PRÁTICA TRABALHISTA

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No último dia 20/3/2023, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) modificou o seu tradicional posicionamento de mais de dez anos, até então sedimentado na Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 394, da Subseção I da Seção Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1), no seguinte sentido: "A majoração do valor do repouso semanal remunerado, em razão da integração das horas extras habitualmente prestadas, não repercute no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS, sob pena de caracterização de bis in idem" (g.n.).

Contudo, a partir de agora, passou-se a entender que importantes verbas contratuais trabalhistas devidas aos trabalhadores — 13º salário, férias, FGTS e aviso prévio — serão pagas pelas empresas de todo o país com acréscimos salariais decorrentes dos descansos semanais remunerados majorados pelas integrações das horas extras habitualmente laboradas [1].

Por certo, diante deste novo e atual critério de cálculo adotado pelo TST que, a um só tempo, aumenta os salários pagos aos empregados e onera a folha de pagamento das companhias, surgem naturalmente diversos questionamentos sobre o assunto, tanto que a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da Revista Consultor Jurídico (ConJur) [2], razão pela qual agradecemos o contato.

Com efeito, a tese do bis in idem e a forma de cálculo sempre foram pontos controvertidos na doutrina, sendo oportunos aqui os ensinamentos do professor Homero Batista [3]:

"A própria expressão duplicidade de reflexos já esconde uma incompreensão sobre o tema.(...) A única parcela a levantar maior suspeita é justamente o descanso semanal, possivelmente pela má assimilação do tema.Conforme acima assinalado, tanto o descanso embutido no bojo do salário mensal como o salário destacado em rubrica distinta ao lado do pagamento de comissões ou de serviços suplementares têm a mesma natureza salarial e produzem os mesmos reflexos sobre as outras parcelas do contrato de trabalho. Na realidade, quem define a ocorrência ou não dos reflexos não é a parcela refletora, mas a parcela sobre a qual se reflete, a depender da norma que a criou. A participação nos lucros e resultados, por exemplo, foi desvinculada da remuneração, no dizer do art. 7º, XI, da CF/1988, de tal sorte que nem descansos semanais remunerados nem as horas suplementares produzem qualquer significado sobre seu cálculo e vice-versa. (...)Já o 13º salário, via Lei 4.090/1962, e as férias, via artigo 142 da CLT, por exemplo, foram concebidos como títulos a serem pagos com base no salário fixo acrescido da remuneração variável que houver sido auferida ao longo do ano civil, no primeiro caso, e ao longo do período aquisitivo, na maioria das hipóteses do segundo caso. Se a remuneração variável era composta por comissões, gratificações ou adicional noturno, a culpa não lhe pertence. Daí ser correta a afirmação de que os reflexos são feitos da hora extraordinária sobre os descansos semanais remunerados e, de ambos, sobre as férias, 13º salário, fundo de garantia e, se houver, aviso-prévio indenizado."

De mais a mais, antes do impactante julgamento ocorrido em Brasília, verifica-se da análise dos precedentes que originaram a OJ nº 394, da SBDI-1 do TST [4], que o entendimento da Corte Superior Trabalhista caminhava no sentido de que as horas extras prestadas com habitualidade trariam reflexos no cálculo do repouso semanal, inclusive integrando o salário, com fulcro no artigo 7º da Lei nº 605/1949 e nas Súmulas 172, 347 e 376, II, do respectivo tribunal. Logo, segundo a premissa até então adotada pelo TST, exigia-se certa cautela para se evitar o bis in idem, ou seja, com repercussões e reflexos inseridos em momentos distintos e cumuláveis.

Aliás, para melhor contextualização dos fatos a você, leitor(a) da nossa coluna semanal aqui na ConJur, há que se recordar que a problemática foi criada a partir do conflito entre a tese exposta da Súmula nº 19 do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região [5] e a própria diretriz da Orientação Jurisprudencial nº 394 do Tribunal Superior do Trabalho, quando do julgamento do processo IncJulgRREmbRep — 10169-57.2013.5.05.0024 [6], pela via da sistemática de recurso repetitivo de revista.

Note-se, a propósito, que a decisão do Pleno do TST, no último dia 20/3/2023, seguiu a mesma "ratio decidendi" já exarada pela própria SBDI-1 que, na data de 14.12.2017, com voto de relatoria do ministro aposentado, Márcio Eurico Vitral Amaro, fixou a seguinte tese jurídica: "a majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, deve repercutir no cálculo das demais parcelas que se baseiam no complexo salarial, não se cogitando de bis in idem por sua incidência no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS".

