Um jantar na casa de Luciano Huck, no Rio de Janeiro, reuniu nomes de peso da direita: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o economista Armínio Fraga, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto, os ex-ministros Mendonça Filho e Raul Jungmann, o presidente do Cidadania, Roberto Freire, o líder do partido na Câmara, Daniel Coelho (PE), além dos empresários Leandro Machado (movimento Agora!) e Eduardo Mufarej (RenovaBR).

Huck, ao lado de seu amigo Aécio Neves (PSDB): entorno do apresentador está consciente de que polêmicas nas quais ele se envolveu ao longo da vida voltarão à tona Huck, ao lado de seu amigo Aécio Neves (PSDB): entorno do apresentador está consciente de que polêmicas nas quais ele se envolveu ao longo da vida voltarão à tona
O encontro ocorreu em 16 de setembro e deixou claro que o apresentador global já se porta como pré-candidato à Presidência. De acordo com jornalistas da grande mídia, o time peso-pesado do PSDB, do DEM e do Cidadania (antigo PPS) viu tudo com bons olhos. Até porque, quando Huck foi perguntado se não temia novo veto da Globo à sua candidatura, o novo “queridinho” da direita respondeu que não. Segundo ele, muito provavelmente a Globo será contra sua permanência nos quadros da emissora assim que anunciar a candidatura. Mas ele disse estar disposto, desta vez, a “enfrentar o desafio”.

Embora todos os presentes ao jantar tenham se declarado simpáticos à pré-candidatura, a opinião generalizada – inclusive do possível candidato – é de que é muito cedo para qualquer anúncio. E também concordam que há uma primeira barreira a ser ultrapassada: as eleições municipais de 2020, que podem – ou não – dar um sinal da força de movimentos de renovação política nos quais Huck se engajou, como o Agora! e o RenovaBR.

O apresentador quer eleger uns 4 mil vereadores, que dariam alguma capilaridade à eventual campanha presidencial de 2022. A aliança também depende do desempenho dos partidos envolvidos. Isso será importante para definir inclusive a sua filiação como candidato, hoje mais próxima do Cidadania.

A direita precisa ainda avaliar o desempenho de outros pleiteantes, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Hoje, o tucano tem se lançado como o principal adversário de Jair Bolsonaro pelo “centro”, mesma faixa em que Huck pretende se colocar, mesmo sendo, um e outro, conservadores, de direita. Se Doria demonstrar força nas eleições municipais, a velha guarda do tucanato, que não vê o governador com bons olhos, terá dificuldades de impor uma aliança em torno da candidatura Huck.

Por fim, acreditam não vale apressar a ruptura com a Globo, de onde sai a grande visibilidade do apresentador. Na realidade, a “ruptura”, apostam os presentes, seria apenas formal. Do jeito que o atual presidente da República tem declarado guerra à emissora, a Globo talvez torcesse por um nome capaz de derrotá-lo em 2022.

Em 2018, quando Huck aventou sair candidato, a Globo deixou claro que ele não só teria que se desligar da emissora como também não voltaria aos seus quadros, caso fosse derrotado. Desta vez, a expectativa é de que as portas não estariam fechadas para um eventual retorno. O fato é que os presentes ao jantar saíram seguros de que, desta vez, as chances de candidatura do apresentador são maiores, assim como sua disposição de não desistir.

Mesmo sua mulher, Angélica, era tida como um empecilho. Desta vez, não deu essa impressão. Não chegou a participar das discussões. Mas passou pela reunião, cumprimentou a todos e mostrou-se bastante simpática.

Preparação

A movimentação de Luciano Huck não se restringiu ao jantar. Ele tem viajado pelo Brasil em busca de apoios. Ainda na semana passada, depois do encontro do Rio, foi almoçar em São Paulo com a cúpula do DEM, incluindo o vice-governador, Rodrigo Garcia.

