Política de 'laissez-faire' do governo manterá o país bem no fundo do poço que levou à sua eleição

Em mais uma prova de força do Parlamento no cabo de guerra provocado pelo governo, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Orçamento impositivo foi aprovada nesta quarta-feira (3) pelo Senado e retornará à Câmara dos Deputados para apreciação de alterações.

Quando aprovada em sua primeira versão pela Câmara em caráter relâmpago e por placar acachapante na terça-feira (26), a medida, que retira margem de manobra do Executivo sobre o Orçamento, 
foi considerada um sinal de alerta para o governo.

Em nota técnica publicada no dia 27, a IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado havia estimado que a obrigação constitucional de gastar 1% da RCL (Receita Corrente Líquida) com as emendas parlamentares de bancadas estaduais ou coletivas teria um efeito fiscal de R$ 1,7 bilhão em despesas a mais em 2020 e R$ 7,3 bilhões em três anos, considerando apenas um reajuste pela inflação dessas despesas a partir de 2021. 

A mudança no texto que foi aprovado pelo Senado para 0,8% da RCL em 2020 e 1% em 2021 reduz um pouco esse custo para o ano que vem, mas não deve alterar muito o efeito acumulado da medida.

O problema é que as projeções anteriores da própria IFI apontavam que o governo descumpriria a regra do teto de gastos já em 2021 pela falta de margem de manobra para realizar mais cortes.

Na projeção, restariam apenas R$ 69,5 bilhões no Orçamento em 2021 após a realização das despesas obrigatórias, ou seja, bem menos do que os R$ 80 bilhões necessários para manter o funcionamento básico da máquina pública. 

O governo teria duas opções nesse caso: paralisar a máquina e lidar com as consequências drásticas de um shutdown ou descumprir a regra do teto de gastos, disparando os gatilhos automáticos previstos no texto constitucional. 

No segundo caso, fica proibido o aumento de despesas obrigatórias acima da inflação —o que implica não conceder nenhum aumento real do salário mínimo—, além do reajuste nos salários de servidores e novas contratações.

Para além do custo político-institucional envolvido, a IFI projeta que o acionamento desses gatilhos não seria suficiente para levar as despesas de volta ao teto.

Ou seja, a projeção é de descumprimento recorrente do teto de gastos a partir de 2021, tornando os gatilhos permanentes até uma eventual revisão da regra.

Segundo a IFI, a aprovação da PEC do Orçamento impositivo aumenta as chances de que essa bomba-relógio estoure já no ano que vem, em 2020.

Conforme apontou um estudo do ano passado da pesquisadora Vilma Pinto, do Ibre (FGV), nem a aprovação da reforma da Previdência, cujos maiores impactos só se fariam sentir em um prazo mais longo, nos afastaria desse cenário. 

Após um longo período de desgaste envolvendo a reforma da Previdência e outras agendas que lhe são caras, o governo pode deparar-se, portanto, com a necessidade de obter três quintos dos votos necessários para rever a PEC do teto de gastos no Congresso em meio a uma agitação no mercado e a uma perda de popularidade ainda maiores do que as do atual cenário.

A política de “laissez-faire” do governo, que agora consiste não apenas em contar com a sorte para a resolução dos problemas mas também em negar a própria existência deles —como revelam as recentes declarações do presidente sobre os dados de desemprego do IBGE—, manterá o país bem no fundo do poço que levou à sua eleição.

Resta saber se o colapso pode beneficiá-lo mais uma vez.

Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

Folha de S.Paulo