Por ocasião de referido julgamento foi determinada, inclusive, modulação dos efeitos decisórios, em homenagem ao princípio da segurança jurídica (artigo 927, §3º, do CPC/2015), ficando definida que a tese jurídica até então estabelecida no incidente repetitivo "somente será aplicada aos cálculos das parcelas cuja exigibilidade se aperfeiçoe a partir da data do presente julgamento (inclusive), ora adotada como marco modulatório".

Entrementes, há que se destacar que, desde aquela época, todos os recursos que discutiam tal temática perante os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) ficaram suspensos, tendo a SBDI-1 da Corte Superior Trabalhista apenas deixado de proclamar o resultado do julgamento, pois, na forma do artigo 171 e §2º do Regimento Interno do TST [7], a decisão resultaria na revisão ou cancelamento da então OJ nº 394. E ao final de mais cincos anos do início de tal discussão, enfim o Pleno do TST proferiu a decisão definitiva, acatando a exata "ratio decidendi" da SBDI-1, mas com uma nova proposta de modulação dos efeitos, a saber: o novo critério de cálculo será aplicado apenas às horas extras trabalhadas a partir de 20/3/2023.

Para tanto, de se citar o teor da atual diretriz do TST, ficando vencidos os ministros Ives Gandra, Maria Cristina Peduzzi, Sergio Pinto Martins e Dora Maria da Costa, que mantinham a redação original da OJ 394, sendo fixada a seguinte tese jurídica que foi enviada à Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos do Tribunal Superior do Trabalho:

"REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. INTEGRAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. REPERCUSSÃO NO CÁLCULO DAS FÉRIAS, DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, AVISO PRÉVIO E DEPÓSITOS DO FGTS.I. A majoração do valor do repouso semanal remunerado decorrente da integração das horas extras habituais deve repercutir no cálculo, efetuado pelo empregador, das demais parcelas que têm como base de cálculo o salário, não se cogitando de bis in idem por sua incidência no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS.II. O item I será aplicado às horas extras trabalhadas a partir de 20.03.2023."

Frise-se, portanto, para não haver ainda mais insegurança jurídica, assim como aumento do passivo das empresas, fixou-se nova modulação dos efeitos da decisão, de sorte que a atual forma de cálculo passa a valer apenas para as horas extras, em contratos de trabalhos vigentes, laboradas a partir de 20/3/2023, não se aplicando, porém, aos processos trabalhistas em curso, tampouco aos recursos que estavam sobrestados há mais de cinco anos.

No tocante ao mérito do debate propriamente dito, tem-se, de um lado, o artigo 67 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [8], o qual preceitua que "será assegurado a todo empregado um descanso semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte"; lado outro, a Lei nº 605, de 05 de janeiro de 1949 [9], trouxe algumas alterações acerca do repouso semanal remunerado (DSR), no que tange à obrigatoriedade de pagamento deste descanso em regra dominical, assim como critérios para obtenção dessa remuneração.

Além disso, é sabido que o repouso semanal remunerado (DSR) foi recepcionado pela Constituição de 1988 como um direito social, conforme se observa em seu artigo 7º, inciso, XV [10]. Ocorre que, na prática, com a mudança do critério de pagamento das parcelas trabalhistas salariais em razão do cálculo do DSR majorado pelas horas extras, há impactos matemáticos relevantes nas remunerações que, doravante, serão pagas aos empregados de todo o país, e, de igual sorte, uma oneração ainda maior na folha de pagamento das empresas de todos os portes e segmentos do Brasil.

Nessa perspectiva, impende destacar que, para se calcular o descanso semanal remunerado, torna-se indispensável o conhecimento de algumas informações, tais como: valor da hora de trabalho; quantidade de horas laboradas e número de dias úteis, além dos domingos/feriados no mês.

Portanto, para se computar o descanso semanal remunerado sobre as horas extraordinárias é preciso aplicar a seguinte fórmula: DSR = (valor total das horas extras realizadas no mês / dias úteis no mês) x domingos e feriados do mês (Lei nº 605/1949).

E para uma melhor elucidação do assunto para quem seja leigo, apresentamos um exemplo prático, com base em uma apuração realizada pelo ilustríssimo perito contador judicial, Marcos Paulo Montanhani [11].

Imaginemos uma situação hipotética de um contrato de trabalho, com duração de um ano, na qual havia o pagamento de horas extraordinárias habituais no montante de R$ 200.

De acordo com a redação antiga da OJ 394, o cálculo seria composto da seguinte forma: I - Horas extras (R$ 200); II - Reflexo H.E DSR (R$ 40); III - Reflexo H.E no décimo terceiro (R$ 16,66); IV – Reflexo H.E nas férias + 1/3 (R$ 22,22); V - Reflexo H.E no aviso prévio (R$ 18,33) e VI - Reflexo H.E no FGTS (R$ 22,40), totalizando um custo de R$ 319,61.

