Integrante de comissão da OIT, brasileira diz que parte dos trabalhadores não são "treináveis" para as profissões do futuro

                            

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Shutterstock - Robôs ficam com funções repetitivas, mas haverá novas oportunidades nas fábricas
Robôs ficam com funções repetitivas, mas haverá novas oportunidades nas fábricas
                    

Integrante de uma comissão criada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) para discutir o futuro do trabalho, a brasileira Cláudia Costin considera que o principal desafio de países como o Brasil é que boa parte dos trabalhadores que perderão seus empregos não serão aproveitados nas novas vagas. "Não são treináveis para outra ocupação porque não têm, na formação básica escolar, a competência para aprender a aprender".

                  

E isso, segundo ela, deveria "tirar noites de sono" dos governantes. Segundo Cláudia, que é diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a velocidade com que os postos de trabalho serão extintos é muito maior do que ocorreu nas revoluções industriais anteriores. E é preciso correr contra o tempo para adaptar o sistema escolar a esse novo mundo. "Teremos de estar continuamente nos capacitando e recapacitando", alega. 

De acordo com a pesquisadora, que foi ministra da Administração e Reforma do Estado no governo Fernando Henrique Cardoso, a comissão da OIT trabalha em parceria com os ministérios do Trabalho de vários países e também busca se aproximar dos ministérios de Desenvolvimento Social. "Precisamos discutir o que será feito das pessoas que não estarão aptas a trabalhar no futuro." 

Cláudia ressalta que as grandes mudanças vão acontecer em pouco tempo. Cita, por exemplo, que táxis autônomos já estão sendo usados em caráter experimental nos países industrializados. "Daqui a 7, 10 anos, teremos um número grande de motoristas desempregados. Em pouco tempo, os softwares de narrativas vão chegar ao Brasil tomando o lugar de jornalistas nas redações", exemplifica. 

A escola precisa urgentemente, segundo a diretora, passar a desenvolver nos jovens competências que não serão substituídas pelas máquinas, como o trabalho colaborativo e a criatividade. "São competências que a máquina terá dificuldade de adquirir, mesmo com a inteligência artificial", afirma. 

Apesar de lidar todos os dias com as preocupações trazidas pela robotização, Cláudia diz ter uma visão otimista do futuro. "A humanidade já superou dificuldades tremendas. Eu acho que, com organização e consciência do problema, teremos políticas públicas para enfrentar as dificuldades." 

                  

MAIS EFICIÊNCIA 

Outro otimista é o professor de administração da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) da Universidade de São Paulo (USP), César Alexandre de Souza. "Num primeiro momento, as novas tecnologias podem ter impacto negativo, mas sempre trazem mais eficiência e oportunidades", alega. Apesar da polêmica que gerou ao chegar ao Brasil, o Uber é um exemplo disso, segundo Souza. "O aplicativo abriu oportunidades de trabalho e também tornou-se uma alternativa para os mais pobres como meio de transporte." 

Plataformas do tipo, de acordo com o professor, vão oferecer muitas oportunidades de trabalho no futuro. "Estão aí para colocar em contato pessoas que precisam de um determinado serviço com pessoas que querem prestar esse serviço", ressalta. Souza cita também como positivo o surgimento da colaboração em massa - grupos que se organizam pela internet para desenvolver projetos em comum. "É interessante porque mais pessoas podem participar e criar novos mercados", acredita. 

Apesar de a substituição de humanos pelos robôs ser inevitável nas funções repetitivas, o professor considera que ainda continuará havendo muitas oportunidades de empregos dentro das empresas. "Sempre haverá emprego para quem vai desenvolver uma função criativa, inovadora, para quem oferece uma forma diferente de pensar os processos. O desafio é oferecer ao jovem uma formação que vá ao encontro disso." 

                 

EXEMPLO DO JAPÃO 

A professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV, Carmen Migueles, gosta de olhar para a realidade do Japão e da Alemanha ao discutir o trabalho do futuro. "São países muito avançados na robótica e que estão enfrentando escassez de mão de obra". Isso porque, na visão dela, a robotização aumenta "enormemente" a produtividade, que, por sua vez, eleva a demanda por novos trabalhos. "Hoje, no Japão, para cada 148 vagas geradas na indústria ou no comércio, você tem 100 pessoas para preenchê-las", conta. 

De acordo com Carmen, enquanto estão sendo extintas vagas de trabalho repetitivo , estão surgindo outras ligadas à melhoria da qualidade e de inovação na indústria. "Tudo aquilo que demanda sensibilidade humana vem crescendo", alega. Por isso, na visão da professora, não há porque temer o futuro. 

O aumento da expectativa de vida tem gerado outros empregos, segundo a professora. "No Japão, cada vez mais pessoas precisam e querem trabalhar até 70, 75 anos. Só que essas pessoas têm pai e mãe em casa com 95 anos." Por causa disso, as creches para a terceira idade estão cada dias mais comuns por lá. "Nessas creches, há trabalho para muito gente." Ela acredita que o mesmo vai acontecer no Brasil daqui a alguns anos. 

Na visão da professora, além dos impactos da tecnologia, o mundo vai ter de lidar com outras mudanças no mercado de trabalho. Os empregos formais como existem hoje, que permitem as pessoas trabalharem numa só empresa por muito tempo, estão com os dias contatos. O futuro será menos regulamentado e as pessoas tendem a realizar diversas atividades para diversas empresas ao mesmo tempo. "O futuro pede flexibilização. E nós no Brasil temos muitos barreiras legais, fiscais e institucionais a vencer", afirma. 

Para Carmen, a reforma do trabalho foi apenas um "ban-daid numa fratura exposta", que seria a legislação trabalhistas brasileira. Ela pede mais flexibilização para favorecer o empreendedorismo. 

             

MAIS DESIGUALDADES 

Para o professor de economia da UFPR (Universidade Federal do Paraná), José Guilherme Vieira, a robotização pode trazer mais desigualdades. Ele se diz "imensamente preocupado" com essa possibilidade. "Sem haver um investimento em qualificação nos países mais pobres, a tendência é que a parte mais sofisticada do trabalho seja feita nas nações desenvolvidas. E para as pobres fiquem as tarefas que exigem mão de obra mais simples e pagam pouco", alega. 

O professor entende como natural o fato de os sindicatos se preocuparem com a precarização do trabalho. "Haverá novos contratos. Talvez, a empresa não vá precisar de um funcionário por tempo integral, mas apenas por algumas horas. As pessoas terão muitos empregos, muitas atividades ao longa da vida", diz ele. Viera afirma que um trabalhador de 40 anos tende a achar ruim a necessidade de se "reinventar constantemente" no novo cenário. "Por outro lado, o jovem com perfil empreendedor vai adorar. A carreira tradicional longa e estável na mesma empresa está completamente condenada", declara.

                            

Fonte: Folha de Londrina, 02 de maio de 2018