Cerca de 525,2 mil brasileiros entre 22 e 25 anos com faculdade no currículo estão em ocupações que não exigem ensino superior

Filha de empregada doméstica, Camila Striato Martinez, de 22 anos, foi a primeira pessoa da família a concluir uma faculdade. Bruna Klingspiegel, também de 22 anos, se formou em história e fez pós-graduação. Bruno Vinícius Moreira Rodrigues, de 27, se graduou em direito há três anos.

Os diplomas dos três, no entanto, permanecem nas gavetas. Camila, Bruna e Bruno estão entre os milhares de jovens brasileiros com ensino superior que as sucessivas crises econômicas enfrentadas pelo Brasil nos últimos anos têm empurrado para ocupações de baixa qualidade.

No primeiro trimestre de 2020, 40% dos brasileiros entre 22 e 25 anos com faculdade no currículo eram considerados sobre-educados, revela um levantamento realizado pela consultoria iDados. Ou seja, 525,2 mil jovens graduados estavam em ocupações que não exigem ensino superior. O levantamento realizado tem como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), apurada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Desde 2014, os jovens que entraram ou se formaram no ensino superior enfrentam um mercado de trabalho bastante fragilizado. Nesse período, entre 2015 e 2016, houve uma forte recessão. Os anos seguintes foram de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), insuficientes para recuperar todas as perdas da economia.

Agora, a dura crise provocada pela pandemia do coronavírus e a política ultraliberal do governo Jair Bolsonaro deve agravar ainda mais esse cenário. “Houve uma formação muito grande de pessoas com ensino superior nos últimos 10 anos”, diz a pesquisadora do iDados e responsável pelo levantamento, Ana Tereza Pires. “As pessoas que se formaram a partir de 2015 enfrentaram um cenário de crise e não conseguiam mais encontrar uma vaga compatível com o nível de estudo.”

“O principal motor (para esse elevado nível de sobre-educação) foi a desaceleração da economia”, diz Ana Tereza. “A crise econômica fez com que as pessoas não conseguissem encontrar vagas em níveis compatíveis com a formação delas.”

As perspectivas são de piora desse quadro atual, alerta o professor titular e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho. “A pandemia está provocando o fechamento de negócios e queda generalizada de emprego e renda no país”, diz ele.

Segundo Naercio, “muitos desses jovens não estão conseguindo encontrar emprego nem no setor informal. Tudo o que eles aprenderem na faculdade e no ensino médio está sendo depreciado, eles não estão utilizando. “Isso vai fazer com que o salário deles, no futuro, seja ainda menor e a probabilidade de ficarem desempregados aumenta muito”.

A consequência para o país, no entanto, de ter jovens capacitados em ocupações que exigem baixa qualificação, é bastante perversa. Esses trabalhadores sobre-educados vão ter um salário mais baixo do que poderiam alcançar e uma produtividade menor, o que dificulta o enriquecimento do país.

A economia brasileira lida com um problema crônico com a sua produtividade. Ela está estagnada há 40 anos. Em 2019, um trabalhador brasileiro produziu o mesmo do que em 1980. “Temos vários problemas que explicam essa baixa produtividade estrutural”, diz Naercio. “Temos um problema de capital humano, de educação. Desde a primeira infância, as crianças têm baixo investimento para desenvolver suas habilidades, não só de raciocínio, de aprendizado em português e matemática, mas de habilidades socioemocionais.”

A melhora de produtividade brasileira passa por várias questões estruturais, segundo o economista do Insper, como melhorar a qualidade da educação, o ambiente de negócios do Brasil e aumentar a concorrência do país. “Ainda falta mais qualificação do jovem brasileiro, para que ele possa seguir carreiras de ponta”, conclui Naercio.

Com informações do G1