GENEBRA – Em 2005, um acalorado debate desembarcou no Parlamento francês. Uma lei pedia que o currículo das escolas públicas colocasse mais ênfase no "papel positivo" que a colonização francesa teve para as populações africanas e asiáticas. Diante do absurdo da proposta, coube ao então presidente Jacques Chirac agir e, num gesto pouco comum, convocou o Conselho Constitucional para barrar a lei. Chegou-se à conclusão: uma democracia não poderia rever seu passado com base em vontades políticas.

Dez anos depois, o que se ve é uma onda de líderes semi-democráticos em busca de rever o passado. Na Polônia, a extrema-direita de Jaroslaw Kaczyński passou a acusar Lech Walesa de ser um colaborador dos comunistas. Na Hungria, alunos da oitava série podem ler nos livros escolares que a onda de refugiados "pode ser problemática" ao forçar a "co-existência de diferentes culturas". Foi o mesmo governo de Viktor Orban que removeu de Budapeste a estátua de Imre Nagy, numa operação realizada no sigilo da noite.

Ao derrubar um dos principais nomes da revolução de 1956, ele ainda fez questão de reabilitar o regime de Horthy, um aliado de Hittler. Na Turquia, Recep Tayyip Erdoğan já modificou os livros de história do ensino médio para reduzir o papel de Ataturk, símbolo da república secular. Em seu lugar, mais espaço para glorificar o passado otomano. Na China comunista, Xi Jinping rejeita qualquer introdução de um debate real nas escolas sobre o massacre da praça de Tiananmen. Em Cuba, Fidel Castro logo entendeu a importância de doutrinar a nova geração.

Em 1961, todas as escolas passaram para as mãos do estado e, claro, com sua história oficial. Quando Hugo Chávez morreu na Venezuela, um repórter de um órgão oficial de imprensa me contou, constrangido, que havia recebido uma lista de termos que deveriam ser usado para falar do falecimento do líder bolivariano. A palavra "morte" estava proibida e, em seu lugar, poderiam ser usados termos como "passou para a eternidade" ou "multiplicou-se". O objetivo era o de criar, principalmente entre as crianças, a noção de um herói. Na Rússia, Vladimir Putin há anos vem derrubando estátuas e erguendo outras em homenagem a Stalin, num amplo projeto de falsificação da história.

Outra ofensiva tem sido a de rescrever o papel das tropas soviéticas no Leste Europeu. Rever a história faz parte, portanto, de uma estratégia política. Redefinir quem são os patriotas e os traidores faz parte de uma manipulação das mentes. Negar ao estudante a possibilidade de uma história crítica de sua sociedade é doutrina-lo. Não ensina-lo. Manipular os fatos históricos não apenas é desonestidade intelectual.

É projeto de poder.

Fonte: UOL