Além de Eduardo não possuir experiência em negociações diplomáticas, sua indicação à Embaixada do Brasil nos EUA pelo pai configura-se ato ilegal

Violados todos os trâmites e protocolos oficiais, a indicação de Eduardo Bolsonaro a embaixador do Brasil nos Estados Unidos da América apenas confirma o desmonte do Itamaraty que conhecíamos, responsável, respeitoso com os direitos humanos e defensor da soberania nacional.

O episódio não é de menor importância, mesmo diante de tantos outros agravos gestados pelo governo federal pois, ao abrir o debate sobre nepotismo se reafirma o que tem de fato público e notório: o presidente Bolsonaro não tem respeito pela Constituição Federal e tampouco valoriza o princípio da ética. Sua falta de modos, linguajar inapropriado e incapacidade intelectual para sanar os graves problemas da República são evidentes para o mundo, mas não deixa de causar espanto sua habilidade ímpar em gerar novos problemas. Sem o mínimo decoro exigido à maior autoridade do País, o presidente segue dividindo para conquistar. Agora temos dois grandes blocos: um que quer que ele se cale, para reduzir danos ou para apaziguar a própria consciência sobre o voto dado em 2018; o outro quer que ele fale mais e se exponha, seja para reafirmar os horríveis valores que carrega ou para expô-lo ainda mais, ao ridículo. Nos dois grupos, no entanto, há algo em comum: a certeza absoluta de que peixes, grandes ou pequenos, sempre estão vulneráveis a morrer pela boca.

É ao Senado, então, que resta agora o papel firme de barrar essa indicação, que já foi ofertada aos EUA publicamente contrariando os processos do Itamaraty. Além de nos expor ao ridículo discurso sobre as habilidades culinárias do candidato, a cada vez que fala sobre o tema o presidente Bolsonaro humilha e envergonha o corpo diplomático brasileiro, na sua maioria composto por profissionais conceituados, que por anos defenderam os avanços civilizatórios, as evidências científicas e a construção de sociedades pacíficas e prósperas.

Esta indicação, tampouco, é legal. Como dito na nota elaborada pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 e assinada por mais de cem organizações brasileiras, “A escolha da chefia de missões diplomáticas permanentes deve seguir a Lei nº 11.440, de 29 de dezembro de 2006, que define o regime jurídico para que servidores(as) atuem no exterior e afirma que embaixadores e embaixadoras devem ser escolhidos(as) entre ministros(as) de primeira ou de segunda classe (cargos internos da estrutura organizacional do Itamaraty). Mesmo que o parágrafo único do artigo 41 permita, em caráter excepcional, indicação fora da carreira diplomática ‘a brasileiros(as) natos, maiores de 35 anos’, é exigido que sejam ‘de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao país’”.

“Exceto pela idade”, continua a nota, “não há evidência de que nenhum dos demais requisitos se aplique ao potencial indicado. A situação é ainda mais grave, uma vez que o posto pleiteado é dos mais complexos e requer alta capacidade política, linguística e técnica. Corroboram com esta afirmação o currículo e experiência dos embaixadores brasileiros que serviram em Washington DC: todos, desde Joaquim Nabuco (1905- 1910) a Sergio Amaral (2016-2019), têm profundo conhecimento sobre a história comum dos dois países, suas relações econômicas (comerciais e financeiras) e suas conexões geopolíticas e sempre estiveram comprometidos com a independência soberana do Brasil.”

O manifesto cita ainda que, além de Eduardo Bolsonaro não possuir qualquer experiência em negociações diplomáticas ou na administração de contenciosos, sua indicação à Embaixada do Brasil nos EUA pelo próprio pai configura-se como um ato ilegal, na medida em que descumpre as normativas (Lei no 8.112, de 1990, Súmula Vinculante no 13 do STF, Decreto no 7.203, de junho de 2010) que barram o exercício do nepotismo. “Ao indicar um filho sem qualificação para o posto, o presidente Jair Bolsonaro ‘usa de sua posição de poder para nomear, contratar ou favorecer um parente’, o que fere gravemente os princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade e igualdade exigidos na atuação de um agente público”, argumentam as organizações signatárias.

Mas a nota, disseminada amplamente, traz também outras reflexões não menos importantes para o caso que vão além das questões jurídico-normativas. De acordo com o texto, a decisão também implica aspectos éticos e morais, uma vez que uma das bandeiras de campanha de Bolsonaro foi o discurso anticorrupção e é flagrantemente contraditório que indique o próprio filho para o cargo de embaixador. “Este tipo de envolvimento de familiares em assuntos de Estado é típico de governos autoritários e apenas contribuiria para um maior enfraquecimento das instituições públicas, essenciais para a justiça social e para o cumprimento do Objetivo 16 da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável", justifica a nota.

Neste momento tão grave para o país, com fome, pobreza, desemprego, desmatamentos e violência crescentes, esperamos que o Senado Federal cumpra seu papel e nos mostre que ainda há algum resquício de país soberano e altivo, respeitoso de sua Constituição Federal. Barrar esta indicação é, sobretudo, um imperativo fundamental – e simbólico – para mostrar que no Brasil ainda existem limites que nos separam das badernas presidenciais.

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