PRÁTICA TRABALHISTA

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Recentemente, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 21 de 2022, oriundo da Medida Provisória 1.108/2022, que trouxe nova regulamentação ao teletrabalho e que também modificou as regras do auxílio-alimentação [1]. O texto já foi remetido ao presidente da República, até porque já passou pelo crivo da Câmara dos Deputados, se encontrando apenas no aguardo da sanção presidencial.

E nada obstante ter ocorrido avanços positivos no aprimoramento da legislação do teletrabalho, fato é que diversas questões não foram regulamentadas na referida MP 1.108/2022, de sorte que a temática do teletrabalho continuará a ser um assunto polêmico para a maioria dos empregadores (micro e pequenas empresas) que, diferentemente dos grandes grupos empresariais, não possuem instrumento normativo (acordo coletivo de trabalho e/ou convenção coletiva de trabalho) sobre o assunto.

De um lado, a Lei 13.467/2017 preceituava que o teletrabalho deveria ser realizado preponderantemente fora das dependências do empregador; lado outro, o PLV 21/2022 traz, doravante, uma significativa flexibilização modificando esse conceito [2]. Isso porque, inobstante o trabalhador possa comparecer presencialmente às dependências físicas da empresa, mesmo que submetido formalmente ao regime do teletrabalho, tal circunstância, por si só, não irá alterar este formato especial de contratação [3].

Neste desiderato, com o PLV 21/2022 passa a existir, do ponto de vista legal, a figura expressa do trabalho híbrido. E com a manutenção dos termos da MP 1.108/2022, passa-se a entender, outrossim, que tanto o teletrabalho, quanto o trabalho remoto (home office), estão acobertados dentro do regime híbrido de trabalho à distância. Afinal, na prática, eles passam a ser considerados institutos sinônimos [4].

E, ainda, com exceção dos empregados que prestam serviços "por produção" ou "por tarefa", deverá ser realizado o necessário controle do labor dos teletrabalhadores que prestam serviços "por jornada", modificando-se, de forma totalmente oposta, a então regra introduzida pela Lei 13.467/2017 que dispensava o cumprimento de horários de trabalho previamente definidos.

De mais a mais, quanto à aplicação da legislação e das normas coletivas de trabalho, o PLV 21/2022 preceitua que seja adotada a norma local, assim como as convenções e acordos coletivos inerentes à base territorial da organização de lotação do empregado. Aqui, em princípio, não se seguirão as normas do local da matriz (sede) da empresa, tampouco do local do cliente beneficiário dos serviços executados. A regra, portanto, é o local do estabelecimento empresarial em que o trabalhador estiver lotado [5].

Além disso, o regime de teletrabalho ou trabalho remoto passa, expressamente, estar autorizado para os aprendizes e aos estagiários, sem que a nova legislação traga nenhuma regra ou critério de acompanhamento dessas atividades pelo empregador.

Contudo, inúmeros pontos poderiam ter sido regulados, sobretudo no que diz respeito ao meio ambiente do teletrabalho (saúde e segurança). Logo, esse importante assunto, aliado a outros relevantes temas como a gestão do teletrabalho, as tutelas especiais (v.g., pessoas com deficiência; pessoas vítimas de violência doméstica e familiar; pessoas idosas), a privacidade e a segurança da informação (v.g., educação e treinamento; ética; etiqueta digital), além da própria inspeção do trabalho (ação fiscal e penalidades), tudo ficou de fora da Medida Provisória 1.108/2022 que será agora convertida em lei ordinária.

Entrementes, todos os assuntos acima referidos, além de outros tantos pontos que alterariam as disciplinas dos artigos 62, III, e 75-A e seguintes da CLT, foram objeto de um estudo jurídico completo e muito aprofundado contido no PL 5.581/2022, o qual, conquanto ainda esteja em tramitação na Câmara dos Deputados [6], serviu de base, em certa medida, para a elaboração da própria MP 1.108/2022, como também está sendo utilizado por diversas empresas do país interessadas na regulamentação, via negociação coletiva, do teletrabalho para os seus colaboradores.

