Segundo a pesquisa de Marcelo Neri, diretor do FGV Social, a taxa de pessoas com 15 a 29 anos que não estudam nem trabalham acelerou para 25,52% no quarto trimestre de 2020

Por Anaïs Fernandes, Valor — São Paulo

O número de jovens que não trabalham nem estudam, os chamados “nem-nem”, cresceu na pandemia, mais pela deterioração do mercado de trabalho para esse grupo, que já fora bastante atingido na última recessão, do que por um aumento da evasão escolar. Diante desse cenário, estudo do FGV Social sugere que é preciso aproveitar o momento para ampliar os conteúdos educacionais e incentivar jornadas reduzidas de trabalho, “socializando” a geração de postos de trabalho entre um grupo maior de jovens.

Segundo a pesquisa de Marcelo Neri, diretor do FGV Social, a taxa de pessoas com 15 a 29 anos que não estudam nem trabalham acelerou para 25,52% no quarto trimestre de 2020, ante 23,66% no fim de 2019. Ao longo do ano passado, esse número chegou a bater recorde histórico, atingindo 29,33% no segundo trimestre. O ponto mais baixo da série, iniciada em 2012 a partir de microdados da Pnad Contínua, foi no primeiro trimestre de 2014, com uma taxa de 20,78%.

“O primeiro ponto de inflexão se dá no fim de 2014. De 2015 a 2017 observamos gradual mudança de três pontos percentuais no patamar das séries, indo de 21% para cerca de 24%, seguida de manutenção deste nível mais alto”, descreve o estudo, referindo-se agora às médias móveis de quatro trimestres. A chegada da pandemia depois do últimos período de 2019 provoca uma aceleração na taxa de jovens “nem-nem” em mais três pontos percentuais por essa métrica, chegando à faixa de 27% no fim de 2020.

Os maiores percentuais de “nem-nem” no último trimestre de 2020 estavam entre mulheres (31,29%), pretos (29,09%), moradores do Nordeste (32%) e de periferia das maiores metrópoles brasileiras (27,41%), chefes de família (27,39%) e pessoas sem instrução (66,81%). O fato de as maiores incidências dos “nem-nem” estarem entre aqueles com menor nível de educação e principais provedores das famílias apresenta “implicações para o futuro desses jovens e famílias inteiras”, escreve Neri.

Subdividindo os jovens, o estudo observa ainda que a taxa entre 20 a 24 anos e 25 a 29 anos, que era próxima no início da série, em 2012, e havia se descolado ao longo da última recessão com aumento expressivo dos “nem-nem” mais jovens, voltou a se aproximar na pandemia, com a piora relativa da situação entre os jovens adultos.

A pandemia foi marcada por perdas trabalhistas para o conjunto dos jovens, ampliando a magnitude de um movimento já observado nos últimos anos. Só a desocupação na faixa de 15 a 29 anos subiu de 49,37% em 2019 para 56,34% em 2020.

Por outro lado, o estudo identificou uma queda na taxa de evasão escolar durante a pandemia, considerada surpreendente pelo pesquisador. A evasão atingiu o nível mais baixo da série no último trimestre de 2020, com 57,95% para jovens entre 15 e 29 anos, ante 62,2% em igual período de 2019. No pré-covid, o que se observava era estabilidade.

Embora a queda na taxa de evasão escolar durante a pandemia esteja presente em todos os grupos jovens, ela foi particularmente maior entre jovens adolescentes de 15 a 19 anos, passando de 28,95% no quarto trimestre de 2019 para 22,16% em 2020.

A combinação entre falta de oportunidades de inserção trabalhista e menor cobrança escolar — em relação à presença e com aprovação automáticas — poderiam explicar a menor evasão, sugere o estudo.

“É importante notar que esta tendência entre todas as faixas jovens está em oposição ao observado nas faixas de 5 a 9 anos de idade, nas quais a taxa de evasão e a redução do tempo dedicado aos estudos bateram recordes”, aponta. “A maior dependência infantil de professores tutores presenciais e a própria dificuldade de lidar com a internet podem explicar esta divergência.”

O estudo reforça que é preciso “tirar partido dessa situação inusitada e prover aos jovens com novos conteúdos educacionais em larga escala”.

Acompanhar o comportamento dos “nem-nem” é importante exatamente para compreender os desafios dessa fase de transição da infância à idade adulta, um período em que mudanças podem deixar marcas na trajetória futura dos jovens, destaca o estudo.

Nesse sentido, diz Neri, incentivos a jornadas reduzidas de trabalho juvenil podem ser desejáveis porque possibilitam qualidade de ensino ao mesmo tempo em que “socializam” a geração de postos de trabalho entre um grupo maior de pessoas, “com efeitos também sobre a equidade trabalhista”, afirma.