A proposta do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso para atualização da Lei Antiterrorismo abre brecha para criminalizar os movimentos sociais. Trata-se do PL (Projeto de Lei) 732/22, já em tramitação na Câmara dos Deputados, onde aguarda despacho da presidência da Casa.

De acordo com o projeto, divulgado no último dia 25 de março, como parte de conjunto de medidas voltadas para a área da segurança pública, a definição de terrorismo passa a contemplar as “ações violentas com fins políticos ou ideológicos”.

Apesar de ressalvar que os atos passíveis de enquadramento como terrorismo devem ter sido cometidos com emprego de violência, especialistas em direito penal ouvidos pela Folha de S.Paulo, que repercutiu primeiro o pacote bolsonarista, veem margem para avançar sobre os grupos organizados da sociedade civil.

Todos os projetos encaminhados pelo presidente da República ao Congresso dialogam com a base mais reacionária do chefe do Poder Executivo — aquela do “bandido bom é bandido morto”, que vem do período da ditadura civil-militar, da qual Bolsonaro é filhote ou viúva. Vai saber...

Mudança de conceito
Aprovada na administração da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a Lei 13.260/16 determina que terrorismo consiste na prática de atos motivados por “xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.

O novo “conceito” de terrorismo do Planalto passa a prever “o emprego premeditado, reiterado ou não, de ações violentas com fins políticos ou ideológicos”.

“O texto tira a conotação exclusiva do racismo, do xenofobismo atualmente em vigor e amplia para qualquer movimento político ou ideológico”, diz o criminalista e professor de direito penal da USP (Universidade de São Paulo) Pierpaolo Cruz Bottini.

“Ainda que, ao incluir essa ressalva sobre a violência, ele [esse] não afete completamente o movimento social, é bom lembrar que o projeto vai para o Congresso Nacional e basta alguém tirar o termo ‘violento’ para que ocorra essa criminalização.”

Mudança e ampliação do escopo
Gustavo Badaró, advogado e professor de direito processual penal da USP, destaca o fato de o texto sugerido não esclarecer se as “ações violentas” são contra pessoas ou bens.

“O projeto não especifica qual o objeto da violência. Em se admitindo que possa ser violência contra coisa, o tipo será amplíssimo”, afirma. “É possível considerar que, mesmo atos de violência contra bens, se premeditados, e praticados para fins políticos, caracterizam terrorismo.”

Nas ocupações de terras devolutas promovidas pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), por exemplo, há geralmente relatos sobre a derrubada de cercas ou porteiras.

O Ministério da Justiça afirma que a proposta não abarca “condutas individuais ou coletivas, de caráter pacífico, de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, religiosos, entre outros”.

Na mira, os movimentos sociais
Para Alexandre Conceição, integrante da coordenação nacional do MST, a proposta da administração Bolsonaro para a Lei Antiterrorismo mira os movimentos sociais.

“Propostas como essa aprofundam esse processo de criminalização dos movimentos [sociais]. Elas [Essas] nos preocupam, mas não nos acovarda”, disse Conceição.

O líder dos sem-terra elencou outras frentes de atuação do governo com esse alegado propósito. Lembrou, por exemplo, das recorrentes declarações do mandatário sobre a ampliação do porte de armas para proprietários rurais.

Em solenidade recente no Palácio do Planalto, o chefe do Poder Executivo abordou o tema.

“Vocês não têm visto em nosso governo ações do MST, que aterrorizava o campo. Além das armas que nós distribuímos para pessoas de bem, também a titularização tirou poder dos chefes do MST de manobrar pessoas humildes”, disse.

Criminalização do MST e preconceito
Durante a campanha de 2018, Bolsonaro chegou a classificar o MST de grupo terrorista. Ao assumir a Presidência, em 2019, paralisou os processos de aquisição, desapropriação ou outra forma de obtenção de terras para a reforma agrária, além da identificação e delimitação de territórios quilombolas.

“As ações do MST são legítimas”, disse sem-terra, lembrando o texto constitucional que confere à União o poder de desapropriar terras rurais improdutivas para fins de reforma agrária.

Conceição destacou outros pontos do pacote legislativo que, no entendimento dela, compõe a estratégia de “perseguição” aos sem-terra e outros grupos da sociedade que fazem oposição ao atual governo.

Um desses é a proposta que abranda penas para policiais que cometem excesso. Bolsonaro é defensor do chamado “excludente de ilicitude”.

Amparo jurídico aos integrantes dos órgãos de segurança pública
Formulado em ano eleitoral, o pacote legislativo acena para a base política do presidente da República.

Há, entre as sugestões do governo, proposta para aliviar punições a policiais. Esse conteúdo está no PL 733/22.

Pacote bolsonarista é composto de 3 projetos de lei encaminhados à Câmara dos Deputados: PL (Projetos de Lei) 731 a 733, todos deste ano.

Acesse o conteúdo de cada:

· PL 731/22: Altera o Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, a Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, e a Lei 8.036, de 11 de maio de 1990, para dispor sobre as garantias mínimas às vítimas de crimes. Vai ser constituída comissão especial para análise e votação do texto;

· PL 732/22: Altera o Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, a Lei 13.260, de 16 de março de 2016, a Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, e a Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, para aperfeiçoar a legislação penal para fortalecer o combate à criminalidade violenta. Texto vai ser examinado pelas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e Constituição e Justiça e de Cidadania (mérito). Está ainda sujeito à apreciação do plenário.

· PL 733/22: Altera o Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e o Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, para garantir maior amparo jurídico aos integrantes dos órgãos de segurança pública. Foi ao exame das comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e Constituição e Justiça e de Cidadania (mérito). Está sujeita à apreciação do plenário.

DIAP

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