Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o assunto voltou à discussão, em vista das inúmeras situações de descumprimento do limite da lei, ou das exceções que foram criadas à sua aplicação.

Luiz Alberto dos Santos*

O teto remuneratório na Constituição Federal e sua regulamentação: finalmente a chance de sua implementação?

Um dos mais complexos problemas correlatos à questão remuneratória no serviço público diz respeito à fixação de limites à retribuição dos servidores públicos. Trata-se de questão que se tenta equacionar juridicamente desde a década de 1960, ainda que com pouco sucesso. A primeira tentativa de estabelecer limites para a remuneração dos servidores públicos foi a da Lei nº 4.863, de 29 de novembro de 1965, segundo a qual os dirigentes de autarquias e sociedades de economia mista não poderiam perceber mais do que os ministros de Estado, ao passo que servidores civis e militares da administração direta e autárquica não poderiam perceber mais do que 90% desse limite. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o assunto voltou à discussão, em vista das inúmeras situações de descumprimento do limite da lei, ou das exceções que foram criadas à sua aplicação.

Em 1982, o Decreto-Lei nº 1.971 fixou como limite para toda a Administração Federal a remuneração mensal do presidente da República, excluindo do cômputo do limite as vantagens de caráter indenizatório ou eventual, o adicional por tempo de serviço e as gratificações devidas a título de comissionamento. Em 1983, o Decreto-Lei nº 2.036 voltou ao tema, estabelecendo, ainda, restrições às entidades da Administração, especialmente empresas estatais, de modo a impedir a concessão de benesses e vantagens aos seus funcionários. Este Decreto-Lei, no entanto, não foi aprovado pelo Congresso Nacional, revigorando-se inteiramente o Decreto-Lei nº 1.971, que somente veio a perder a eficácia com a edição do Decreto-Lei nº 2.355, de 1979. Este, por sua vez, fixou como limite máximo de retribuição mensal a importância de 80 salários-mínimos de referência, abrangendo “a soma das importâncias recebidas a qualquer título”.

Durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, acentuou-se a discussão acerca da necessidade da fixação de tetos remuneratórios, em função dos inúmeros abusos verificados e da existência, fartamente explorada pelo então governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello, dos “marajás” no serviço público. O clamor popular exigia medidas drásticas que acabassem com os abusos, e foi nesse sentido que, pela primeira vez, veio a Constituição albergar a fixação de um teto remuneratório, tratando, inclusive, de afastar, em disposição transitória (art. 17 do ADCT) a hipótese de invocação de direito adquirido por parte dos que percebessem remunerações que extrapolassem o teto.

Estabeleceu a Carta de 1988, no art. 37, XI, que o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos seriam fixados por lei, necessariamente em cada uma das esferas de Governo. No entanto, preestabeleceu, na órbita federal, que a remuneração devida aos servidores não poderia exceder, no âmbito dos respectivos poderes, os valores percebidos como remuneração, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal. Já nas órbitas estaduais e distrital, o teto foi fixado com base na remuneração das autoridades superiores correspondentes e, nos municípios, pela remuneração que os Prefeitos percebessem em espécie.

Embora os tetos devessem ser sempre equivalentes, dificuldades políticas e legais têm inviabilizado este tratamento. Medidas adotadas pelo três Poderes periodicamente prejudicaram o equilíbrio entre os tetos, ou levaram à sua inaplicabilidade.

Tais tetos, condicionando a remuneração dos servidores de cargos comissionados, acabam interferindo na própria estrutura de remuneração dos cargos permanentes de cada Poder, e mesmo no nível dos Estados, já que a Constituição Federal estabelece uma proporção entre as retribuições dos parlamentares federais e estaduais, que são tetos de remuneração no poder legislativo respectivo. Além disso, foi sistematicamente desrespeitada a própria Lei Orgânica da Magistratura Nacional - Loman (Lei Complementar nº 35, de 1979), à medida que tribunais estaduais deferiam (e continuam deferindo) aos seus membros remunerações que, na prática, resultam superiores às dos Ministros do STF, o que é vedado pelo art. 63 da Loman.