O discurso oficial é o de que ele está imerso em uma jornada de busca por conhecimento, mas a expressão “candidato a candidato” passou a ser vista como mais apropriada para o momento de Huck. Com a preparação, ele chegaria a 2022 com a ideia amadurecida, diferentemente do que ocorreu em 2018, quando acabou atropelado por acontecimentos e concluiu prescindir de uma estrutura sólida o suficiente para encarar uma batalha presidencial.

Desde 2017, Huck se ancora no engajamento em movimentos que pregam renovação política. Ele agora estabeleceu um ritmo acelerado de conversas com líderes políticos, entrevistas à imprensa, palestras em eventos para formadores de opinião e aparições públicas para debater temas urgentes, como a crise na Amazônia.

A face política do apresentador do Caldeirão do Huck, programa das tardes de sábado que ele comanda na Globo há 19 anos, pode ser acompanhada nas redes. Ele se define nos perfis como “apresentador de TV e curioso”. Diante de seus 48 milhões de seguidores, posicionamentos de tom mais sério dividem espaço com fotos da esposa Angélica e dos três filhos, vídeos de sua atração na Globo e selfies com amigos como Neymar.

Nos bastidores, o caldeirão de Huck também ferve. Ele passou a aproveitar as muitas viagens para gravações (chega a visitar três estados por semana) para reuniões com governantes e influenciadores. Esteve com os governadores Eduardo Leite (PSDB-RS), e Ratinho Junior (PSD-PR). O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), também esteve no rol dos que se sentaram com Huck. Há três meses, o tucano participou de evento no Instituto Criar, ONG fundada em 2003 pelo apresentador.

A lista de interlocutores reflete proximidade com partidos que buscam se posicionar na direita menos raivosa, menos extremada que o bolsonarismo. O núcleo embrionário em torno da ideia reúne figuras experimentadas: além de Arminio Fraga , ex-presidente do Banco Central (governo FHC); Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo (que passou por PMDB, PSDB, PPS e PSB e hoje está sem partido); e Roberto Freire, disposto a tudo para levar o “passe” do novato ao seu Cidadania.

Também orbitam o projeto o cientista político Leandro Machado, do Agora!, e o empresário Eduardo Mufarej, que teve a ajuda de Huck para fundar o RenovaBR. Atuando como assessores informais, eles se encarregam de dar conselhos ao apresentador e de aproximá-lo de potenciais aliados, tanto no ambiente político quanto no meio empresarial e no setor não governamental.

Antipetismo

Nessa mesma toada, Huck adota publicamente um discurso de conciliação e respeito às diferenças. Há alguns dias, em um seminário promovido pela revista Exame em São Paulo, disse ser uma pessoa “com a cabeça aberta”, avessa à lógica de polarização. À esquerda, contudo, ele direcionou ataques desde o segundo turno da eleição de 2018. Quando a disputa estava entre Bolsonaro e o petista Fernando Haddad, Huck falou: “No PT eu nunca votei e jamais vou votar. Isso é fato”.

Já no imbróglio entre Tabata Amaral e a cúpula do PDT de Ciro Gomes, o apresentador ficou do lado da deputada federal, eleita com o apoio da escola de políticos RenovaBR, uma das organizações de renovação que ele apadrinha. No mesmo evento da Exame, no qual deixou na plateia a impressão de já falar como presidenciável, Huck alfinetou Lula (PT), ao criticar a retórica do ex-presidente. “O ‘nunca antes na história deste país’ só foi possível porque antes disso teve um governo que organizou e equilibrou o Estado”, afirmou, em alusão à gestão FHC e ao Plano Real.

Na palestra, Huck apresentou à plateia de executivos um conceito com jeito de slogan de campanha: disse acalentar um “sonho maior” para o Brasil, uma plataforma que envolveria diminuição da desigualdade, eficiência da gestão e crescimento econômico aliado a programas sociais. O discurso testado pelo apresentador é uma evolução das ideias que difunde desde 2017, quando despontou como provável concorrente ao Planalto. Nas falas, ressalta a defesa da educação e da igualdade de oportunidades.

