DE BOAS INTENÇÕES...

O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, sancionou em maio deste ano a Lei 27/2021 (Lei dos Direitos Digitais). A normativa entrou em vigor no último dia 17 de julho e é considerada controversa e tem gerado debates sobre a possibilidade de o Estado praticar censura a veículos de comunicação, pois um de seus dispositivos prevê que um órgão da Administração poderá analisar queixas contra conteúdos que difundam "narrativa considerada desinformação".

Lei que visa combater a disseminação de fake news tem provocado debate sobre liberdade de expressão em Portugal

Segundo o artigo 6º da lei, que dispõe sobre o "direito à proteção contra a desinformação", "todos têm o direito de apresentar e ver apreciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social queixas contra as entidades" que promovam desinformação. O mesmo dispositivo também cria a "ação popular digital", estipulando que o instituto da ação popular pode ser usado para tutelar o direito de ser protegido contra fake news.

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) foi criada em 2006 e tem como missão a regulação e supervisão de veículos de comunicação.

A possibilidade de conceder à ERC o poder de decidir o que é ou não conteúdo legítimo provocou uma nota do Sindicato dos Jornalistas de Portugal, segundo o qual "a criação de um conceito de 'desinformação' com consequências jurídicas ao nível sancionatório é inaceitável".

Segundo a lei, desinformação é toda narrativa "comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens econômicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos".

A própria normativa traz exemplos: informação comprovadamente falsa ou enganadora pode se referir à "utilização de textos ou vídeos manipulados ou fabricados, bem como as práticas para inundar as caixas de correio eletrônico e o uso de redes de seguidores fictícios".

E não estão abrangidos pela lei "os meros erros na comunicação de informações, bem como as sátiras ou paródias".

A qualidade "soy yo"
A lei também dispõe que o Estado português deve incentivar a criação de "selos de qualidade" elaborados por  "entidades fidedignas".

"O Estado apoia a criação de estruturas de verificação de fatos por órgãos de comunicação social devidamente registrados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública", diz trecho da lei sancionada.

Em entrevista ao site Poder 360, a advogada Raíssa Mendes explica que, na prática, "a intenção desse artigo é transpor regulação aplicada à imprensa tradicional para o âmbito digital". "O trecho que trata do selo de qualidade seria apenas uma sugestão".

A Assembleia da República (o Congresso português) voltará a analisar a lei durante o segundo semestre de 2021.