Na esfera da União, diversas iniciativas legislativas se ocuparam da matéria. A primeira delas foi a norma contida no art. 14 da Lei nº 7.923, de 12 de dezembro de 1989, que alterou o Decreto-Lei nº 2.355, de 27 de agosto de 1987, para estabelecer que nenhum servidor civil ou militar do Poder Executivo da União e dos Territórios poderia perceber retribuição mensal superior ao valor percebido, como remuneração, a qualquer título, por Ministro de Estado. Um ano depois, o art. 42 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, repetiu o texto da Constituição, com tetos distintos por Poder.

Posteriormente, ocuparam-se do tema as Leis nº 8.237, de 30 de setembro de 1991, 8.448, de 21 de julho de 1992 e 8.852, de 10 de fevereiro de 1994, definindo, respectivamente:

• aplicação dos limites aos servidores militares;

• fixação da equivalência entre os tetos aplicáveis aos três Poderes, vencimento básico mínimo não inferior ao salário mínimo, vencimento básico máximo equivalente a vinte vezes o menor, e limite de vantagens permanentes, equivalente ao dobro do vencimento máximo; e

• aplicação do limite constitucional aos servidores das empresas estatais, a fixação de um teto de vencimentos e vantagens permanentes de 90% do limite de remuneração [1], e a exclusão, para o cálculo do teto, das parcelas relativas a vantagens pessoais e de natureza indenizatória (adicional de periculosidade, de insalubridade, noturno, etc.).

A Lei nº 8.852, de 1994, de aplicação geral, destinada a regulamentar os incisos XI e XII do art. 37, em seu artigo 1º, inciso III, definiu como remuneração “a soma dos vencimentos com os adicionais de caráter individual e demais vantagens, nestas compreendidas a natureza ou o local de trabalho, excetuando, contudo, vantagens como a gratificação de compensação orgânica, devida aos servidores militares para compensar desgastes orgânicos decorrentes de atividades exercidas em aeronaves, submarinos, trabalho com substâncias radioativas, controle do tráfego aéreo e outras [2], o adicional de insalubridade ou periculosidade e outras parcelas de caráter indenizatório definidas em lei”. Em face da Medida Provisória nº 1.480-25, desde dezembro de 1996, também a vantagem individual decorrente de enquadramento e a parcela de décimos incorporados pelo exercício de cargo em comissão ou função de confiança não são consideradas no cômputo do teto.

A essas normas se associam às decisões do Poder Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal, que permitiram ou legitimaram o alargamento do rol de vantagens não submetidas ao teto remuneratório, como no caso da linha jurisprudencial adotada no julgamento da ADI nº 14 (Rel. Min. Célio Borja), onde ficou assentada a tese de que as vantagens de caráter individual não seriam computadas para efeito do teto. Não obstante, a definição do que é “vantagem de caráter pessoal e individual” não foi explicitada de forma suficientemente precisa. Segundo o STF, as retribuições pecuniárias devidas em razão de circunstâncias de ordem pessoal ou de caráter funcional (natureza ou local de trabalho) não se incluem no cômputo geral da remuneração para efeito de incidência do teto constitucional (RE nº 171.647- Ceará - Rel. Min. Celso de Mello). Constitui vantagem pessoal, para esse efeito, “a retribuição percebida pelo titular de um cargo, não em razão do exercício dele, mas, sim, em virtude do exercício anterior de cargo diverso” (RE nº 141.788-9 - Ceará - Rel. Min. Sepúlveda Pertence). Em sentido diverso, no entanto, decidiu o STF pela suspensão de dispositivos de constituições estaduais, de que é exemplo a ADI nº 1.331-9 - Piauí, que expressamente excepcionalizavam outras parcelas, em relação às quais o STF não reconheceu a natureza de vantagem pessoal, como é o caso das gratificações pelo exercício de cargos em comissão, gratificações de controle interno e auditoria, adicionais de produtividade e outras vantagens assemelhadas: “não é vantagem de caráter individual (...) aquela correspondente ao exercício do cargo ou função, independentemente de quem seja o seu titular ou do que anteriormente ele tenha sido” [3].

