ESTADO ARBITRÁRIO

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"A palavra aborrece tanto os Estados arbitrários, porque a palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade." Essa frase de Rui Barbosa, jurista, político e jornalista brasileiro, citada pelo presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, resume o teor do evento "A Erosão da Liberdade de Expressão no Brasil", promovido pelo Conselho Federal da OAB nesta quinta-feira (7/7).

No debate, o consenso entre os presentes foi que o Brasil atravessa um período "sombrio" para liberdade de expressão, em que os ataques a jornalistas são diários e o autoritarismo cresce. Para os palestrantes a corrosão da imprensa livre ameaça o sistema democrático como um todo.

Abrindo a palestra o presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz, afirmou que a liberdade está sob ataque no Brasil. Para ele há diversos sinais de alerta como a constante intimidação de jornalistas, os ataques a oponentes políticos, perseguição aos líderes indígenas e censura a cientistas. 

José Carlos Dias, advogado e presidente da Comissão Arns, disse que por mais de 50 anos luta pela democracia. Durante a ditadura foi advogado de muitos perseguidos pelo regime. Hoje seu maior medo é que o país retroceda para o autoritarismo. Segundo ele a ditadura não pode se repetir, e por isso todos precisam usar sua voz contra essa ameaça. A democracia é a única solução para a situação do país e a liberdade de expressão a grande arma para lutar contra a repressão.

A mediadora do evento foi a jornalista, Laura Greenhalgh. Ela expôs uma pesquisa da organização Repórteres sem Fronteiras que aponta mais de 30 líderes políticos que são contra a liberdade de expressão, e o presidente Jair Bolsonaro está nessa lista. Esse estudo situa o Brasil na zona vermelha de países que restringem a liberdade de expressão.

No mesmo sentido, ela citou um estudo da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV, que revelou ataques a 68 jornalistas, dos quais 39 sofreram agressões físicas em 2020. Para Greenhalgh, o presidente manda uma mensagem de que a imprensa não é confiável e os ataques dessa natureza estão ficando mais agressivos.  

A primeira convidada foi a jornalista, Patrícia Campos Mello que pontuou que os ataques contra a imprensa estão acontecendo diariamente. Infelizmente, as jornalistas mulheres são as principais vítimas dos ataques do presidente e sofrem constante difamação. O filho do presidente já insinuou que jornalistas ofereciam sexo para obter informações exclusivas, e essa mensagem foi transmitida para milhões de pessoas, o que causa um efeito muito negativo. 

A retórica agressiva do presidente está se expandido para rua, pontuou. Ela citou exemplo de um jornalista da Folha de S. Paulo foi agredido e xingado enquanto cobria uma manifestação a favor do presidente. As companhias de mídia sentem insegurança, afirmou a jornalista.

Para Mello a desinformação é a campanha do governo, seus apoiadores chegam a promover o negacionismo em relação à Covid-19. Parece que a raiz desses líderes populistas é usar ferramentas digitais para deslegitimar as informações apresentadas pela imprensa. Além disso, na opinião da jornalista, o governo está instrumentalizando instituições para perseguir veículos de comunicação e diminuir sua capacidade de informar. O Brasil vive uma perseguição aos meios de comunicação sem precedentes.

"Quando decidi processar o filho do presidente não foi uma forma de reparação, a ideia era mostrar que isso não era normal e aceitável, que os políticos não têm imunidade para ofender ninguém. Não acho que isso vá parar, porque essa é a natureza desse governo, mas tem que ser nossa natureza mostrar que não vamos aceitar isso e que não seremos silenciados", afirmou Patrícia.

O youtuber, Felipe Neto, favorável a que a pessoas não se omitam diante do governo
Reprodução

O comunicador e inflienciador digital Felipe Neto também expressou preocupação com o momento que o Brasil vive. Ele percebeu uma mudança de narrativa e que algumas pessoas jovens estão acreditando em um discurso mais "leve" sobre o que foi a ditadura, sempre guiados por narrativas conservadoras.

Ele considera importante falar como o "movimento bolsonarista", representado por todos os seus apoiadores, busca inverter o discurso. Eles se colocam como os perseguidos, dizendo que são os grandes defensores da liberdade, e muita gente acredita que eles são os heróis.

"Eles defendem o direito de fazer declarações sobre supremacia branca, ou seja, promovem narrativas que são completamente distantes da verdade e não querem nenhum tipo de consequência. Isso é um ataque direto a democracia, disfarçada de defesa da liberdade", continuou.

Para ele, pessoas leigas tendem a gostar desse discurso, mas é necessário explicar que esse tipo de comentário é criminoso e perigoso para a sociedade. Além disso, disse Neto, o governo usa falsos jornalistas para publicar fake news defendendo o governo, promovendo uma inversão de valores. "É impossível ver o que está acontecendo e não lutar. Muitos foram silenciados pelo medo. Infelizmente, muitos estão se omitindo. O silêncio pode ser tão perigoso quanto uma aliança."

O professor de direito da USP, Pierpaolo Bottini, foi um dos convidados do evento
Divulgação

O advogado e professor da Universidade de São Paulo, Pierpaolo Cruz Bottini, lembrou que os jornalistas são os pilares da liberdade de expressão. Na história do país já houve muitos ataques à liberdade de imprensa. A ditadura instalou a censura antes da liberdade de expressão existir. "Hoje, temos uma Constituição que fez um pacto com a liberdade de expressão. Nenhuma lei deve conter censura a essa liberdade."

Diante disso, em sua opinião, é inaceitável um governo que organiza políticas públicas para atacar jornalistas. Segundo ele, o governo Bolsonaro instituiu uma política institucional contra a imprensa. Ataca jornalistas, usando a lei de segurança nacional e os veículos da imprensa, esvaziando essas instituições economicamente. Isso cria um movimento perverso que atrapalha o jornalismo.

"Não haverá um golpe tradicional no Brasil, o que está acontecendo é um processo mais sutil .Vão criar medidas para bloquear a imprensa e, antes de percebemos, a censura vai estar instalada. Então precisamos alertar a sociedade, precisamos defender a Constituição e criar um movimento social unido para alertar o que está acontecendo", defendeu Pierpaolo.

O professor comentou, também, sobre o assédio jurídico contra jornalistas. Citou o caso de uma jornalista que fez uma reportagem sobre uma igreja e teve 300 processos contra ela, alegando ofensa a honra da instituição. Essa jornalista tinha bons advogados, mas o problema, para ele, é que, se isso acontece com um pequeno comunicador em uma pequena cidade, ele terá dificuldades de se defender. Assim, aos poucos vai se esvaziando a liberdade de imprensa.

Paulo Coelho, escritor, disse que os brasileiros não podem aceitar algumas coisas, mas não podem se colocar no papel de vítimas. O brasileiro não pode deixar Bolsonaro interferir na liberdade, porque ela foi conquistada com "suor e lágrimas". Bolsonaro, assim como Stalin e Kim Jong-un, não permite que as pessoas sejam contra ele ou que critiquem seu governo, ele quer que apenas notícias favoráveis a ele sejam veiculadas, completou o escritor.

Para Paulo Coelho, a falta de limites para o que é falado na internet é um grande perigo, pois isso permite que as pessoas não consigam mais distinguir o que é verdade e o que é fake news. Tudo que vai para internet influencia as pessoas, mas o que está destruindo os jornais não é a falta de apoio do governo e sim a quantidade de informação presente na internet, sem filtro.

O evento aconteceu em parceria com a Comissão Arns, e ocorreu por ocasião da 47ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2021-jul-08/autoritarismo-fake-news-erodindo-liberdade-imprensa