É A ECONOMIA, ESTÚPIDO!
Nas eleições de 2018, a "lava jato" e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff impulsionaram um sentimento antipolítica que resultou na consagração de diversos outsiders. Quatro anos depois, o cenário é bem diferente. O fim da autodenominada força-tarefa fez com que a economia, e não a corrupção, passasse a ser a principal preocupação dos eleitores, que voltaram a preferir políticos "tradicionais".
Em 2018, houve uma grande onda de outsiders, candidatos da "nova política" que, em muitos casos, derrotaram políticos "tradicionais". Eleito presidente da República, Jair Bolsonaro (PL) vendeu uma imagem de candidato antissistema — embora fosse parlamentar, de atuação inexpressiva, havia 29 anos.
Nesse movimento, foram eleitos governadores os empresários João Dória (PSDB-SP) e Romeu Zema (Novo-MG); o ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC-RJ); o advogado Ibaneis Rocha (MDB-DF); o coronel do Corpo de Bombeiros Carlos Moisés (PSL-SC); e o apresentador de televisão Wilson Lima (PSC-AM).
Além disso, foram eleitos parlamentares integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), como Arthur do Val (DEM-SP); o ex-ator pornô Alexandre Frota (PSL-SP); a ex-juíza Selma Arruda (PSL-MT); a pastora Flordelis (PSD-RJ); e diversos policiais, como Daniel Silveira (PSL-RJ).
Contudo, muitos desses outsiders sofreram reveses depois de serem eleitos. Em São Paulo, Dória renunciou ao governo do estado e não conseguiu viabilizar sua candidatura a presidente. No Rio, Witzel foi condenado por crimes de responsabilidade por causa de fraudes na compra de equipamentos e na celebração de contratos durante a epidemia de Covid-19 — e acabou destituído. Moisés e Lima também foram alvos de processos de impeachment — o primeiro, duas vezes —, mas conseguiram continuar no cargo.
Alguns parlamentares que surfaram na "nova onda" tiveram seus mandatos cassados, como a ex-senadora Selma Arruda (por uso de caixa dois nas eleições) e a ex-deputada federal Flordelis (por coagir testemunhas e ocultar provas do homicídio de seu ex-marido, o pastor Anderson do Carmo, crime pelo qual responderá no Tribunal do Júri). Após o vazamento de áudio em que fez comentários sexistas contra refugiadas ucranianas, e a consequente abertura de processo por quebra de decoro parlamentar, Arthur do Val renunciou ao posto de deputado estadual em São Paulo.
O deputado federal Daniel Silveira foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a oito anos e nove meses de reclusão pelos crimes de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal) e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União (artigo 23 da Lei de Segurança Nacional — Lei 7.170/1973). Bolsonaro concedeu-lhe o benefício da graça (perdão de pena judicial) e Silveira se lançou candidato a senador. No entanto, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio formou maioria, nesta sexta-feira (2/9), para indeferir sua candidatura.
Outros outsiders tornaram-se políticos "tradicionais". Jair Bolsonaro fez aliança com o Centrão e disputa a reeleição por um partido do bloco, o PL. Romeu Zema e Ibaneis Rocha têm gestões sem grandes rupturas com o normal e buscam novos mandatos. Como deputado federal, Alexandre Frota rompeu com o bolsonarismo e apresentou diversos projetos de lei sobre pautas associadas à esquerda. Entre eles, um que busca punir clubes e organizadores de eventos esportivos por atos de racismo e LGBTfobia e um que reserva vagas a mulheres em concursos públicos.
Impacto da 'lava jato'
As pesquisas para as eleições de outubro apontam para o triunfo de políticos mais "tradicionais". Na disputa da Presidência da República, os dois principais candidatos são Luiz Inácio Lula da Silva, que governou o país por oito anos, e Bolsonaro, que está no cargo há quatro anos e incorporou as práticas mais comuns do ramo.
Nos estados, há poucos outsiders com reais chances de vitória. E a expectativa é que, ao contrário de 2018, o Legislativo não tenha muitos representantes de fora do mundo político.
O sociólogo e cientista político Antonio Lavareda avalia que a onda de outsiders de 2018 foi causada por um cenário crítico, decorrente do impeachment de Dilma Rousseff, da "lava jato" — que prendeu diversos políticos e tirou Lula da disputa a presidente — e da crise econômica.
Segundo ele, uma vez que Bolsonaro não sofreu impeachment e a "lava jato" desapareceu de cena, o assunto mais importante passou a ser a economia, e não mais a corrupção, como há quatro anos. Lavareda também ressalta que diversos outsiders agora concorrem à reeleição com o figurino de candidatos "tradicionais", como o presidente.
O professor Bruno Carazza, autor do livro Dinheiro, eleições e poder: as engrenagens do sistema político brasileiro, diz que, em 2018, os outsiders tiveram um protagonismo maior porque era o primeiro pleito pós-impeachment de Dilma e a "lava jato" ainda estava no auge. "Sendo assim, imperava um forte sentimento antipolítica na população, o que impulsionou candidatos estreantes ou com pouca tradição na política."
"Neste ano, temos várias tendências que apontam na mesma direção: o fim da 'lava jato', o mau desempenho de muitos desses outsiders (que pagaram um preço por não possuírem experiência política) e o fortalecimento de mecanismos da política tradicional, como o fundo eleitoral e o orçamento secreto. Essa tendência já havia sido observada na eleição de 2020 e parece que irá se repetir em 2022", analisa Carazza.
Porém, o professor ressalta que sempre há espaço para candidaturas de outsiders, especialmente para cargos no Legislativo. "E tanto é assim que os partidos promoveram uma intensa disputa para filiar lideranças religiosas, militares e celebridades e os lançarem como candidatos a deputado e senador."
"O sistema é um trem que não sai da linha, e vai atropelar quem ficar na frente", afirma o sociólogo e cientista político Alberto Carlos de Almeida. Após o abalo causado pela "lava jato" e pela crise econômica — impulsionada pela autodenominada força-tarefa, especialmente em estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais —, o sistema político se recompôs, limitando a entrada de forasteiros, de acordo com ele.
Aliás, os dois porta-vozes da "lava jato", o ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) e o ex-procurador Deltan Dallagnol (Podemos), enfrentam dificuldades em suas candidaturas a senador e deputado federal pelo Paraná, respectivamente.
Moro está 11 pontos atrás de seu antigo aliado Alvaro Dias (Podemos) na disputa pelo Senado, de acordo com pesquisa recente do Ipec. Deltan, por sua vez, ficou inelegível após ser condenado pela 2ª Câmara Ordinária do Tribunal de Contas da União a restituir aos cofres públicos R$ 2,8 milhões (valor atualizado) gastos com diárias e passagens de membros da finada "lava jato". Ainda cabe recurso da decisão.
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2022-set-03/lava-jato-eleitores-preferem-politicos-tradicionais-outsiders