OPINIÃO

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A diplomação do presidente eleito Jair Bolsonaro se dará no mesmo dia em que se comemora o Dia internacional dos Direitos Humanos. Trata-se de momento oportuno para o presidente eleito afirmar compromissos que foram colocados em dúvida durante a campanha.

O dia 10 de dezembro foi estabelecido em 1950 pela ONU como o Dia Internacional de Direitos Humanos. Este foi o dia em que, em 1948, a Assembleia Geral aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um dos documentos basilares da Organização das Nações Unidas. Agora, em 2018, a Declaração Universal faz 70 anos.

Em 1º de janeiro, Bolsonaro tomará posse prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição Federal, o que significa, dentre outras coisas, garantir e efetivar os direitos humanos fundamentais.

Equivoca-se quem acredita que tais direitos se limitam à proteção (legítima) de direitos de pessoas presas. Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Abrangem direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais. Mencione-se, como exemplos, além das garantias processuais penais, o direito ao voto, o direito à educação, o direito à previdência social, o respeito às minorias e o direito à saúde.

É hora de o presidente eleito aderir claramente aos direitos humanos como marcos civilizacionais da comunidade internacional e como caminho incontornável para um país menos violento, menos discriminatório, mais justo, livre e solidário.

O Brasil sofrerá sérios retrocessos em caso de desprezo aos consensos internacionais e nacionais sobre o assunto. O presidente do Brasil, por tradição, é quem abre as reuniões da Assembleia Geral da ONU, mas até que nível de descompromisso a comunidade internacional aceitará o presidente eleito neste papel?

Afrontar os compromissos internacionais de direitos humanos significará romper com o protagonismo positivo internacional do país e poderá gerar graves consequências para os brasileiros e estrangeiros que vivem no Brasil, com boicotes e sanções internacionais. Poderá haver perda de mercado externo, que gerará o aprofundamento da crise econômica interna e o aumento das taxas de desemprego. Diversos países podem parar de comercializar com o Brasil por não respeitar direitos básicos ou por não seguir regras ambientais.

É hora de se comprometer com todos os tratados e instituições dos sistemas internacionais de direitos humanos de que o Brasil faz parte. Nesse cenário, sair do Conselho de Direitos Humanos ou do Comitê de Direitos Humanos da ONU, como aventou outrora Jair Bolsonaro, seria desastroso.

O Conselho de Direitos Humanos é parte da Assembleia Geral, órgão máximo da ONU, e sua composição é rotativa - discussões sobre melhorias do Conselho devem se dar perante a comunidade internacional, nos fóruns adequados e sempre buscando a prevalência dos direitos humanos e não por meio de ações unilaterais.

Já o Comitê de Direitos Humanos da ONU decorre do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Este Pacto apenas não foi assinado por países como Arábia Saudita e Myanmar, não foi ratificado (embora tenha sido assinado) por Cuba e China e é notório que a Coreia do Norte deseja denunciá-lo. O Brasil não pode seguir por este caminho.

Afinal, é a própria Constituição Federal que impõe que “a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais” pela “prevalência dos direitos humanos” (artigo 4º, II).

No âmbito nacional, é hora de assumir compromissos com os direitos humanos básicos à educação e à saúde, de reconhecer os direitos da juventude pobre, negra e periférica, dos indígenas e das mulheres. É hora de se comprometer com a defesa dos direitos das crianças, dos adolescentes e dos idosos e de se comprometer com um meio ambiente equilibrado e sustentável para todos.

Da mesma forma, os direitos de manifestação e a liberdade de expressão devem ser reforçados, inclusive de quem discorda do governo, pautando-se pela máxima de Voltaire: “Discordo do que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo”. Assim, é hora de o presidente eleito afirmar seu compromisso com a participação democrática e com a proteção dos defensores de direitos humanos, dos representantes das minorias e de todas as pessoas vulneráveis.

O programa de governo do presidente eleito propôs o “redirecionamento da política de direitos humanos, priorizando a defesa das vítimas da violência”. Algumas políticas, de fato, precisam de redirecionamento urgente, como o financiamento, acesso e qualidade da educação e da saúde, a diminuição dos índices de homicídios, de violências contra mulheres e contra minorias. Aliás, mulheres e minorias, jovens e negros são as principais vítimas da violência. É esta mesmo a essência dos direitos humanos: proteger as vítimas, lutar pelos mais fracos e contra a covardia dos que usam a sua força indevidamente. É hora de comprometer-se com os direitos humanos, adequando-se o discurso público e as atitudes do candidato a seus deveres constitucionais e internacionais.

Rafael Lessa Vieira de Sá Menezes é defensor público coordenador do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Davi Quintanilha Failde de Azevedo é defensor público coordenador do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Daniela Batalha Trettel é defensora pública coordenadora do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Revista Consultor Jurídico, 7 de dezembro de 2018