Acerca dessa linha jurisprudencial, é de se ressaltar a manifestação do Min. Marco Aurélio em seu voto no RE nº 141.788, no sentido de que “excluídas as vantagens pessoais, abre-se a porta à fraude; abre-se a porta ao drible do teto de que cogita o inciso XI do art. 37 [4]”. Segundo o Ministro, cai por terra, com o entendimento adotado pelo STF, a regra do inciso XI do art. 37, cuja razão de ser é “justamente o saneamento, a observância de uma hierarquia remuneratória”, subvertida, no caso, pela excepcionalização de determinadas parcelas. Esta brecha tem sido largamente utilizada, por meio da criação de vantagens que possam ser classificadas, ainda que apenas aparentemente, como vantagens pessoais, situação que tem gerado verdadeiros descalabros administrativos, frequentemente denunciados pelos meios de comunicação.

Em decorrência desse quadro e da desmoralização das medidas orientadas a evitar os excessos remuneratórios, a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, introduziu duas novas regras relativas ao teto. A primeira foi a nova redação dada ao art. 37, XI da CF, estabelecendo o subsídio dos Ministros do STF como teto a ser observado na esfera Federal, para os membros de Poder e servidores, empregados públicos e demais agentes públicos dos três Poderes, nele incluindo as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, inclusive quando percebidas cumulativamente. A noção de um teto absoluto e unificado, válido para todos os agentes públicos, e tomando como base a remuneração do mais alto cargo vitalício, teria como fundamento o respeito ao princípio da carreira no serviço público, dado que a remuneração de agentes políticos, como ministros, parlamentares e o próprio Presidente não refletiria o vínculo de caráter permanente que é necessário para tal delimitação.

A segunda regra foi a limitação da aplicação do teto, no caso de empresas estatais, apenas às que recebam recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral. Segundo essa norma, as estatais “não dependentes”, como Petrobrás, Eletrobrás, Banco do Brasil, BNDES e outras, na esfera Federal, não estariam sujeitas ao limite de remuneração.

Como, a partir da redação dada pela EC 20/98 ao art. 48, XV da CF, a aplicação do teto dependia, inicialmente, da aprovação de uma lei de iniciativa conjunta dos três Poderes, e essa lei jamais foi proposta ao Congresso, o STF acabou por entender que, até que vigorasse essa lei, a nova redação dada ao art. 37, XI, não teria eficácia. Mais adiante, em 2003, a EC 41, dando nova redação ao art. 37, XI, afastou essa exigência, e, para assegurar eficácia imediata ao teto, previu que, até que fosse fixado o valor do subsídio dos Ministros do STF, seria considerado, para os fins do limite, o valor da maior remuneração atribuída por lei na data de sua publicação a Ministro do Supremo Tribunal Federal, a título de vencimento, de representação mensal e da parcela recebida em razão de tempo de serviço.

Para os Municípios, porém, foi fixado como teto, na forma da EC 41/2003, o subsídio do Prefeito e, nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a 90,25% do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos, mas não aos próprios magistrados, que se submetem, apenas, segundo decisão do STF, ao teto da magistratura federal.

A EC 47/2005 trouxe novas medidas, ao prever que não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei, e facultou, ainda, aos Estados e ao Distrito Federal fixar, em seu âmbito, mediante emenda às respectivas Constituições e Lei Orgânica, como limite único, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça, limitado a 90,25% do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

A fixação do subsídio dos Ministros do STF só veio a ocorrer, definitivamente, com a sanção da Lei nº 11.143, de 26 de julho de 2005, fixando o seu valor, naquela data, em R$ 21.500, e em R$ 24.500 a partir de 1º de janeiro de 2006. Atualmente, esse valor corresponde a R$ 33.763, mas não tem sido corrigido regulamente. O valor atual reflete uma defasagem expressiva, com a perda do valor real do “teto”: caso o valor fixado em janeiro de 2006 houvesse sido reajustado anualmente pela variação do IPCA, o teto seria, desde janeiro de 2018, de R$ 47.646,69.

A inexistência dessa correção anual, em descumprimento da previsão de revisão geral anual para recuperação da perda do poder aquisitivo, constante no art. 37, X da Constituição Federal, e a inexistência de uma legislação expressa para a regulamentação do teto remuneratório, apesar de normas internas no âmbito de cada Poder, têm levado à busca de novas soluções heterodoxas.