Indubitavelmente, o teletrabalho ou o trabalho remoto (home office) trouxe grande impacto para a saúde física e mental dos trabalhadores. Ora, se é verdade que tal modalidade de trabalho pode trazer diversas vantagens e comodidades para o trabalhador, de outro norte é sabido também que este formato de labor pode ensejar problemas de saúde.

Por isso é que, em observância aos fatores ergonômicos capazes de ensejar transtornos ao trabalhador, pode-se destacar o uso de cadeiras e mesas inadequadas, problemas de postura errônea, falta de suportes apropriados para o desempenho do trabalho, dentre outros.

Ainda sobre as desvantagens, para uma recente pesquisa 38% dos colaboradores relataram terem padecido da Síndrome de Burnout durante o ano de 2021, enquanto 32% expressaram uma piora considerável da saúde mental ao trabalhar em casa [7]. Uma outra pesquisa constatou que os problemas de saúde aumentaram para a maioria das pessoas que migraram para o home office durante a pandemia, de forma que 64% tiveram problemas físicos, enquanto 75% relataram problemas mentais [8].

No tocante a essa temática, oportunos são os ensinamentos de Letícia Lisboa Souza Serralvo e do saudoso professor e ex-ministro do TST, Pedro Paulo Teixeira Manus [9]:

"Em sua esmagadora maioria, os teletrabalhadores exercem suas atividades por intermédio de um computador, sentados diante de um monitor apoiado em uma mesa. A partir da visualização desse cenário, já é possível prever que os acidentes de trabalho que mais acometem esse tipo de trabalhador estão relacionados a vícios ergonômicos e as lesões causadas por esforço repetitivo.(...). Ademais, outro importante fator desencadeador de enfermidades que acomete com frequência os teletrabalhadores é o estresse, responsável por transtornos psicológicos e físicos. O estresse é causado por vários fatores relacionados tanto à vida pessoal quanto à profissão, sendo nessa última impulsionado por problemas no local e na organização do trabalho, sobrecarga e complexidade de tarefas, prazos a serem cumpridos, dentre outros. Às novas doenças ocupacionais, dá-se o nome de tecnoestresses".

Outrossim, a temática do direito à desconexão, no regime do teletrabalho, também não ficou bem esclarecida [10]. Isto porque da leitura da redação ao artigo 75-B, §5º da Consolidação das Leis do Trabalho, extrai-se apenas o seguinte: "o tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, e de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho" [11].

Nesse panorama, perdeu o legislador a grande oportunidade de tratar de assunto de suma importância, a exemplo dos períodos em que os trabalhadores se dedicam ao labor fora do expediente normal, por meio de e-mails ou aplicativos de mensagens (v.g., WhatsApp), o que continua a acarretar discussões perante o Poder Judiciário Trabalhista.

Já em relação às despesas com equipamentos e infraestrutura para a prestação do trabalho remoto, o PLV 21/2022 foi omisso. Assim, ficará mantida a diretriz contida no artigo 75-D da CLT [12], o qual dispõe que despesas deverão estar previstas em contrato escrito de trabalho.

De mais a mais, o PLV 21/2022 altera o artigo 75-C, §3º, da Consolidação das Leis do Trabalho [13], para reforçar a necessidade de pactuação do teletrabalho ou trabalho remoto por meio de contrato individual de trabalho escrito. E, nesse caso, se o empregado optar por exercer as suas atividades fora do local do estabelecimento empresarial em que estiver sido lotado, o empregador não será responsável pelas despesas na hipótese de retorno ao labor presencial, salvo disposição contratual em contrário.

No tocante à legislação aplicável no caso de trabalho realizado no exterior, o novo §8º do artigo 75-B acrescido à CLT traz uma questão bastante polêmica [14]. De um lado, a Lei nº 7.064, de 6 de dezembro de 1982 [15], disciplina o conflito de aplicabilidade das normas referentes ao local da contratação e da prestação de serviços, no caso de trabalhadores brasileiros contratados ou transferidos para prestar serviço no exterior; dado outro, a medida provisória aborda essa questão, porém traz uma redação muito elastecida que poderá causar um desvirtuamento na aplicação da norma, vez que faculta às próprias partes estipularem as regras a serem aplicáveis ao contrato de trabalho — se brasileiras, por ser o empregado aqui contratado, ou se estrangeiras, por força do local da prestação de serviços.