Sob esse panorama, observa-se que não havia repercussão do descanso semanal remunerado, majorado pelos reflexos das horas extras laboradas na semana, na integração da base de cálculo do décimo terceiro salário, das férias, do aviso prévio e do FGTS.

Noutro giro, se considerarmos a atual redação da OJ 394, teremos para o mesmo caso os seguintes valores: I - Horas extras (R$ 200); II - Reflexo H.E DSR (R$ 40); III - Reflexo H.E no décimo terceiro (R$ 16,66); IV – Reflexo H.E nas férias + 1/3 (R$ 22,22); V - Reflexo H.E no aviso prévio (R$ 18,33); VI - Reflexo H.E no FGTS (R$ 22,40), VII - Reflexo do DSR das H.E no décimo terceiro (R$ 3,33); VIII - Reflexo do DSR das H.E nas férias +1/3 (R$ 4,44); IX - Reflexo do DSR das H.E no aviso prévio (R$ 3,66) e X - Reflexo do DSR das H.E no FGTS (R$ 4,48), totalizando um custo de R$ 335,52.

Portanto, analisando acima o exemplo prático fictício, o impacto na folha de pagamento para as empresas com o novo posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho foi de aproximadamente 4,74%, sendo este o aumento da remuneração que passa a ser devida aos empregados.

Em arremate, com o novo posicionamento do TST, que estava consolidado há mais de dez anos, constata-se uma mutação de sua jurisprudência fruto da reformulação natural de sua composição nos últimos anos. E tal referido exemplo mostra a importância da atuação especializada da advocacia trabalhista em Brasília na defesa dos interesses de seus clientes (trabalhadores e empresas), contribuindo na formação da opinião de ministros e ministras em suas decisões que impactarão a vida de trabalhadores e empresários do Brasil.

[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[3] Direito do Trabalho Aplicado: Direito Individual do Trabalho / Homero Batista Mateus Silva – São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2021 – (Coleção Direito do Trabalho Aplicado; volume 2), página 949 e 950

[4] E-RR - 257500-41.2003.5.02.0006, SDI1 Aloysio Corrêa da Veiga, 13/06/2008, Decisão unânime; E-RR - 58300-52.2003.5.02.0071,SDI1 Aloysio Corrêa da Veiga, 13/02/2009 Decisão unânime; RR - 775400-23.2001.5.09.0016; T6 Horácio Raymundo de Senna Pires, 12/09/2008, Decisão unânime; E-RR - 179600-74.2004.5.02.0061, SDI1 Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 14/11/2008, Decisão unânime.

[5] "REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. DIFERENÇAS DECORRENTES DAS HORAS EXTRAS EM OUTROS CONSECTÁRIOS LEGAIS. INTEGRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. Deferida a repercussão das horas extras habituais no repouso semanal remunerado, na forma autorizada na súmula n. 172 do C. TST, a incidência das diferenças daí advindas na remuneração obreira é direito inquestionável, tratando-se, na verdade, de consequência reflexa lógica, pois, se a base de cálculo da parcela do repouso semanal se modifica, a composição da remuneração também deverá sofrer a mesma alteração, sem que se cogite, nesse procedimento, de bis in idem."

[6] Disponível em https://www.tst.jus.br/-/pleno-do-tst-altera-oj-394-em-julgamento-de-recurso-repetitivo. Acesso em 28.03.2023.

[7] Art. 171. A revisão ou cancelamento de súmula, orientação jurisprudencial, precedente normativo e teses jurídicas firmadas nos incidentes de recursos repetitivos, de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas será suscitada pela Seção Especializada, ao constatar que a decisão se inclina contrariamente a: [...] § 2º. Na hipótese prevista no caput, o Presidente deixará de proclamar o resultado e encaminhará a questão controvertida à Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos para as providências de que trata o art. 60, VII, deste Regimento, após o que os autos serão remetidos ao relator para que prepare o voto e aponha o visto.

[8] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 28.03.2023.

[9] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0605.htm. Acesso em 28.03.2023.

[10] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em .28.03.2023.

[11] Perito Judicial atuante em diversas Varas do TRT02; professor de Cálculos Trabalhistas; Escritor da obra Como Elaborar os Cálculos Trabalhista Após a Reforma, Editora LTr, 2017; autor de diversos artigos publicados em sites jurídicos; calculista judicial há mais de 23 anos, atuante em vários escritórios de advocacia e departamento jurídico de empresas; sócio proprietário da empresa Marcos Montanhani Perícias – Cálculos – Cursos; graduado em Matemática; pós-graduado em Perícia em Cálculos na Justiça do Trabalho e Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Contatos: WhatsApp (11) 2479.2875; e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.


 é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

 é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-mar-30/pratica-trabalhista-horas-extras-tst-altera-calculo-remuneracao-onera-folha