OPINIÃO

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A Medida Provisória 881/2019, aprovada no Plenário da Câmara dos Deputados e que seguirá para o Senado Federal para votação final, dispõe sobre normas cujo objetivo é viabilizar a livre-iniciativa e o livre exercício da atividade econômica, notadamente, buscando restringir a atuação do Estado (ente federal) como regulador das profissões, comércio, produção, consumo, transportes e tantas outras atividades.

São princípios norteadores dessa MP a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas, a boa-fé do particular perante o poder público, a intervenção subsidiária mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas e o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.

Diante dessa evidente preocupação do legislador em proporcionar maior liberdade ao particular no exercício de sua atividade econômica, o presente artigo busca explorar os impactos dessa medida no exercício de atividades reguladas por conselhos de fiscalização profissional, especificamente a Ordem dos Advogados do Brasil.

Para tanto, é necessária uma breve análise sobre a personalidade jurídica da OAB, cuja finalidade é esclarecer se esta faz parte da administração púbica indireta e sujeita à tutela administrativa e, consequentemente, vinculada às regras e princípios da medida provisória.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3.026/DF (2016), no qual se discutia a submissão ou não da Ordem ao regime de concurso público para a contratação de seus funcionários, proferiu uma decisão em que prevaleceu o entendimento de que a OAB é entidade sui generis, ou seja, está sujeita a normas de Direito Público e, ao mesmo tempo, a normas de Direito Privado, independentemente de saber se é autarquia típica ou especial.

Esse entendimento fez parte do voto do ministro Cesar Peluso, que, assim como outros ministros, também reconheceu a personalidade ambivalente pública e privada da OAB.

Considerando os argumentos dos ministros e a hipótese de estar a OAB inserida na definição de autarquia, ainda que sob aspectos diferenciados, retomo o tema do impacto das normas estabelecidas pela medida provisória, que confrontados com as regras adotadas pela OAB, cujo objetivo é regular a atividade econômica da advocacia e dos profissionais do Direito, há que se notar que algum conflito passará a existir, uma vez que é dado como certa a aprovação da MP pelo Senado Federal.

A Lei 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 33, diz que o advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina e que este regula os deveres do advogado para com a comunidade, o cliente, o outro profissional e, ainda, a publicidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência jurídica, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos disciplinares.

Por sua vez, o Código de Ética e Disciplina da OAB estabelece regras de acesso ao direito de publicidade da advocacia, além de interferir no modelo de contratação dos serviços advocatícios, inclusive criando valores mínimos de honorários, cuja inobservância pode caracterizar em aviltamento.

A proposta trazida pela medida provisória é, precipuamente, criar um ambiente de liberdade econômica onde tais restrições, como acima mencionadas, podem afetar a exploração da atividade econômica da advocacia por abuso do poder regulatório da entidade de classe.

O artigo 12 da MP 881, diz o seguinte:

Art. 12. O órgão ou entidade da Administração Pública federal, estadual, distrital ou municipal, incluindo a autarquia ou fundação pública, incorre em abuso do poder regulatório se indevidamente, ao editar norma que afete ou possa afetar a exploração de atividade econômica: 
(...)
VII – introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas não proibidas em lei federal;
VIII – restringir o uso ou o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas em lei federal na forma do § 4º do art. 220 da Constituição Federal;
(...) (grifamos)

É certo que os advogados foram autorizados a se reunirem em sociedade simples ou unipessoal apenas em 21 de janeiro de 2016, com a edição da Lei 13.247, que alterou o Estatuto da Advocacia, porém, proibindo “espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou totalmente proibida de advogar”, conforme previsto no referido estatuto, em seu artigo 15.

Assim, é evidente o poder regulatório que a OAB exerce sobre seus associados. No entanto, o ponto é saber, se possuindo personalidade jurídica de autarquia, a OAB estaria sujeita aos princípios e regras da MP 881 e, ainda, se as normas que regulam a atividade econômica da advocacia se coadunam com os princípios dessa MP, que pretende representar a vontade do legislador num momento de mudanças da política econômica nacional.

 é sócia do Viani&Chér Advogados Associados e especializada em Direito do Trabalho pelo CEU–IICS.

Revista Consultor Jurídico