Exemplo dessas medidas é a criação de parcelas “extrateto” de caráter indenizatório, ou que sequer sejam consideradas como parcela de remuneração, como é o caso dos “honorários advocatícios de sucumbência” da Advocacia Pública [5] e do “Auxílio-moradia” [6], devido em caráter geral aos magistrados, independentemente da comprovação de que não dispõem de imóvel próprio, e em muitos casos até mesmo pago em duplicidade a cônjuges que ocupam cargos na magistratura. O caráter “indenizatório” é interpretado de forma ampla, disfarçando, notadamente em entes subnacionais, a necessidade de contornar tetos rebaixados e que não permitem a fixação de remunerações adequadas em certas carreiras, como no caso da Administração Tributária.

Na ausência de regulamentação do teto remuneratório ou de sua aplicação, o próprio STF tem “elastecido” a interpretação da Constituição: em abril de 2017, ao julgar os RE 602043 e 612975, o STF adotou a interpretação de que a aplicação do teto deve se dar separadamente quando o agente público acumular dois cargos públicos autorizados constitucionalmente.

Assim, professores, profissionais de saúde e magistrados e membros do Ministério Público, quando acumularem cargos permitidos pela Constituição, poderão somar os respectivos valores, aplicando-se o “teto” a cada cargo isoladamente. No julgamento, prevaleceu a tese de que o princípio da “irredutibilidade de salários”, impede a redução remuneratória, por se tratar de cargos distintos, sujeitos a jornadas de trabalho distintas, e amparadas constitucionalmente. Segundo o voto do Relator, Ministro Marco Aurélio, a aplicação do “teto” não poderia levar à constitucional conclusão de que o exercício cumulativo de cargos permitiria a gratuidade, ainda que parcial, dos serviços prestados. A tese adotada pelo STF segue o mesmo entendimento adotado em 2015 pelo TCU (AC-1994-32/15-P).

Com o agravamento da crise fiscal, visando à redução da despesa pública, em 2015 o Poder Executivo submeteu ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 3.123, dando amplo tratamento legal ao tema. Baseado em elaborações do Ministério do Planejamento e da Casa Civil formuladas e discutidas entre 2003 e 2010, a proposta disciplina a aplicação do teto aos cargos públicos federais, estaduais e Municipais, aos ativos, inativos e pensionistas, e as parcelas sujeitas ao teto e dele excepcionadas, em função de seu caráter indenizatório, eventual ou constitucional. Dispõe, ainda, sobre a forma de aplicação do teto, em caso de acumulações de cargos ou de remunerações e proventos, e a criação de um sistema integrado de dados relativos às remunerações, proventos e pensões pagos aos respectivos servidores e militares, ativos e inativos, e pensionistas, para fins de controle do limite remuneratório constitucional.

Devido ao debate sobre o assunto, em 2016 foi criada no âmbito do Senado Federal uma comissão temporária destinada a analisar a efetividade do limite remuneratório imposto pelo teto constitucional aos agentes públicos e vedar a vinculação remuneratória automática entre subsídios. A Comissão Especial do Extrateto, como ficou conhecida, apresentou o Projeto de Lei nº 449, tendo sido aprovado no Senado. A proposta, enviada à Câmara, foi apensada ao PL nº 3.123, de 2016, passando ambas a tramitar na forma do PL nº 6.726, de 2016, e para o seu exame foi constituída comissão especial, que dedicou-se ao exame da matéria a partir de setembro de 2017. Nessa comissão, após a realização de amplos debates e audiências públicas, foi apresentado em 11 de junho de 2018 o parecer do Relator, Dep. Rubens Bueno, concluindo pela rejeição do Projeto de Lei oriundo do Senado, e pela aprovação do PL enviado pelo Executivo, mas na forma de um novo texto substitutivo.

