capitalização a ser instituído pela lei complementar poderá ser no modelo tradicional ou no modelo "nocional", ou seja, a conta individual do trabalhador seria virtual e gerida pelo Tesouro Nacional, que não aplicaria o dinheiro no mercado financeiro, mas garantiria rentabilidade ao trabalhador baseada no crescimento do PIB ou na taxa de juros, por exemplo. A proposta do Executivo também proíbe "qualquer forma de uso compulsório dos recursos por parte de ente federativo".

De acordo com a PEC, o sistema de capitalização será implementado de maneira alternativa ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e aos regimes próprios dos servidores públicos (RPPS) e terá um fundo solidário que garantirá um piso básico, de um salário mínimo, para todos que não conseguirem poupança suficiente para bancar um benefício superior ao mínimo. Mas a intenção do governo é que a capitalização, no futuro, substitua os atuais regimes previdenciários.

Fim da Previdência Social
Para o senador Paulo Paim (PT-RS), a mudança vai representar a privatização e o fim da Previdência Social. Os maiores interessados no sistema de capitalização são os bancos, afirmou.

Em sua opinião, a melhor saída é tirar a capitalização do texto da PEC e deixar para depois a discussão sobre a implantação do novo sistema. O senador receia que as empresas só passem a contratar novos trabalhadores se eles concordarem em aderir à capitalização.

Na avaliação do diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, a reforma da Previdência é necessária devido ao deficit público. As despesas estão maiores que as receitas há alguns anos e a principal despesa que contribui para o deficit é justamente a previdenciária. Em recente relatório, a instituição apontou que a reforma pode estabilizar o deficit previdenciário em uma década.

Mas quanto à mudança para o sistema de capitalização, Salto é cauteloso e diz que o conceito do governo ainda não está claro.

Felipe Salto acredita que a saída será o país caminhar para o sistema misto, com a capitalização coexistindo com o regime de repartição.

"A capitalização pura não é recomendável para um país como o Brasil. Porque o Brasil é ainda muito desigual e muito pobre. A nossa renda per capita é baixa. Você imaginar que vai colocar a capitalização pura e cada um vai conseguir ter sua própria poupança que, no final das contas, vai te dar uma coisa milionária, isso é história para boi dormir, isso é conversa fiada. A verdade é que a solução é o caminho do meio: você tem que combinar as regras do regime de repartição, um regime solidário como é o nosso, porque é bom, tem que fazer os ajustes e começar a adotar o regime de capitalização como um complemento e uma alternativa. Não dá para imaginar, na realidade brasileira, que o regime de capitalização vá substituir o regime de repartição. Quem diz isso não conhece a realidade", afirmou o diretor da IFI.

Experiência chilena
No Chile, que adotou a capitalização pura no começo dos anos 1980, houve precarização das aposentadorias. Felipe Salto explica que é arriscado o Brasil ir pelo menos caminho.

"Quando você é pobre ou está desempregado, o que acontece é que você fica alternando empregos formais e informais. O trabalho que você tem na informalidade não vai adiantar nada para sua conta capitalizada. No emprego formal, você vai recolhendo e colocando nessa conta. A verdade é que as pessoas acabam ficando ao longo de toda sua vida laboral fora do mercado formal. Aí lá no final o valor médio da aposentadoria vai ser muito baixo, insuficiente para dar conta de sustentar a vida do idoso. Nossa opinião é que é preciso ir pelo caminho do meio. O cerne da reforma não é a capitalização, é a mudança de regras do regime que já existe: idade mínima, mudança no cálculo do benefício e outros ajustes que darão mais sustentabilidade ao atual regime de Previdência. Achar que vai trocar o regime atual pelo de capitalização é ilusão".

O sistema de capitalização a ser instituído poderá ter contribuições patronais e do trabalhador e dos entes federativos e do servidor, segundo a PEC. Deverá prever, além da aposentadoria por idade, benefícios para licença maternidade, incapacidade temporária ou permanente e morte do segurado.

Por entender que o atual sistema de repartição é insustentável, o governo quer instituir o sistema de capitalização para substituir o RGPS e o RPPS, mas de forma gradual, com os sistemas coexistindo durante anos. De acordo com estimativas do governo federal, o Brasil tem atualmente 20 milhões de idosos, número que deverá chegar a 60 milhões daqui a 40 anos.

O professor de Direito Previdenciário da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) Márcio Roberto Paulo disse à reportagem que vários países que adotaram o sistema de capitalização já voltaram atrás, devido ao achatamento das aposentadorias.

"E o Brasil quer implantar uma coisa que não deu certo em países que estão muito à frente do Brasil. É muito perigoso entrar nessa seara. Essas regras não estão claras em nossa reforma. Como é que nós vamos aderir a um plano de capitalização se eu não sei quem é que vai gerir o meu dinheiro? E se o banco quebrar, falir, não der certo, quem é que vai cobrir esse rombo? É muito complicada essa questão da capitalização para as futuras gerações. Não está claro quem vai gerir esse dinheiro", afirmou o professor.

Para ele, a reforma é necessária para que haja equilíbrio da Previdência para as futuras gerações, mas o texto enviado pelo governo é confuso.

DIAP