Por fim, houve a manutenção do artigo 75-F na Consolidação das Leis do Trabalho [16], priorizando as vagas de teletrabalho ou trabalho remoto para os trabalhadores com deficiência ou com filhos de até quatro anos de idade. Não se trata propriamente dita de uma "cota", sujeita a fiscalização e/ou imposição de multas pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. Em realidade, estar-se-á diante de uma medida afirmativa que se mostra em conformidade com a redação do caput do artigo 226 da Constituição Federal de 1988 que diz que a família é base da sociedade e, por isso, tem especial proteção do Estado.

[2] "Com a nova redação da norma pela atual MP nº 1.108/2022, o próprio conceito do teletrabalho previsto no artigo 75-B celetista passa por uma metamorfose, pois, a partir de uma atenta leitura do dispositivo, com as respectivas alterações, percebe-se uma enorme e efetiva flexibilização" (CALCINI, Ricardo; BOCCHI, Leandro. Nova MP do Teletrabalho: aspectos pragmáticos. Revista Consultor Jurídico. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-abr-07/pratica-trabalhista-nova-mp-teletrabalho-aspectos-pragmaticos. Acesso em 17/8/2022.

[3] Ficou mantida, contudo, a exigência da utilização de tecnologias de informação e de comunicação para a execução dos serviços à distância, que, por sua natureza, não se configura e/ou se confunde com o trabalho externo.

[4] Além disso, para evitar evitar futuras e indesejadas discussões judiciais, ficou mantida a definição de que "o regime de teletrabalho ou trabalho remoto não se confunde e nem se equipara à ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento" (§4º do artigo 75-B da CLT).

[5] Em tempos de nômades digitais, em que não sabe a exata localização do emprego, dúvidas existem em torno da concessão de benefícios normativos, a exemplo do plano de saúde, do vale-refeição e da participação nos lucros e resultados.

[6] Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2267606. Acesso em 17/8/2022.

[7] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/sindrome-de-burnout-mais-comum-no-home-office-pode-levar-a-avc-e-infarto/. Acesso em 16/8/2022

[8] Disponível em https://www.sinjusc.org.br/site/home-office-aumenta-problemas-fisicos-e-mentais-mulheres-e-pais-com-criancas-pequenas-sao-os-mais-afetados/. Acesso em 16/8/2022.

[9] O teletrabalho e a responsabilidade civil do empregador: implicações para o home office. – São Paulo: LTr, 2022, página 98 e 99.

[10] Aliás, para não dizer que a MP nada tratou sobre o direito à desconexão dos teletrabalhadores, pode-se entender que o novo §9º do artigo 75-B da CLT faz expressa menção ao fato de que, por acordo individual entre as partes, devem ser impostos limites aos horários e aos meios de comunicação entre empregado e empregador, de modo a permitir que sejam assegurados os repousos legais, a exemplo do intervalo intrajornada, do horário noturno, do descanso semanal remunerado e das férias.

[11] Há que se ter em mente que os tradicionais regimes de prontidão e/ou de sobreaviso não se confundem com tempo à disposição que, por regra, não será computado na jornada de trabalho, exceto que as próprias partes ou normas coletivas de trabalho dispuserem em sentido contrário.

[12] Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. (...). § 3º. O empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese do empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.

[13] Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho ou trabalho remoto deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho.

[14] Artigo 75-B, § 8º. Ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional, aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes na Lei nº 7.064, de 6 de dezembro 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.

[15] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7064.htm. Acesso em 17.08.2022.

[16] Art. 75-F. Os empregadores deverão conferir prioridade aos empregados com deficiência e aos empregados e empregadas com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto.

 é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

 é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-ago-18/pratica-trabalhista-consideracoes-plv-21-novas-regras-teletrabalho