Embora até novembro de 2018, a proposição não tenha tido a sua apreciação concluída pela Comissão Especial, o Substitutivo constitui-se na proposição mais realista e adequada já examinada pelo Congresso Nacional. Com efeito, a solução adotada busca o caminho mais curto e objetivo para a regulamentação do teto: a definição precisa de que parcelas podem ser, efetivamente, excluídas da sua aplicação, e quais devem ser consideradas para fins do teto, em âmbito nacional.

A proposição elenca no seu art. 2º as parcelas extrateto, de caráter indenizatório ou eventual, como: auxílio-funeral, horas extras, adicional noturno ou de insalubridade, adicional de férias, ajudas de custo para mudança ou transporte, auxílio-creche (limitadas a 3% do teto de remuneração), diárias, indenização de transporte, auxílio-fardamento, gratificação por encargo de curso ou concurso, férias indenizadas e abono de permanência [7]. O Substitutivo prevê, ainda, o desenvolvimento de sistema integrado de dados, vinculados ao registro de cada beneficiário no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda, relativo às remunerações, proventos e pensões pagos a agentes políticos, a servidores públicos, ativos ou inativos, a militares ativos ou na reserva remunerada e a pensionistas, além de outros pagamentos submetidos aos limites remuneratórios previstos no inciso XI e nos §§ 9º e 12 do art. 37 da Constituição Federal, para fins de controle de sua aplicação, que será disponibilizado aos órgãos e às entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cujos agentes, servidores ou empregados se submetam àquele limite.

O projeto tipifica, ainda, como crime “excluir ou autorizar a exclusão da incidência dos limites remuneratórios previstos no inciso XI e nos §§ 9º e 12 do 101 art. 37 da Constituição Federal de pagamento feito aos agentes referidos no § 1º do art. 1º, de forma que não atenda o disposto nesta Lei, punível com pena de detenção, de dois a seis anos”. O cumprimento da Lei será objeto de auditorias anuais pelos órgãos responsáveis pelo controle interno e externo no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, devendo integrar o rol de documentos que compõem a prestação de contas anual.

Trata-se, assim, de proposição que, se aprovada, cumprirá em sua plenitude a necessidade de um ordenamento legal que coíba os excessos e abusos, sem, contudo, incorrer ela mesma em ofensa a direitos, injustiças ou inconstitucionalidades, vedando o percebimento de vantagens que a própria Constituição reconhece como devidos.

A sua aplicação, todavia, deverá se dar de forma harmônica com a interpretação externada pelo STF, nos casos de acumulação lícita de cargos públicos, de forma tanto a evitar a burla ao regime do teto constitucional, quanto o enriquecimento sem causa da Administração, nos casos em que o servidor atue, licitamente, em horários compatíveis, em cargos acumuláveis, ou que tenha adquirido direito a proventos oriundos desses cargos.

Outro aspecto relevante é a deliberação, pelo Congresso Nacional, a respeito do valor a ser observado como teto, dada a defasagem antes apontada. Tramitaram no Legislativo proposições para promover a atualização do teto, mas divergências entre os Poderes e a existência de situações de excesso, como o pagamento indiscriminado de auxílio-moradia à magistratura, bem como a repercussão desse novo valor sobre os subsídios da magistratura estadual e do Ministério Público, vinculados pela Constituição à magistratura federal, impediram a deliberação pelo Senado Federal sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 27, de 2016, aprovado pela Câmara dos Deputados em 2016, e que prevê a atualização do subsídio dos Ministros do STF para R$ 39.293,32. Essa questão, contudo, foi superada mediante entendimento entre o Presidente do STF, o Poder Executivo e o Senado Federal, no sentido de que, uma vez aprovada aquela atualização, o STF pautaria a Ação Originária 1.773, com o compromisso implícito de que seria declarada a ilegalidade do auxílio-moradia pago aos magistrados e membros do Ministério Público, o que reduziria os impactos financeiros do novo valor do “teto”, a vigorar imediatamente.

Por outro lado, a atual discriminação constitucional entre remunerações de agentes públicos sujeitos e não sujeitos ao teto mostra-se irrazoável e até mesmo odiosa, na medida em que desconhece a própria hierarquia do serviço público e permite que empregados de empresas estatais percebam valores exorbitantes, inclusive quando cedidos à Administração direta, autárquica e fundacional, enquanto cargos de grande relevância na Administração direta, autárquica e fundacional estão sujeitos ao teto remuneratório.

