Fundo eleitoral, poder dos cargos e novas mídias definiram campanha no 1º turno

As eleições de 2018 apresentam características muito particulares que exigirão um mergulho profundo nos dados ao longo das próximas semanas para extrairmos conclusões mais sólidas sobre o que realmente aconteceu. Escrevendo ao calor dos resultados, arrisco algumas considerações a partir dos dados disponíveis.

Certamente a grande mudança estrutural nesta campanha foi a proibição das doações de empresas, que afetou o caixa dos partidos e candidatos e, obviamente, a dinâmica de gastos eleitorais. Embora os números ainda sejam preliminares, a campanha atual movimentou a metade do dinheiro do pleito de 2014. 

Somados aos R$ 2,5 bilhões dos fundos eleitoral e partidário, candidatos e partidos também conseguiram mobilizar quase 600 milhões vindos de pessoas físicas. Desses, praticamente a metade (R$ 290 milhões) veio do bolso dos próprios candidatos.

Além da menor disponibilidade de recursos dos candidatos, o pleito atual também foi marcado por uma campanha mais curta e, é claro, houve a proeminência das redes sociais.

Para verificar como esses elementos influenciaram o resultado das urnas, é necessário diferenciar entre as campanhas majoritárias (presidente, governadores e senadores) daquelas proporcionais (deputados estaduais e federais).

Muito já se falou e muito ainda vai se falar do fenômeno Bolsonaro, que conseguiu uma votação expressiva com pouquíssimo dinheiro, vindo de partido pequeno e explorando as redes sociais. Não se trata de fenômeno isolado, como é o caso dos surpreendentes desempenhos de Romeu Zema (Novo) e de Wilson Witzel (PSC) na disputa para os governos estaduais de Minas Gerais e Rio de Janeiro.

No entanto, diante de um quadro em que se reduziu a duração da campanha e o dinheiro dos fundos eleitoral e partidário foi desigualmente distribuído, a força do cargo ou do sobrenome continuaram determinantes.

Isso fica bastante visível no fato de que nove governadores --além de políticos tradicionais como Renato Casagrande (ES), Ronaldo Caiado (GO), Helder Barbalho (PA) e Fátima Bezerra (RN) -- lideraram o primeiro turno, embalados pela máquina pública, pelo dinheiro recebido dos partidos e pelo peso político regional.

No âmbito das eleições proporcionais, os partidos em geral destinaram a maior parte dos recursos para tentar formar grandes bancadas na Câmara dos Deputados. Afinal de contas, a partir do total de votos recebidos por seus candidatos a deputado federal é que serão calculadas as fatias do bolo dos fundos partidário e de campanhas, além do horário eleitoral gratuito nos próximos anos. Isso, sem falar na cláusula de desempenho que ameaça os partidos menores a ficarem fora da distribuição dessas benesses.

Analisando a repartição dos recursos entre os candidatos, é nítida a preferência que foi dada aos deputados que buscavam a reeleição. Essa opção reflete a lógica eleitoral -- candidatos incumbentes tendem a ter maior recall perante o eleitorado. Mas é claro que houve também uma estratégia de sobrevivência de muitos desses parlamentares que estavam envolvidos nas investigações da Lava Jato.

Outra tendência relevante foi a tática de vários partidos de contemplar com generosidade herdeiros de políticos tradicionais, principalmente suas mulheres e filhas, que se aproveitaram da determinação legal de se destinar pelo menos 30% dos recursos para o gênero feminino.

Num sistema em que as eleições acontecem em territórios muito grandes e partidos pouco ideológicos levam as disputas para o campo personalista, é de se esperar que aqueles que têm acesso a mais recursos levem vantagem. Isso, porém, não é necessariamente uma regra incontornável.

Embora os resultados parciais indiquem que o dinheiro continuou determinante para parte expressiva dos eleitos, o fracasso de alguns candidatos que receberam muito investimento de seus partidos (como os herdeiros de Cunha, Garotinho e Cabral no RJ, por exemplo) indicam que existem outras dinâmicas em curso. Além da força das redes sociais, é preciso verificar o desempenho de candidatos com audiências cativas -- como é caso de líderes religiosos, radialistas e apresentadores de TV e celebridades em geral --, além da onda de direita que parece estar varrendo o país.

Fonte: Folha de S. Paulo, 9 de outubro de 2018.