O país não conseguirá crescer mais e reduzir desigualdades apenas com programas de transferência de renda para adultos e idosos
 

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Dois fatos são inquestionáveis sobre a economia brasileira: 1) ela cresce bem menos que a média mundial nas últimas 4 décadas, principalmente pelo baixo nível de produtividade do trabalhador e 2) temos uma das maiores desigualdades de renda no mundo.

Num país muito desigual em termos de renda e acesso a serviços públicos básicos, um crescimento persistentemente mais baixo gera pressões sociais ainda maiores. Não é à toa que, nas três últimas décadas, principalmente na última, fomos avançando em diversos programas de transferência de renda que vão desde o Benefício de Prestação Continuada (BPC), Bolsa Família e o agora Auxílio Brasil, entre outros.

Nos últimos dez anos (2012-2021) o PIB brasileiro cresceu zero no acumulado do período, ficando bastante para trás inclusive do crescimento dos seus pares latino-americanos.

Se excluirmos os anos de 2020 e 2021 da pandemia, ficando com os dez anos entre 2010-2019, teremos uma média de crescimento de 0,9% ao ano (a.a.). Note-se que essa média inclui a forte recessão de 2015-2016, mas também o crescimento de 7,5% a.a. no ano de eleições de 2010. Com três governos diferentes nesse período e com a economia global crescendo acima de 3,5% na década, o Brasil manteve uma trajetória de crescimento econômico muito baixo.

É nesse contexto, com elevada desigualdade de renda e baixo crescimento, que o aumento da inflação e do desemprego em 2021 e início de 2022 fez crescer a pressão para aumentos de valores no novo Auxílio Brasil, passando de R$ 400 para R$ 600 por mês. Ambos os candidatos que lideram as pesquisas para as eleições presidenciais já se comprometeram com a manutenção do novo programa no próximo ano, representando um incremento de R$ 50 bilhões anuais para o Orçamento 2023 em relação a 2022.

Como a carga tributária brasileira (próxima a 33% do PIB) já é uma carga alta para o nível de renda per capita do país, que é média-baixa, cabe o questionamento se o atual modelo de transferências de renda é o mais eficiente e mesmo se é sustentável no futuro.

Focalização e avaliação de impacto dos programas de transferência de renda

O Brasil já possui bons bancos de dados, como o Programa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e o Cadastro Único, e pode utilizá-los em programas mais eficientes de transferência de renda. Sobretudo é importante saber identificar corretamente grupos e objetivos específicos em cada um dos programas executados.

Vinicius Botelho, Fernando Veloso, Marcos Mendes, Anaely Machado e Ana Paula Berçot (Programa de Responsabilidade Social: Diagnóstico e Proposta; INSPER E CDPP; 2020) já mostraram a importância de se diferenciar a assistência às famílias de baixa renda da assistência aos trabalhadores informais sujeitos à elevada oscilação de seus rendimentos.

A expansão dos valores e cobertura do Bolsa Família até o Auxílio Emergencial e finalmente o novo formato do Auxílio Brasil misturam grupos onde há o fenômeno da pobreza crônica com outros grupos com diferentes tipos de vulnerabilidade de renda. A proposta dos autores mostra que é possível haver um conjunto de programas mais eficientes do que o atual Auxílio Brasil ou mesmo do que propostas de programas universais de renda básica.

Outro aspecto importante que precisa ser contemplado é a necessidade de se revisar um número muito grande de programas assistenciais no orçamento público de eficiência duvidosa. Ainda utilizando o estudo aqui mencionado, aparecem dois exemplos de programas com evidências de baixa capacidade de redução de pobreza e desigualdade: o abono salarial e o salário-família. Soares, S; Bartholo,L; Osorio, R. (Uma proposta para a unificação dos benefícios sociais de crianças, jovens e adultos pobres e vulneráveis; IPEA, 2019) também já haviam mostrado que, mesmo para níveis mais elevados de renda o mecanismo do Bolsa Família era mais eficiente do que os dois programas.

De uma maneira geral, o que se sugere aqui é que a continuidade dos programas de transferência de renda (bem como o universo mais amplo de programas sociais) deveria passar por uma avaliação de impacto para cada um dos programas existentes. Essa diretriz não só aumentaria a eficiência dos programas como também poderia redirecionar recursos antes de se propor novos aumentos de carga tributária para financiá-los.

