O Brasil vive tempos sombrios. Não tanto porque a economia brasileira está estagnada desde 2014, ou porque trocamos um presidente desmoralizado por um presidente que nos envergonha. Mas porque a aliança de um presidente de extrema-direita com as elites econômicas liberais está permitindo que a venda dos ativos nacionais aos outros países assuma proporções inusitadas.

O Brasil decaiu para a condição semicolonial quando, em 1990, se curvou ao Consenso de Washington e abriu sua economia e passou a ter um regime liberal de política econômica. A abertura comercial significou então desmontar o mecanismo que neutralizava a doença holandesa (altas tarifas de importação e subsídios à exportação de bens manufaturados); a abertura financeira facilitou a elevação da taxa de juros, cujas causas foram a crise fiscal do Estado e duas políticas: tentar crescer com “poupança externa” (ou seja, com deficit em conta-corrente) e usar a taxa de câmbio para controlar a inflação. As duas aberturas deram, assim, força aos dois fatores (doença holandesa não-neutralizada e taxa básica de juros muito elevada) que, desde então, mantêm apreciada a taxa de câmbio no longo prazo, tornando, assim, não-competitivas as boas empresas industriais no país. Dada essa enorme desvantagem competitiva, a indústria nacional foi quase inteiramente destruída. Em meados dos anos 1970, representava 25 por cento do PIB; hoje, apenas 10 por cento.

O neoliberalismo brasileiro, porém, não perdera ainda qualquer compromisso com os interesses nacionais. Foi só agora, depois do impeachment e da Operação Lava Jato, que uma aliança funesta entre o neoliberalismo e a extrema-direita (identificada com a milícia) tornou sem freios a venda dos ativos nacionais. A desnacionalização da Embraer, o enfraquecimento das construtoras nacionais obrigadas a desnacionalizar suas subsidiárias para sobreviver, e, afinal, a venda a outras empresas estrangeiras (várias delas estatais) de mais de 50 por cento do pré-sal. Até ditaduras ferozes como a existente na Arábia Saudita são hoje menos entreguistas que o Brasil.

O último capítulo dessa tragédia nacional está muito bem descrito pelo competente jornalista econômico Carlos Drummond no último número da CartaCapital. O governo apressa-se agora a fazer a cessão onerosa do pré-sal cujo leilão foi marcado para 6 de novembro. Ele espera arrecadar R$ 106,5 bilhões que usará exclusivamente para pagar dívidas, enquanto os estados e municípios deverão ficar com R$ 10,94 bilhões.

Entretanto, conforme estudo da Associação dos Engenheiros da Petrobras que serviu de base para a matéria de Drummond, “estima-se um valor presente do IRPJ e CSLL a ser pago pelas contratadas de apenas R$ 104,253 bilhões. Assim sendo, o valor presente líquido da receita governamental total decorrente da Rodada dos Excedentes da Cessão Onerosa seria de R$ 653,173 bilhões. Em apresentação na Câmara dos Deputados, a representante do Ministério de Minas e Energia confirmou que o Pré-Sal têm as jazidas de mais alta produtividade do mundo. As melhores jazidas de petróleo mais produtivas do mundo gerariam uma participação governamental de apenas 59%, inferior à possível participação governamental na 15a Rodada do regime de concessão do Brasil da ordem de 60%; na Noruega e em Angola, essa participação é superior a 80%8. Na Arábia Saudita, em razão do monopólio estatal, a participação governamental é de 100%. Essa receita de R$ 653,173 bilhões é muito menor que a receita governamental de R$ 987,962 bilhões, caso a Petrobras fosse contratada pela União para as atividades de exploração e produção dos excedentes da cessão onerosa. Desse modo, a Rodada dos Excedentes da Cessão Onerosa pode representar uma perda, a valor presente, de R$ 334,789 bilhões para o Estado brasileiro.”

A diferença entre o que diz o governo e o que afirmam os engenheiros é muito grande. Ela reflete a determinação do governo de subordinar aos interesses estrangeiros. Ela mostra quão terrível pode ser para o futuro do país a associação perversa hoje existente entre um governo de extrema-direita e economistas neoliberais para os quais o critério do interesse nacional não existe.

 Luiz Carlos Bresser-Pereira é economista e professor universitário.

Fonte: Facebook do autor