Felipe Becari *

É inadmissível que o Estado financie escravagistas ou que siga de olhos vendados quando o assunto é a regulamentação da expropriação das terras e confisco de bens nos casos de exploração do trabalho escravo, disposição contida no artigo 243 da Constituição Federal.

Trata-se de questão a ser enfrentada de maneira urgente, pois a atual conjuntura contraria as bases de fundamentação da nossa estrutura moral, social, política e econômica.

Para por fim às inaceitáveis omissões do Estado, apresentamos dois projetos de lei que merecem debate público, dentro e fora do Congresso Nacional. O que defendemos é a aprovação destas iniciativas, disponíveis na página da Câmara dos Deputados (PLs 777/2023 e 778/2023), justamente para cessar qualquer tipo de financiamento público a quem escraviza, bem como expropriar seus bens a favor da sociedade. Esta foi a vontade coletiva expressa na nossa Constituição.

A favor da aprovação do PL 777/2023, recordo que, em setembro último, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 77), o reconhecimento de que o Congresso Nacional deve aos brasileiros a edição de norma para regulamentar o trecho do artigo da Constituição Federal que trata da expropriação dos imóveis em casos de exploração de trabalho escravo, para fins de reforma agrária e de programas de habitação popular. Entenda-se que o trecho do mesmo artigo que trata do plantio de culturas ilegais de plantas psicotrópicas já foi regulamentado por meio da Lei nº 8.257/91.

Se não há lei, corre solta a impunidade. Será que teríamos vivenciado mais esta situação dos 207 trabalhadores submetidos a condições subumanas, análogas à escravidão, durante a colheita da uva em Bento Gonçalves, na Serra gaúcha, se o Congresso Nacional já tivesse feito a sua parte?

Penso que teríamos desencorajado estas práticas frente aos riscos da expropriação. Se a tentação de incorrer em crime persistisse, possuiríamos instrumentos legais amparando justas decisões do Poder Judiciário.

Continuaremos aguardando o resultado da ADO 77 para, quando de sua decisão no STF, reclamar do ativismo judicial? Não. É dever e competência do Congresso Nacional a regulamentação dos dispositivos constitucionais. A ausência da lei regulamentadora é imoral e uma vergonha para os representantes da sociedade, sendo incabível a perpetuação desta leniência com os criminosos escravocratas. É uma verdadeira mancha civilizatória, uma chaga aberta em nosso país.

Quanto ao projeto de lei 778/2023, mais especificamente, nosso objetivo é estancar qualquer tipo de financiamento ou empréstimo público aos empregadores autuados pela prática de submissão de trabalhadores a condições análogas à de escravo. Assim, o texto complementa a primeira proposta.

É o mínimo que podemos fazer para cortar as linhas de crédito daqueles que exploram de maneira degradante outros seres humanos. Seria um contrassenso o país que é signatário de vários tratados internacionais e possui legislação contra o trabalho escravo, financiar práticas espúrias. Importante ressaltar que o trabalho escravo, no Brasil, já fez mais de 60 mil vítimas entre 1995 e 2022, conforme dados do Ministério do Trabalho e Previdência.

Temos que avançar nesse assunto, colocando-o definitivamente como política pública de Estado. Os projetos de lei apresentados entregam, à sociedade, instrumentos para execução dessas políticas, dando aos três Poderes uma condição, por meio das sanções, de erradicação destes crimes horrendos.

Todas as normas relacionadas ao combate do trabalho escravo em nosso país foram sancionadas porque a sociedade se mobilizou. Nada foi concedido, tudo foi conquistado. Agora, temos a oportunidade de fazer um novo enfrentamento, coibindo ainda mais os problemas do nosso tempo. É uma causa de todos os brasileiros. Devemos superar quaisquer resistências de movimentos retrógados. Escravidão nunca mais!

*Felipe Becari é deputado federal (União-SP). Foi vereador de São Paulo entre 2021 e 2022.

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CONGRESSO EM FOCO

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