O “país afetivo” a que ele se refere nas declarações seria o reflexo de uma visão híbrida, que conciliaria valores liberais na economia com um dedo do Estado em políticas de enfrentamento à miséria. Ele emerge como “um excelente candidato para derrotar a disjuntiva nefasta entre lulopetismo e bolsonarismo”, diz o sempre maleável Roberto Freire. “Tem uma boa visão do mundo e compreensão política dos problemas brasileiros”, acrescenta o apoiador.

Enquanto tenta se colocar como alguém que circula bem da Faria Lima (a avenida do PIB em São Paulo) aos grotões do país (onde entrevista anônimos para quadros de seu programa), Huck e seus correligionários sondam o terreno. E no caminho há João Doria. Ainda que o pleito esteja distante, interlocutores do apresentador já fazem cálculos e projeções de cenário. Dizem que ambos têm pontos fracos e fortes.

Huck tem em suas mãos pesquisas demonstrando que é conhecido nacionalmente (graças a uma carreira de mais de 20 anos na TV) e goza de popularidade da classe A à E. Numa eleição, encarnaria a figura de outsider e conseguiria angariar apoio das celebridades de quem é amigo. Doria, por outro lado, tem armas competitivas: controla a máquina do principal estado do país e a estrutura do PSDB, acumula mais experiência de gestão, rivaliza à altura em habilidade de comunicação e sabe também manejar o apoio de empresários e artistas.

Pontos fracos

Huck e Doria, não por acaso, viraram alvo de ataques de Bolsonaro – e pelo mesmo motivo. Em agosto, o presidente disse que ambos se aproveitaram da “teta” do BNDES, por terem comprado jatinhos a juros subsidiados pela instituição. O apresentador, em resposta, sustentou que a negociação foi feita dentro da lei. Depois decidiu se calar sobre o episódio, no estilo “quando um não quer, dois não brigam”.

Recentemente, o global disse a amigos ter ficado com a impressão de que o escândalo pretendido por Bolsonaro teve efeito passageiro, já que, nas incursões país afora para gravações, ele não ouviu comentários sobre o tema. Mas o entorno de Huck está consciente de que polêmicas nas quais ele se envolveu ao longo da vida voltarão à tona no contexto de guerra eleitoral. Além do jatinho, o grupo antevê adversários resgatando a amizade do apresentador com o deputado Aécio Neves (PSDB-MG).

Para isso o posicionamento também já está dado: Huck era, nas palavras de um interlocutor, “amigo de balada” do tucano, que caiu em desgraça após a Lava Jato. O apresentador disse que sentiu “enorme tristeza” com o que foi revelado pelas investigações e que se decepcionou com Aécio, para quem fez campanha na eleição presidencial de 2014.

A parte negativa de seu currículo tem ainda uma condenação por dano ambiental em sua casa de Angra dos Reis (RJ), pela qual pagou multa de R$ 40 mil, afirmações do passado consideradas machistas e a vez em que supostamente estimulou turismo sexual no Brasil durante a Copa de 2014. Antes de revisitar essas questões, ele terá de resolver sua situação na Globo, onde tem contrato até 2021.

Questionada, a emissora diz ter “uma política interna sobre eleições ainda mais rigorosa do que a lei”. Segundo a nota, o canal “respeita a liberdade de manifestação de pensamento, expressão e informação” dos funcionários, “mas entende que posicionamento pessoal e profissional não podem se misturar”. A Globo afirmou que, no período que antecede anos eleitorais, lembra a profissionais de seus quadros “sobre as regras que, entre outras restrições, impedem que contratados da emissora que desejem se candidatar permaneçam no ar em qualquer programa”.


Com informações do UOL e da Folha