Poucas situações revelam de forma tão nítida a desconexão entre os sistemas previdenciário e trabalhista no Brasil quanto o chamado limbo previdenciário-trabalhista. Ele ocorre quando o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) concede alta a um trabalhador ainda em recuperação de doença ou acidente, mas o médico da empresa o considera inapto para retomar suas funções. Nesse cenário, o empregado fica em um verdadeiro vácuo jurídico: sem benefício previdenciário, sem salário e sem possibilidade de retornar às suas atividades.

A Turma Nacional de Uniformização (TNU), no julgamento do Tema 300, trouxe uma contribuição relevante ao reconhecer que, enquanto o contrato de trabalho estiver ativo, o trabalhador mantém a qualidade de segurado, e o período de graça só começa a contar a partir da rescisão contratual. Essa decisão assegura a continuidade da cobertura previdenciária, ainda que o INSS tenha cessado o benefício. Não se trata de reativar o auxílio, mas de preservar uma rede mínima de proteção.

No campo trabalhista, a Justiça tem sido firme em responsabilizar a empresa quando cria obstáculos ao retorno do empregado. A Súmula 31 do TRT da 5ª Região é expressa ao afirmar que, após a cessação do benefício, se o empregador impedir o regresso, os salários continuam devidos. O Tribunal Superior do Trabalho segue a mesma linha, reconhecendo que, se o contrato volta a produzir efeitos e é a empresa quem barra o retorno, ela assume os riscos do negócio. Há, no entanto, um alerta essencial: o trabalhador deve se apresentar após a alta do INSS, sob pena de caracterização de abandono de emprego e aplicação de justa causa.

Agora, é o Supremo Tribunal Federal que terá a palavra final, no julgamento do Tema 1.421. A corte deverá definir quem deve arcar com o ônus financeiro durante o limbo: se a Previdência, mantendo o benefício, ou se a empresa, que não aceita o retorno do empregado. Mais do que uma questão técnica, trata-se de uma decisão que afetará diretamente milhares de trabalhadores em situação de vulnerabilidade, além do planejamento financeiro das empresas.

Falta de diálogo institucional

Esse julgamento tem potencial de harmonizar as visões previdenciária e trabalhista, estabelecendo uma diretriz única e vinculante. A relevância é evidente: a ausência de clareza gera litígios intermináveis, custos para empregadores e, sobretudo, desamparo para empregados.

O limbo previdenciário-trabalhista é um dos maiores sintomas da falta de diálogo institucional no país. A TNU já deu um passo importante, a Justiça do Trabalho fixou responsabilidades claras, e agora cabe ao STF realizar a síntese necessária. Mais do que um debate jurídico, trata-se de garantir respeito à dignidade humana. O trabalhador não pode ser abandonado justamente no momento em que mais precisa de proteção.

Enquanto o país não enfrentar o problema de forma definitiva, permaneceremos diante de uma terra de ninguém, em que cada parte transfere a responsabilidade, e o elo mais frágil da relação — o trabalhador — é quem paga a conta. Superar esse impasse exige diálogo, coerência normativa e sensibilidade social.

é sócio do Badaró Almeida & Advogados Associados, advogado, graduado na Universidade Católica do Salvador, mestrando em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e especialista nas áreas de Direito Empresarial, Administrativo e Previdenciário.

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2025-set-20/limbo-previdenciario-trabalhista-traz-urgencia-para-uma-resposta-definitiva/