Programas de transferência de renda e igualdade de oportunidades: por que ainda descuidamos tanto da pobreza infantil?

Parece evidente que um país como o Brasil, com o nível de desigualdade de renda e pobreza acumuladas, não escapará de manter programas de transferências de renda por bastante tempo, principalmente para os segmentos mais desfavorecidos e vulneráveis da população.

Feita a constatação acima, cabe sempre lembrar que é muito melhor um país alocar recursos para combater a desigualdade de acesso à renda, educação, saúde e outros atributos de promoção do desenvolvimento humano logo no início da vida do indivíduo do que ter que fazê-lo em idade adulta.

A ideia de um ciclo virtuoso de livre iniciativa e meritocracia numa sociedade só pode persistir se os indivíduos partirem de condições minimamente iguais de oportunidades. Aqui não falamos de esforço individual, mas de diferenças iniciais que decorrem simplesmente do fato de alguém nascer rico ou pobre (Naércio Menezes; A Loteria da Vida; Valor Econômico, 17/08/2018). Sociedades que admitem uma parcela expressiva de pobreza na primeira infância terão que lidar necessariamente com um capital humano potencialmente mais baixo, menor crescimento econômico, maior desigualdade de renda entre adultos e idosos e, consequentemente, maiores custos fiscais com programas de transferências de renda para essas populações.

A literatura moderna de combate à pobreza infantil evidentemente não se foca apenas no provimento de uma renda monetária mínima. Acesso às condições satisfatórias de educação, saúde, moradia, segurança e apoio emocional fazem parte de um conjunto necessário para maximizar as potencialidades do desenvolvimento humano nos primeiros anos de vida e na infância plena. De qualquer forma, podemos inicialmente analisar isoladamente o universo de programas de transferência de renda no Brasil.

Se pegarmos os dados da PNAD de 2019, então antes dos efeitos da pandemia, veremos que 42% das crianças até 14 anos no Brasil (cerca de 18 milhões de crianças) não recebiam o valor mínimo de R$ 450 por mês (em termos de paridade de poder de compra – PPP), definido como a linha de renda superior de pobreza individual pelo Banco Mundial.

Ao mesmo tempo, para brasileiros acima de 60 anos, aquele percentual abaixo do mesmo valor era de apenas 7%. Utilizando esses dados chegamos à estarrecedora conclusão de que o problema da pobreza infantil é sete vezes mais grave no Brasil do que a pobreza na velhice. Isso ocorre pela enorme discrepância de valores e linhas de programas (incluindo previdência e assistência social; e excluindo uma série de benefícios como gratuidades e “meias entradas” aos idosos, por exemplo) disponíveis para cada um dos grupos anteriores.

O mesmo país que não cuida de gerar melhores condições de igualdade de oportunidades na infância é aquele que se vê obrigado a alocar muito mais recursos para tentar mitigar as condições de pobreza na idade adulta e na velhice. Ainda assim, essa maior transferência posterior de renda apenas mitiga as condições individuais nas etapas finais da vida. Ela não dá conta de recuperar a perda individual e social que a destruição de capital humano gerou para o crescimento econômico do país e para a geração de renda individual.

São fartos os exemplos de países que se tornaram mais ricos e menos desiguais quando, em determinado momento das suas histórias, gerações de adultos optaram por privilegiar as novas gerações, fazendo muitas vezes sacrifícios individuais pelos seus próprios filhos e netos. Infelizmente essa é uma opção que ainda não fizemos no Brasil. Precisamos fazê-la urgentemente.

Aod Cunha Economista. É conselheiro de administração de empresas como Grupo Vibra, Agibank, Atiaia Energia (Grupo Cornélio Brennand), Seguros Unimed, Grupo Edson Queiroz e ATITUS e membro independente de comitês de investimentos. Foi sócio do Banco BTG Pactual e managing director do JP Morgan. Entre 2007 e 2009 foi secretário da fazenda do Estado do Rio Grande do Sul e presidente do conselho de administração do Banrisul. É professor do curso de pós graduação em Finanças, Investimentos e Banking da PUCRS. Especialista em economia da CNN.

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