Setor empresarial prevê mais postos de trabalho com mão de obra temporária, mas analistas temem precarização das condições sociais
O argumento de que a reforma trabalhista sancionada pelo governo federal aumentará o número de trabalhadores formalizados divide opiniões. Para empresários, a possibilidade de contratar mão de obra temporária ou somente para períodos de maior demanda permitirá o aumento do número de carteiras de trabalho assinadas no País. Porém, a menor proteção ao elo mais fraco da cadeia e a imprevisibilidade de renda tendem a precarizar as condições sociais das famílias para analistas ouvidos pela FOLHA.
A única visão geral parece ser a de que era necessário atualizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas a forma como ocorreu e o tipo de mudança estão longe da unanimidade. As novas regras foram publicadas no "Diário Oficial da União" na última sexta-feira e passarão a valer em quatro meses, ainda que não esteja descartada a possibilidade de edição de artigos por meio de Medida Provisória.
Especialista em mercado de trabalho e inovação, a professora de economia Katy Maia, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), afirma que era necessário que a lei passasse a permitir, por exemplo, a contratação em número de horas menor do que as tradicionais oito. Ela cita como exemplos os trabalhadores que preferem ganhar e trabalhar menos em troca de mais tempo para estudar, ou de mães que não têm com quem deixar filhos pequenos para trabalhar em dois turnos.
Por outro lado, a economista diz que é preciso manter as condições mínimas de trabalho. "Claro que não pode ter a exploração dessa mão de obra. Mesmo que seja por dois ou três dias por semana, é preciso que as condições sejam decentes", diz. Para ela, faltou dar voz a trabalhadores e a empresários na discussão, o que culminou em muitas medidas gerais demais, que precisarão de regulamentação. "Não vejo como vai solucionar a questão do desemprego e é possível que gere precarização, o que já ocorre porque as pessoas estão desempregadas e aceitam qualquer coisa para poder sobreviver", completa.
Evolução
Vice-presidente e coordenador do Conselho Temático de Relações de Trabalho da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), Carlos Walter Martins Pedro considera que só há mudanças benéficas e que não atingem direitos do trabalhador. "Já evoluímos bastante no Brasil e não existe mais essa chance de precarização do trabalho. Não condiz com a nossa necessidade de produtividade alta oferecer salários baixos, desqualificação e desmotivação", diz.
Pedro cita que a reforma abre espaço para a venda da força de trabalho para mais de um empregador, o que pode significar renda maior. Ainda, dá mais competitividade a empresas, que pagam apenas sobre as horas efetivas de trabalho. "Existe o exemplo do garçom, que trabalha para um restaurante durante a semana e para um bar no fim de semana, e que poderá ser contratado por ambos sem restrição. Mas também funcionará bem na indústria, onde posso ter um técnico que faz reparos em um dia para mim e no outro, para outra empresa."
Para o professor de ciências políticas Eliel Machado, da UEL, a imposição apressada da reforma ocorreu justamente para não ter de atender todos os lados do mercado. Ele acredita que não há nada nas novas regras que possibilite a geração de empregos. "Vários países que fizeram reformas como essa, como a Espanha, começam a voltar atrás porque somente houve a precarização das relações de trabalho", diz.
Machado afirma não ver pontos positivos no todo. "Liberar que as mulheres grávidas para trabalho em lugar insalubre, permitir o parcelamento de férias, o trabalho temporário, tudo tira a condição do trabalhador de se manter no mercado", cita. Ele aponta que fica difícil prever a remuneração no fim de um mês ou mesmo ter acesso as férias, já que completar um ano em uma empresa será mais difícil.
Já o professor de ciências políticas Mário Sérgio Lepre, da PUC e da Unifil, afirma que a reforma foi benéfica e que gerará mais trabalhadores formais. "Quando se fala em precarizar, é preciso entender que são poucos os que são celetistas, porque há uma quantidade enorme de trabalhadores à margem da CLT", diz. "Se precariza, o que é melhor: ter emprego ou não ter?", completa.
Fonte: Folha de Londrina, 17 de julho de 2017