Por Valor — São Paulo

O trabalho infantil está crescendo nos países mais pobres do mundo, como resultado do impacto econômico sem precedentes causado pela covid-19. O problema ainda é agravado pelo fechamento das escolas e pela falta de assistência adequada por parte dos governos, segundo um estudo divulgado pela organização Human Rights Watch (HRW) nesta quarta-feira.

Pesquisadores da HRW, da Iniciativa para os Direitos Sociais e Econômicos (ISE) de Uganda e dos Amigos da Nação de Gana acompanharam o aumento do trabalho infantil e da pobreza durante a pandemia de covid-19 nos dois países e no Nepal. No relatório “Preciso trabalhar para comer”, eles ouviram 81 crianças que disseram que precisaram trabalhar por longas jornadas, em troca de baixos salários ou às vezes inexistentes, depois de seus pais perderam os empregos ou a renda devido às medidas restritivas para conter a propagação do vírus.

Algumas das crianças tinham apenas 8 anos. Muitas relataram que tiveram que enfrentar condições de trabalho perigosas, em locais como minas de ouro, onde acabavam respirando a fumaça das máquinas de processamento e lidavam com substâncias tóxicas, como o mercúrio. Outras disseram ter vivido situações de violência, de assédio e até mesmo o furto de seus salários.

Em cada um dos três países, mais de 30% das crianças entrevistadas trabalhava pelo menos 10 horas por dia, durante toda a semana. No Nepal, muitas delas revelaram que passavam mais de 14 horas por dia em fábricas de tapetes.

O estudo mostra que a maior parte das crianças recebia valores muito baixos, isso quando havia pagamento. Mais de 25% delas afirmaram aos pesquisadores que os empregadores ficaram com os salários ou pagavam menos que o prometido. Em Gana, um menino de 12 anos disse que trabalhava 11 horas por dia transportando peixes para um mercado e recebia entre 2 ou 3 cedis por dia (entre R$ 1,80 e R$ 2,75).

Segundo a HRW, além da devastação econômica causada pela pandemia, o fechamento das escolas contribuiu para o aumento do trabalho infantil em todo o mundo. A maior parte das crianças ouvidas tinha pouco ou nenhum acesso ao ensino remoto. Alguns perderam a merenda escolar gratuita. Muitos decidiram abandonar os estudos permanentemente e continuaram trabalhando mesmo após a reabertura das instituições de ensino.

Outro fator significativo é a morte de parentes por causa da covid-19. Com mais de 3,3 milhões de vítimas da doença em todo mundo, centenas de milhares de crianças perderam seus pais, sendo forçadas a contribuir ou a se tornar a principal fonte de renda de suas famílias.

Vários governos adotaram medidas de ajuda emergencial aos mais pobres por causa das restrições causadas pela covid-19. Em muitos casos, contudo, os auxílios ficaram muito aquém da necessidade. A maior parte dos programas de assistência em dinheiro era de curto prazo ou consistia em um único pagamento, segundo o estudo.

“Muitas crianças sentem que não têm escolha a não ser trabalhar para ajudar suas famílias a sobreviver, mas o aumento do trabalho infantil não é uma consequência inevitável da pandemia”, disse Jo Becker, diretora de defesa dos direitos das crianças da HRW. “Governos e doadores devem aumentar os repasses em dinheiro às famílias para manter as crianças longe do trabalho infantil.”

Os pesquisadores focaram em Gana, Nepal e Uganda porque os três países obtiveram progressos significativos na redução do trabalho infantil antes da pandemia e se comprometeram a erradicá-lo até 2025, de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. No entanto, todos ficaram atrás de seus vizinhos no uso de recursos para enfrentar a crise causada pela pandemia.

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 94 milhões de crianças deixaram de trabalhar entre 2000 e 2016, uma queda de 38%. Em muitos países bem-sucedidos no combate ao trabalho infantil, os governos criaram programas para complementar a renda das famílias e reduzir a pressão para que os filhos ajudassem os pais. No entanto, 1,3 bilhão de crianças — a maior parte delas na África e na Ásia — ainda não são beneficiadas por políticas desse tipo.