Essa, porém, é matéria que demanda alteração constitucional, e para a qual já tramitam, igualmente, proposições legislativas, como é o caso da PEC nº 58/2016, no Senado Federal, mas cujo exame transcende o escopo desta análise.

A disciplina do teto, evidentemente, não é elemento suficiente para dar resposta à necessidade de uma política remuneratória que cumpra princípios elementares como os previstos no § 1º do art. 39 da Carta Magna, ou seja, que os servidores percebam remunerações adequadas à complexidade, natureza, responsabilidade e peculiaridades dos respectivos cargos. Tampouco impedirá que, na inexistência de princípios que assegurem a razoabilidade das remunerações, haja leis que fixem remunerações elevadas ou desproporcionais, revelando um tipo de patrimonialismo que, além de imoral, é fiscalmente irresponsável. Mas ela é fundamental para impedir ou pelo menos limitar o arraigado costume de se inventarem artifícios para que as remunerações de cargos ou carreiras, ou mesmo de indivíduos, seja elevada de forma abusiva, gerando privilégios injustificáveis no serviço público que reduzem a credibilidade dos Governos e dos próprios servidores diante da sociedade.

Dessa forma, não se mostra necessário o envio ao Congresso de novas proposições legislativas, vez que elas já existem, e estão em avançado processo de discussão.

Cumpre, assim, que o seu processo legislativo se conclua, e que os entes públicos responsáveis pela sua implementação a cumpram, para que se supere a situação há tantos anos diagnosticada e apontada: tetos que não se aplicam, que não se implementam, ou que são sistematicamente burlados, em decorrência quer de interesses corporativos, quer de titulares de cargos que têm o poder de influenciar, em seu próprio benefício, para tornar letra morta o texto constitucional.

(*) Advogado (UFRGS), mestre em Administração e doutor em Ciências Sociais (UnB). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Enap). Consultor legislativo do Senado Federal e professor colaborador da FGV/Ebape e Enap.

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NOTAS

[1] Desde fevereiro de 1995, este limite foi rebaixado para 80% da remuneração dos Ministros de Estado, vigorando, formalmente, na forma do art.14 da Lei nº 9.624, de 2 de abril de 1998. Contudo, a Medida Provisória 1.535, de dezembro de 1996, que tratou da inclusão dos servidores do Banco Central no regime jurídico único, fixou remunerações acima desse limite, ignorando também os demais critérios fixados pelas leis regulamentadoras dos art. 37 e 39 da CF. Desde então, inúmeras outras leis ignoraram aquele limite.

[2] Gratificação de idêntica denominação é devida aos policiais federais, em vista de legislação específica.

[3] ADI 1331-9 - PI, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ nº 148, 3 ago 1995, p. 22.274.

[4] Processo RE 141.788-9, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Voto do Min. Marco Aurélio, p. 691.

[5] Cf. art. 85 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (“Novo Código de Processo Civil”) e o Capítulo XV (“Das Carreiras Jurídicas” – arts. 27 a 40) da Lei nº 13.327, de 29 de julho de 2016.

[6] Cf. art. 65 da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979 (“Lei Orgânica da Magistratura Nacional”) e a Resolução CNJ nº 199, de 2014.

[7] No caso de auxílio-moradia, é considerado extrateto o concedido em razão de mudança do local de residência, permanente ou transitória, por força de ato de ofício, limitado ao período de doze meses, contado a partir da instalação do agente na nova sede, ou para custeio de residência em localidade distinta do domicílio eleitoral, em virtude do exercício de mandato eletivo. Essa condição dependerá também da inexistência de imóvel funcional disponível para uso pelo agente; de o cônjuge ou o companheiro, ou qualquer outra pessoa que resida com o agente, não ocupar imóvel funcional nem receber o mesmo auxílio; de o agente se encontrar no exercício de suas atribuições em localidade diversa de seu domicílio legal; ou de o agente não ter sido domiciliado residido na localidade, nos últimos doze meses, onde for exercer o cargo, função ou emprego.

Fonte: Diap