OPINIÃO

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O tema está em julgamento pelo STF e a controvérsia cinge-se à aplicabilidade do artigo 10, II, "b", do ADCT a servidora gestante no âmbitos dos contratos temporários, fato que traz grande impacto nas rotinas da administração pública em geral.

A respeito dessa questão, em 2000, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) (OJ 196/SDI-1) editou a Súmula 244:

"Gestante. Estabilidade provisória.

I ‐ O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).


II ‐ A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe‐se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.


III ‐ Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa."

O que interessa ao presente estudo é o item III da Súmula 244/TST, visto que, por contrato de experiência (artigo 445/CLT) o empregador passou a considerar, inclusive, os contratos temporários regidos pela Lei 6.019/74 que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas.

Assim como o setor privado, de forma temerária e inadvertida, alguns gestores públicos, nos casos de cargos em comissão (Artigo 37, II/CF/88) ou cargos preenchidos por meio de contratos em designação temporária (Lei nº 8.745/1993 e IX do artigo 37 da Constituição Federal), a exemplo do RE 842.844/SC com repercussão geral reconhecida (Tema 542), tem adotado o entendimento de que as servidoras gestantes não têm direito à estabilidade provisória/presumida.

Vê-se que o principal argumento para rescisão ou exoneração de servidoras gestantes funda-se naquele entendimento do TST.

Todavia, em 2012 houve alteração do verbete sumular 244, especificamente no item III, de forma diametralmente oposta, não restando dúvidas quanto à garantia constitucional do emprego da mulher gestante:

"III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea b, do ADCT, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado."

Ocorre que o TST, em 18/11/2019, no julgamento do Incidente de Assunção de Competência nº 5639-31.2013.5.12.0051, afastou a possibilidade de reconhecimento do direito à garantia de emprego da empregada gestante admitida mediante contrato de trabalho temporário e fixou a tese:

"É inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no artigo 10, II, 'b', do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias."

Veja-se que esse entendimento vinha sendo aplicado:

"Apelação Cível. Giruá. Exoneração. Servidor Público. Cargo em comissão. Licença-gestante. Artigo 7º, inciso XVIII da CF/88. Indenização indevida. A autora não tem direito a reintegração ao cargo de que foi exonerada. O cargo provido em comissão é precário, passível a exoneração “ad nutum”, inaplicável a estabilidade, sequer a provisória. Indevida a concessão de licença-gestante, por não se encontrar a demandante na fase gestacional exigida pela Lei Municipal n. 998/90, artigo 211, § 1º. Apelo desprovido." (Apelação Cível nº 70004557252, 4ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: Vasco Della Giustina, julgado em 04/09/2002)

Posicionamento esse, hoje, superado, nesse mesmo tribunal, somente a título de exemplo:

"RECURSO INOMINADO. PRIMEIRA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA. SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL. MUNICÍPIO DE ARROIO DO SAL. CARGO EM COMISSÃO. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA ATÉ O 5º MÊS APÓS O PARTO. DIREITO EVIDENCIADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO. UNÂNIME." (Recurso Cível, Nº 71009781782, Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, relator: Ana Lúcia Haertel Miglioranza, julgado em: 12/12/2022)

Por essa razão, longe de ser tema pacificado, esse ensaio analisará se há direito, à servidora gestante, de estabilidade presumida/provisória nos termos da alínea "b", II, artigo 10 do ADCT e se as decisões do TST teriam o condão de influir nas decisões de gestores públicos.

Sem maior profundidade, tem-se no campo semiótico a necessária distinção entre empregado e servidor público.

Servidor público é a pessoa legalmente investida em cargo ou em emprego público na administração direta, nas autarquias ou nas fundações públicas (artigo 1º da Lei nº 8.027/1990).

Empregado é toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário, sendo empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço, admitindo-se como empregadores, por equiparação, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. (artigos 2º e 3º/Decreto-lei 5.452/43 – CLT).

Estabelecida a diferença sumária entre empregados e servidores, urge compreender que no setor privado os empregados são selecionados, basicamente, por escolhas subjetivas e personalíssimas preestabelecidas pelo empregador (entrevistas, processos seletivos, dinâmicas de grupos e indicações internas).

No entanto, a Constituição Federal determina que todos os cargos públicos sejam preenchidos mediante concurso (inciso II, do Artigo 37), salvo nomeações para cargo em comissão de livre nomeação e exoneração.

Em regra, atualmente, entre servidores da administração pública (efetivos ou concursados, os comissionados, os contratados por tempo determinado e os de natureza híbrida como agentes comunitários de saúde e de endemias), a diferença entre eles está na modalidade de admissão e o tipo de vínculo que possuem com a AP, quer-se dizer que com exceção dos cargos de provimento efetivo, as demais espécies possuem vínculo precário, sem direito à estabilidade e com exoneração/rescisão, ad nutum:

"APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE PORTO XAVIER. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA – MONITORA. VÍNCULO ADMINISTRATIVO PRECÁRIO. NÃO EFETIVO. AUSÊNCIA DE ESTABILIDADE – ART. 41, DA C. R. RESCISÃO UNILATERAL. LEGALIDADE – ARTS. 37, IX, DA C. R; 19, IV, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. I – Tendo em vista a natureza precária da relação jurídico-administrativa estabelecida entre as partes, através do contrato temporário, e a previsão expressa no sentido da rescisão unilateral da avença; e a falta da estabilidade funcional, haja vista restrita aos servidores de cargo efetivo – art. 41, da Constituição da República -, não evidenciado o direito da autora à reintegração no emprego [...]." (TJ-RS. Apelação Cível nº 70083109710. T. C. Cível. Des. rel. Eduardo Delgado. Jul. em: 28/9/2022).

A primeira conclusão: servidores com vínculo precário não possuem direito a estabilidade funcional e estão sujeitos a exoneração por decisão unilateral da AP.

E quanto à aplicabilidade das decisões do TST sobre as relações entre servidores e a AP?

Em abril de 2020 o STF, no julgamento da ADI 3.395/DF, decidiu que a Justiça do Trabalho é incompetente para apreciar causas ajuizadas para discussão da relação jurídico-estatutária entre o poder público e seus servidores:

"CONSTITUCIONAL E TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART.114, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. EXPRESSÃO “RELAÇÃO DE TRABALHO”. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. EXCLUSÃO DAS AÇÕES ENTRE O PODER PÚBLICO E SEUS SERVIDORES. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR CONFIRMADA. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.

1. [...]


2. A interpretação adequadamente constitucional da expressão 'relação do trabalho' deve excluir os vínculos de natureza jurídico-estatutária, em razão do que a competência da Justiça do Trabalho não alcança as ações judiciais entre o Poder Público e seus servidores." STF. T. Pleno. ADI 3.395/DF. Rel. min. Alexandre de Moraes. Jul. 15/4/2020."

A discussão acerca da estabilidade de servidoras gestantes (contratadas e comissionadas) permanece, pois a Corte Suprema não afastou da competência da Justiça do Trabalho o julgamento das causas envolvendo servidores com vínculo celetista.

A segunda conclusão é que: não se deve aplicar às relações jurídicas entre servidores e a AP a jurisprudência especializada da Justiça do Trabalho em face da incompetência judicante declarada pelo STF.

Mas e se o vínculo da servidora gestante for celetista?

Para essa questão, embora já muito clara, servem os precedentes da Corte Suprema que reconhecem a estabilidade provisória às gestantes sejam elas servidoras do quadro permanente ou não:

"Às gestantes quer se trate de servidoras públicas, quer se cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime jurídico a elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de natureza contratual (CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de confiança ou, ainda, às contratadas por prazo determinado, inclusive na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição, ou admitidas a título precário" [1].

O direito da trabalhadora (seja da iniciativa privada ou da AP) gestante à fruição da licença-maternidade e da estabilidade provisória, independente do regime jurídico aplicável e reflete a materialização dos direitos previstos no artigo 7º, XVIII, da Constituição Federal e artigo 10, II, b, do ADCT.

A Constituição Federal consagra os axiomas de proteção à maternidade e à infância (artigo 6º) ao lume dos direitos sociais formal e materialmente instrumentalizados pela Carta da República, de modo a garantir eficácia plena daquela vedação trazida no ADCT, diante da dispensa injusta da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Essa é a regra.

Não bastassem os fundamentos constitucionais claros e cogentes insculpidos nos valores e direitos fundamentais e sociais garantidos às gestantes de forma específica, o regime jurídico da administração pública ratifica e garante que assim permaneçam, à luz do texto do artigo 39, caput e § 3º da CF/88.

O texto constitucional, nesses limites, permite ao legislador infraconstitucional criar critérios diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir, impedindo, explicitamente, que esse regime diferenciado exclua ou mitigue direitos e garantias fundamentais.

Indene de dúvidas da repercussão geral das questões constitucionais discutidas nos autos do RE 842.844/SC (Tema 542), conforme previsão do artigo 102, III da CF/88 e §1º do artigo 1.035 do CPC.

Nesses autos, a Procuradoria-Geral da República ofereceu manifestação sugerindo a fixação da tese:

"A gestante contratada pela Administração Pública por prazo determinado ou ocupante de cargo em comissão demissível ad nutum faz jus à licença-maternidade e à estabilidade provisória."

Denota-se que a sugestão de tese da PGR, excluiria da repercussão geral as servidoras públicas gestantes de vínculo celetista, as admitidas para designação temporária e as trabalhadoras contratadas por tempo determinado ou em contrato de experiência.

A vedação ao retrocesso dos direitos e garantias fundamentais [2], determina que se altere a hermenêutica jurídica, voltada hoje para a natureza do vínculo de trabalho da gestante, para a condição humana da mulher gestante em face do caráter alimentar e dignificante do trabalho, da sua autodeterminação corpórea, da sua natureza biopsicossocial, bem como à luz da proteção de outros direitos fundamentais indisponíveis que tutelam a gestante, sua família e o nascituro [3].

Por tudo discutido, conclui-se que, além das deduções lógicas expandidas, os direitos à licença-maternidade e à estabilidade provisória garantidos às gestantes contratadas por prazo determinado ou ocupantes de cargos comissionados ad nutum, devem ser observados tal qual ocorre com servidoras de carreira e empregadas grávidas, sujeitando à autoridade administrativa, em caso de rescisão contratual, dispensa ou exoneração, em face da consequente extinção do vínculo, a indenização correspondente aos valores que receberia até cinco meses após o parto, reafirmando-se os precedentes da Suprema Corte que amparam tanto servidoras quanto empregadas gestantes contratadas pela administração pública.

[1] RE 634.093-AgR, rel. min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJe de 6/2/2011.

[2] CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2006, p. 177.

[3] STRECK, Lenio. Hermenêutica constitucional. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 2ª ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/18/edicao-2/hermeneutica-constitucional. Acesso em 3 jan. 2023.



 é advogado, sócio do Escritório Sonsim, Santolin, Alves, licenciado em ciências biológicas (2007), especializando em Direito Público (PUC-RS) e Direito Médico e Bioética (Ebradi), com certificação em Direito Digital e Legal Tech (PUC-RS) e pós-graduação em Responsabilidade em Saúde (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-PT), técnico legislativo sênior (2009) e servidor de carreira.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-jan-18/gedson-alves-servidora-gestante-direito-licenca-maternidade